Jogo sobre Zumbi dos Palmares usa Fortnite para levar história do líder quilombola aos jovens

Folha testou o jogo, que deverá estar disponível em março; desenvolvedora produziu mapas inspirados no Parque Memorial Quilombo dos Palmares

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São Paulo

Em uma nova forma de tentar contar a história do maior líder quilombola brasileiro, o jogo "Zumbi dos Palmares" busca dar imersão e, com isso, ajudar com que mais pessoas conheçam melhor a experiência vivida no quilombo dos Palmares.

Além disso, a plataforma traz para dentro do mundo dos games personagens e narrativas sobre pessoas negras.

Anunciado no mês de novembro pela PretaHub, aceleradora de negócios fundada por empreendedores negros, com produção e desenvolvimento da Salve Games, o título, formulado no Fortnite, deve estar disponível em março de 2024.

A proposta dos desenvolvedores é lançá-lo em um evento em União dos Palmares, cidade alagoana que abrigou o quilombo dos Palmares.

Repórteres da Folha testam "Zumbi dos Palmares", que utiliza da estrutura do "Fortnite", da Epic Games, para trazer a personagem e o quilombo para dentro do universo dos games; o objetivo do jogo é contextualizar o quilombo de Palmares e protegê-lo das invasões portuguesas, misturando jogabilidade e história
Repórteres da Folha testam "Zumbi dos Palmares", que utiliza da estrutura do "Fortnite", da Epic Games - Adriano Vizoni/Folhapress

A Folha teve acesso ao jogo, em estágio final de desenvolvimento. No game, jogadores precisam defender o quilombo dos Palmares de 30 ondas de invasores, assim como os habitantes da comunidade precisavam sobreviver a expedições portuguesas contra o local.

Há ainda um modo de exploração, sem inimigos, onde os jogadores podem aproveitar e visualizar o mapa, rico em detalhes sobre o quilombo. Além disso, a Salve Games, produtora do jogo, ouviu historiadores para reproduzir o contexto da época naquela região.

Na primeira onda de ataque, os jogadores estão armados com arco e flecha enquanto os colonizadores —caracterizados como robôs em formato humanoide— disparam com armas de fogo. Nessa etapa, é preciso eliminar dez deles para desbloquear outro armamento a fim de evitar a queda de Palmares.

Ideal para jogar em grupo de forma online, o game pode ser difícil para jogadores iniciantes ou em uma partida individual.

Uma das estratégias é usar a geografia do terreno, localizado em uma área alta, e a estrutura do local com uma série de torres de vigilância.

Não estão disponíveis na plataforma Zumbi ou Dandara como personagens jogáveis. Mas os dois líderes míticos de Palmares aparecem nos cenários durante o desenrolar da disputa.

A equipe de produção do jogo foi até o Parque Memorial Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, antes de criar o cenário do game. No local existiu o quilombo real, por quase 100 anos, no século 17.

Há semelhanças entre a arquitetura ancestral e a posição das casas criadas no Fortnite, mesmo a plataforma utilizando gráficos parecidos com desenhos animados, iluminados e com cores vivas.

No parque memorial, por exemplo, há uma gameleira, árvore frequentemente associada ao orixá Irokô, cultuado no candomblé de nação Ketu. Ela era utilizada como elemento sagrado dos habitantes do local. No jogo ela pode ser usada para restaurar a saúde da personagem durante os ataques.

Estes detalhes foram levados em conta para tornar "Zumbi dos Palmares" um jogo didático. A equipe de produção preparou um material que vai ser distribuído aos educadores sobre como usar o game durante as aulas, especialmente no modo exploratório.

O principal objetivo é valer-se do modelo intuitivo dos jogos eletrônicos para trazer à vida e potencializar o ensino de histórias negras nos ambientes educacionais. Integrantes da Salve Games afirmam ainda que a proposta do jogo, além da parte educacional, é entreter.

"É para ser divertido também", apontou Cristiano Tostes, 40, diretor artístico da Salve Games. Ele foi um dos integrantes da equipe que viajou para Alagoas para desenvolver a plataforma.

A partir da experiência em terras quilombolas, Tostes diz que ficou convicto da importância do game e de continuar "criando narrativas para as pessoas mais novas curtirem e ao mesmo tempo não esquecerem dos heróis do passado".

Alexandre de Maio, 46, diretor-geral da Salve Games, afirma que a construção do jogo está inserida em um novo modelo de produção no setor, onde já há uma arquitetura consolidada e é possível receber retornos financeiros pela quantidade de jogadores em seu mapa.

Ele disse que "Zumbi dos Palmares" foi desenvolvido também com recursos próprios. A produtora desenvolveu outros três títulos e aponta que o mercado brasileiro de jogos enfrenta dificuldades de financiamento e profissionais disponíveis no mercado, especialmente negros. Por isso, a parceria com a PretaHub foi fundamental para viabilizar o processo.

A CEO da aceleradora de projetos, Adriana Barbosa, diz que a gratuidade do jogo não impede os incentivos da instituição, pois "o benefício será ter acesso a profissionais com esse perfil diverso e que atuem de modo a mobilizar a comunicação em busca da ampliação do impacto social."

Um destes profissionais é Gui Senna, 28, que trabalha na Salve Games como animador e criador de cenários. Ele faz parte da geração mais nova, e busca contribuir para a manutenção das memórias ancestrais por meio das tecnologias digitais.

Na sede da produtora, na zona norte da capital paulista, o jovem usa o ambiente criativo para testar o jogo e ideias novas. Senna visitou o local no qual existiu o quilombo de Palmares pela primeira vez durante a produção do game e além da inspiração para os elementos do jogo, diz ter se sentido renovado.

"Todas as pessoas que tiverem oportunidade de visitar Palmares deveriam passar por essa experiência, se conectar com histórias ancestrais."

Nina da Hora, diretora do Instituto da Hora —que busca potencializar narrativas antirracistas na tecnologia— e mestranda em Inteligência Artificial pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), diz que o jogo pode ser um instrumento de educação e de conscientização em meio ao racismo no mundo dos games, desafiando narrativas eurocêntricas nessa indústria.

Da Hora diz ainda que o país deveria promover e potencializar produções de jogos como este, investindo em educação e formação em desenvolvimento, oferecendo incentivos fiscais e apoio a estúdios, além de criar eventos e plataformas destacando a diversidade na indústria de games.

Para ela, o título "pode inspirar discussões mais amplas sobre representatividade e diversidade cultural nos jogos eletrônicos, influenciando não só os consumidores, mas também os criadores de jogos a nível global".

O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford

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