Onda de calor e chuva motivam desconto para construtoras na revisão do zoneamento de SP

Especialistas validam iniciativa voltada à crise do clima, mas veem regras pouco precisas e exagero em incentivos

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São Paulo

Depois de apagões elétricos provocados por um vendaval e de uma onda de calor recorde em novembro, incentivos para a adaptação de novos prédios à crise do clima foram incorporadas à proposta de revisão da Lei de Zoneamento de São Paulo. O texto passará pela primeira votação na Câmara Municipal nesta terça-feira (12).

A pedido da Folha, especialistas analisaram as principais regras incluídas no texto e, embora tenham destacado a importância da iniciativa, apontaram que pode haver excesso de incentivos para medidas pouco precisas quanto à capacidade de preparar a cidade para eventos climáticos extremos.

O principal ponto da proposta é voltado aos chamados edifícios conceito. São prédios que incorporam inovações arquitetônicas e tecnológicas certificadas quanto à sustentabilidade.

Para esses imóveis, caso atendam a uma série de quesitos, a nova proposta de zoneamento oferece desconto máximo de 20% na outorga onerosa —taxa cobrada pela prefeitura para edificações com área construída superior à do terreno.

Imagem mostra duas pessoas sob o sol
Pedestres bebem água durante onda de calor que atingiu a cidade de São Paulo em novembro - Rubens Cavallari - 12.nov.2023/Folhapress

Algumas das regras que valem desconto são específicas, como a criação de jardins verticais nas fachadas.

Medidas de drenagem natural –áreas sem pavimento que absorvem a água– ou mista, além daquelas exigidas na lei e que ampliem em 40% a capacidade de reter água no terreno, também garantem o benefício fiscal, diz o projeto.

"Pisos drenantes, tetos e paredes verdes, jardins de chuva ou biovaletas são interessantes e devem ser incentivados", afirma o arquiteto Paulo Pellegrino, professor sênior da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP.

Especialista em sistemas de drenagem, Pellegrino observa que o projeto poderia ser mais específico, determinando o quanto se consegue reter da água da chuva e em quanto tempo. Ainda assim, ele afirma que a iniciativa é importante para o combate a alagamentos.

"Toda retenção, ou seja, fazer com que a água que cai naquele lote fique ali, seria muito bem-vinda", diz.

Os descontos concedidos, porém, são generosos demais quando considerada a dificuldade de fiscalização, diz a professora da FAU-USP Denise Duarte, engenheira civil especialista em adaptação climática. Ela lembra também que muitos dos sistemas citados já existem em novos lançamentos de edifícios de alto padrão.

"Nada aparece como obrigação, apenas como incentivo, com dinheiro que pode fazer falta para projetos urbanos", diz.

Descontos na outorga onerosa tiram parte dos recursos destinados ao Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano) da prefeitura, que serve, entre outras coisas, para financiar a habitação social. A crítica costuma ser rebatida com o argumento de que o estímulo à construção civil aquece a economia e amplia as receitas públicas de modo geral.

Duarte vê como especialmente exagerado o incentivo fiscal a edifícios com certificações de sustentabilidade. Ela argumenta que muitos dos quesitos considerados nos referidos certificados dizem respeito ao menor consumo energético de equipamentos, como sistemas de ar-condicionado. Para a especialista, o que deveria ser estimulado é o fim dos edifícios comerciais com janelas lacradas e totalmente dependentes da refrigeração artificial, por exemplo.

Problema parecido ao de prédios residenciais com grandes varandas que, embora sejam vendidas abertas, são depois fechadas com vidro por decisão dos condôminos, para que a sejam incorporadas aos apartamentos.

Prédios dependentes de refrigeração enfraquecem outro dispositivo incluído na revisão do zoneamento, diz a professora, que é o desconto de outorga para edifícios capazes de produzir energia limpa, como a solar. Dificilmente um prédio terá a superfície adequada para a quantidade de placas fotovoltaicas necessárias para produzir toda a energia extra —e, caso tenha um consumo alto, terá de recorrer a geradores a diesel, diz Duarte.

"Não se reduz emissão de carbono [dióxido de carbono, um dos principais gases do efeito estufa] com floreira, mas com redução de combustíveis fósseis. Se precisar de um gerador a gás ou a diesel rotineiramente, estará reduzindo o quê?", questiona.

Ao apresentar a proposta, na semana passada, o relator da Lei de Zoneamento na Câmara, vereador Rodrigo Goulart (PSD), afirmou que a adaptação de prédios à crise do clima incorpora pedidos apresentados pela sociedade.

Goulart já havia falado sobre o tema à Folha após a onda de calor de novembro, quando disse que regras de adaptação mais específicas para edifícios ainda poderão ser contempladas pela revisão do Código de Obras e Edificações.

O documento orienta regras para novas edificações, de modo que possam contribuir com o bem-estar dos habitantes da cidade, e faz parte do marco regulatório paulistano. Acima dele está a Lei de Zoneamento, responsável por determinar o que pode e não pode ser construído em cada quadra do município.

Essas leis devem ser coerentes com o Plano Diretor, responsável pela estratégia de crescimento da cidade por um período de 15 anos. É neste plano que a cidade decide, por exemplo, se irá estimular o mercado a construir mais moradias ou prédios comerciais em certas regiões.

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