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Tribunal aponta falhas no combate à pobreza menstrual em SP

OUTRO LADO: Prefeitura diz que não teve acesso ao relatório, mas está à disposição para prestar os esclarecimentos necessários

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São Paulo

O TCM (Tribunal de Contas do Município de São Paulo) apontou irregularidades e falhas no programa que tem como objetivo combater a pobreza menstrual em São Paulo, criado em 2021 pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB). O programa prevê o fornecimento de absorventes para estudantes da rede municipal, na tentativa de reduzir a evasão escolar durante o período menstrual.

A auditoria do TCM teve início em outubro e durou um mês, quando foram visitadas 13 escolas municipais. Os auditores também estiveram em três casas de acolhimento para mulheres vítimas de violência doméstica e em três centros de acolhida.

No relatório final, o TCM afirma que não existe um programa específico de dignidade menstrual na cidade de São Paulo. O documento aponta que as escolas visitadas distribuem absorventes, porém em todas foi constatada a falta de ao menos um dos itens que devem compor o kit de higiene previsto na lei municipal sancionada em 2021.

O kit deve ter absorvente de uso externo e interno, necessaire, lenço umedecido, desodorante, escova de dentes, fio dental, creme dental e sabonete líquido. Em todas havia absorvente de uso externo e sabonete, mas em nenhuma foi encontrado absorvente de uso interno. Em apenas uma escola havia fio dental, e necessaire, em duas.

Procurada, a Prefeitura de São Paulo afirma que não teve acesso ao relatório final do TCM, mas está "à disposição para prestar os esclarecimentos necessários".

TCM aponta falhas no programa que prevê combate à pobreza menstrual em SP
TCM vê falhas no programa de combate à pobreza menstrual em São Paulo - Gabriel Cabral/Folhapress

De acordo com o relatório, também não há um padrão na quantidade de absorventes distribuídos nas escolas. Algumas instituições de ensino apresentaram oito pacotes de absorventes, enquanto em outras havia mais de mil pacotes, por exemplo. Além dos problemas na distribuição, foi avaliado que rodas de conversa sobre o tema não têm sido realizadas.

O TCM avalia que um dos principais objetivos da lei municipal de 2021 é o combate à evasão escolar, com base na ideia de que, com o kit, as alunas faltariam menos às aulas. O tribunal alega, porém, que não há nenhum estudo que mostre se isso de fato tem acontecido e que também não existe "qualquer garantia no impacto da eventual distribuição de absorventes na diminuição da evasão escolar".

Os auditores também apontaram que faltam leis ou normas municipais sobre o tema no âmbito das secretarias de Assistência e Desenvolvimento Social e de Direitos Humanos e Cidadania para o atendimento de pessoas em situação de vulnerabilidade.

Assim, mulheres em situação de rua na cidade de São Paulo, por exemplo, não estão contempladas por programa de dignidade menstrual. "As mulheres precisam desse cuidado e desse acolhimento, que seus direitos sejam devidamente garantidos", diz o relatório.

A Secretaria de Educação afirma que os recursos para compra e disponibilização dos absorventes nas unidades escolares citadas pela reportagem são oriundos do PTRF ( Programa de Transferência de Recursos Financeiros).

"As escolas fazem as aquisições de acordo com sua demanda e dão acesso a todos os estudantes que menstruam", diz a pasta em nota.

O TCM lembra que uma lei federal de 2021 criou o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que incluiu mulheres em condição de vulnerabilidade e em situação de rua como beneficiárias da distribuição de absorventes, e afirma que a implantação do programa na capital paulista deveria contar com o envolvimento das áreas de Educação, Saúde e Assistência Social da prefeitura.

"O Tribunal de Contas constatou que a cidade de São Paulo não tem uma política efetiva para garantir a dignidade menstrual da sua população", aponta o relatório.

Diante dessas falhas, o TCM determinou que a prefeitura passe a integrar o programa federal e emitiu um alerta para que a gestão municipal se manifeste sobre o tema em até 15 dias úteis.

Também determinou à pasta da Educação que as escolas detalhem os critérios de aquisição, periodicidade e forma de oferta dos itens de higiene. "A disponibilização do absorvente tem que ser apenas uma parte de uma estratégia bem maior", diz o relatório.

Às pastas de Assistência Social e Direitos Humanos o TCM determinou ainda que todos os equipamentos da rede direta e da rede parceira ofereçam absorventes e outros cuidados básicos de saúde menstrual.

A Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania diz que, nas duas casas de abrigo mantidas pela pastas, as mulheres acolhidas recebem um kit de higiene pessoal que contém absorvente higiênico.

A pasta afirma que o item está disponível para uso livre nos banheiros dos 14 equipamentos da pasta destinados a mulheres vítimas de violência.

A secretaria diz que também está previsto o fornecimento de absorventes para pessoas em situação de rua.

Já a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social diz que, dentro do valor repassado mensalmente às OSCs (Organizações da Sociedade Civil), responsáveis pela gestão dos serviços socio-assistenciais, está prevista a verba para compra de produtos de limpeza e higiene pessoal, inclusive absorventes.

"As equipes são orientadas a disponibilizarem os itens de cuidado menstrual conforme a demanda apresentada pelo público atendido", diz.

O relatório sugere, ainda, que a Câmara de São Paulo atualize a legislação municipal de forma que a distribuição dos itens de higiene não se limite à disponibilização para uso apenas no ambiente escolar, mas assegure atendimento completo às necessidades de quem os recebe.

Especialista no tema, a ginecologista Mariana Barroso, que trabalha à frente do projeto Mulheres Sem Medo, capitaneado pela ONG Médicos do Mundo, analisou o relatório a pedido da reportagem. Segundo ela, o programa da gestão municipal precisa ser mais abrangente. "Nem o básico está realmente sendo feito", afirmou.

Ela, que costuma atender adolescentes em UBSs (Unidades Básicas de Saúde), relata que muitas jovens sabem da existência da lei que prevê a distribuição de absorventes, mas os itens não chegam até elas.

"Apesar da lei, na prática não a vemos alcançar os lugares que necessitam", lamenta Barroso.

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