Descrição de chapéu Obituário Paulo Cézar da Costa Cerqueira (1951 - 2023)

Mortes: Tio Black combateu o racismo e foi liderança no bloco Ilê Aiyê, da Bahia

Paulo Cézar chegou a ser o único engenheiro negro nas empresas que trabalhou

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Juazeiro (BA)

O Ilê Aiyê, apontado como o bloco afro mais antigo do Brasil, é responsável pela iniciação musical de jovens negros e por projetos de educação profissionalizante na periferia de Salvador. Durante anos, os meninos e meninas foram acompanhados pelos olhos atentos de Paulo Cézar da Costa Cerqueira, o tio Black, como era conhecido.

Um dos fundadores e diretor do bloco, coordenou projetos sociais da entidade e administrou contratos.

A filha, Jamile, guarda na memória a época em que via o pai em uma mesa cheia de tabelas feitas à mão, muito antes das planilhas de computador. Organizava nomes de componentes, salários e gastos dos projetos. Tudo era feito à régua e destacado com a sua coleção de canetas e lápis.

"Para mim, meu pai era uma planilha de Excel ambulante, uma ferramenta de projetos do bloco. Ele fazia isso com muito amor e carinho", conta Jamile Cardoso Cerqueira Musafiri, 44.

Homem de roupas claras sentado em uma mureta
Paulo Cézar da Costa Cerqueira, o tio Black, morreu no último dia 18 de dezembro, aos 72 anos - Leitor

Paulo Cézar, "com Z", como frisava, nasceu em Salvador em 25 de maio de 1951. O cuidado com a grafia veio após um problema no primeiro vestibular. Registraram seu segundo nome com "S", e o documento de identificação não foi aceito. Estudioso, ficou triste por ter de esperar mais um ano para entrar na faculdade.

Da infância, contava sobre as traquinagens que fazia no colégio religioso onde foi aluno interno. Na adolescência, perdeu a mãe. "Todos os aniversários de morte dela eram um dia só dele, se isolava", diz Jamile.

Acabou adotado, junto ao irmão, por uma prima da mãe —de família branca. A pele preta trouxe o racismo desde cedo. Certa vez, em um clube da cidade do qual eram sócios, foi impedido por um segurança, que o confundiu com um chofer, de acessar o local pela porta principal. Paulo Cézar discutiu e pulou a catraca.

"Ele se engajou na luta racial logo cedo, ostentava o black power e tinha um estilo diferente para a época", lembra a filha.

Na faculdade, engatou um namoro. O romance com Sílvia Cerqueira, que era escondido do sogro, acabou em casamento. Logo após a formatura, tiveram a filha Jamile. Se separaram cinco anos depois.

Engenheiro de minas, nos anos 1970 foi funcionário da Odebrecht. Dizia ter sido o único negro entre os cargos do alto escalão. Trabalhou no Maranhão, em Angola e no Equador. E se dedicou ao ofício até se aposentar.

"Era muito comprometido com a profissão. No seu apartamento há uma biblioteca bem vasta dessa parte de minas", conta Jamile.

Após a aposentadoria, viveu ainda mais o bloco "mais belo dos belos". Encorajava os jovens a se profissionalizarem na música e a se engajarem na cultura negra. "O Ilê foi seu lugar de aquilombamento", afirma a filha.

Paulo Cézar da Costa Cerqueira morreu no último dia 18 de dezembro, aos 72 anos, em decorrência de um câncer no pâncreas. Deixa a filha Jamile e o neto Gabriel, 6, com quem sonhava pular Carnaval.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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