Descrição de chapéu violência feminicídio

Denúncias de misoginia na internet cresceram quase 30 vezes em cinco anos no Brasil

Segundo a SaferNet, registros de crimes de ódio contra mulheres saltaram de 961, em 2017, para 28,6 mil, em 2022

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Caio Reis
São Paulo

Denúncias de misoginia na internet cresceram quase 30 vezes em cinco anos no Brasil. Os dados são da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da SaferNet, organização de defesa e promoção dos direitos humanos na internet, e foram compilados pelo ObservaDH (Observatório Nacional de Direitos Humanos), criado em setembro de 2023.

Entre 2017 e 2022, a SaferNet registrou 293,2 mil denúncias de crimes de ódio em ambiente virtual no Brasil. Esses crimes podem assumir diversas formas na rede, como ofensas, ameaças, injúrias, difamações, incitações à violência e divulgação de imagens ou vídeos humilhantes.

O que caracteriza um crime de ódio é a sua motivação por preconceito ou intolerância contra grupos ou indivíduos por sua identidade ou orientação sexual, gênero, etnia, nacionalidade ou religião.

Pessoa utilizando internet em um celular - Zanone Fraissat - 25.out.2023/Folhapress

As mulheres foram o grupo mais vitimado em todo o período, com 74,3 mil denúncias de misoginia em toda a série histórica. Em 2017, primeiro ano de monitoramento desse tipo de crime, foram 961 casos. Em 2022, o número chegou a 28,6 mil denúncias, um aumento de quase 30 vezes.

Para Bruna Camilo, doutora em ciências sociais pela PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), que pesquisa misoginia e radicalização, os dados expressam um aumento da misoginia na internet.

"O aumento de discursos [misóginos] institucionalizados por figuras políticas fez com que muitos homens se sentissem respaldados em reproduzir o preconceito contra a mulher, o machismo e a misoginia. Existe, de fato, uma legitimação do discurso misógino nesse período [entre 2017 e 2022]".

Ao mesmo tempo, a internet ajudou a propagar a discussão sobre direitos das mulheres e feminismo, tornando a sociedade mais sensível ao tema e mais propensa a denunciar casos de misoginia.

"A pandemia contou com campanhas de informação sobre violência psicológica, patrimonial, sexual e física contra mulheres, e as campanhas eleitorais de 2018 e 2022 chamaram atenção para o tema", disse a pesquisadora.

Roberto Pires, coordenador-geral de Indicadores e Evidências do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), responsável pelo levantamento dos dados junto à SaferNet, acrescenta que a ausência de políticas de investigação e punição também explica o aumento do número de casos nos últimos anos.

Impacto do preconceito contra mulheres

O Índice de Normas Sociais relativas a Gênero, publicado em junho de 2023 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, aponta que apenas 15,5% da população brasileira não apresenta qualquer viés nas suas opiniões sobre mulheres.

Ao mesmo tempo, o índice mostra que a diferença salarial entre homens e mulheres está mais associada a valores sociais em relação às mulheres do que a diferenças educacionais. Tornar o acesso à educação mais equitativo é menos eficaz do que combater o preconceito contra as mulheres.

Bruna Camilo explica essa associação: "A misoginia promove desigualdades sociais e econômicas, mas essas desigualdades também alimentam a misoginia. A subjugação das mulheres no trabalho e na família favorece a misoginia, mas a misoginia também promove essa subjugação".

A diferença salarial não é a única consequência do ódio contra as mulheres. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a taxa de feminicídios aumentou 40% no Brasil entre 2017 e 2022. Foram praticamente quatro feminicídios por dia em 2022, totalizando 1.437 casos, ante quase três ocorrências por dia em 2017, somando 1.075 mulheres assassinadas apenas por serem mulheres.

Para a pesquisadora, porém, é difícil apontar uma relação entre denúncias de misoginia na internet e casos de feminicídio, mas as mulheres têm tido mais abertura para a denúncia. Trata-se de uma investigação que precisa ser aprofundada.

Medidas para combate à misoginia

Em fevereiro de 2023, o MDHC criou um grupo de trabalho para apresentar estratégias de combate ao discurso de ódio e ao extremismo e para a proposição de políticas públicas em direitos humanos sobre o tema. A proposta era caracterizar as manifestações do discurso de ódio e seus efeitos e apresentar recomendações para enfrentar o problema.

Um relatório foi apresentado ao governo federal em julho de 2023. Entre as recomendações, constam a regulação das redes sociais, a pactuação de compromissos com as plataformas digitais, a criação de um pacto nacional de enfrentamento ao discurso de ódio e ao extremismo, com protocolos de prevenção, reação e governança, e o oferecimento de cursos sobre o tema para a sociedade.

Segundo Letícia Cesarino, chefe da Assessoria Especial de Educação e Cultura em Direitos Humanos do MDHC, "a questão do discurso de ódio é transversal, o que desafia as divisões [de atribuições] dos ministérios".

O levantamento realizado pelo ObservaDH das denúncias de misoginia na internet integra as medidas do governo para enfrentar a proliferação de discursos de ódio na internet.

No âmbito da educação em direitos humanos, uma aposta é o Programa Nacional de Educação Continuada em Direitos Humanos, que oferece formação para servidores públicos e o público em geral, com especial atenção para os discursos de ódio e extremismos.

O primeiro curso sobre o tema, de caráter introdutório, está previsto para o fim do primeiro semestre de 2024.

Em dezembro, a Folha mostrou que o Ministério das Mulheres investiu R$ 300 mil em uma parceria com o laboratório NetLab, vinculado à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), para pesquisar a monetização de discursos de ódio contra mulheres em plataformas digitais. Os primeiros resultados devem ser divulgados em março de 2024, por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

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