Na Ilha do Massangano, no meio do rio São Francisco, todo janeiro é tempo de Samba de Véio. A localidade de Petrolina, no sertão de Pernambuco, tem tradição de reisado há mais de um século. No meio da roda, esguia e de sorriso sereno, Chiquinha dançava e puxava o povo para entrar na brincadeira.
O batuque e a pisada são repassados como herança na comunidade remanescente de quilombolas refugiados.
Chiquinha contava que aprendeu a sambar com o avô, ainda pequena. Mas, na época, não podia sair com os sambadores que vão de porta em porta pela comunidade. A festança começava tarde e era proibida para as crianças da localidade, que ficava muito escura por ainda não ter energia elétrica.
Francisca Maria Ubaldo nasceu no dia 11 de maio de 1950, na mesma ilha onde viveu. Filha de Euclides José e Joana, cresceu em uma casa com oito irmãos. A infância foi de trabalho na roça, e muito cedo ela começou a vender verduras.
Na juventude, em um dos forrós organizados pelo irmão para animar a comunidade rural, conheceu Félix Manoel. Ele havia saído de Itacuruba (PE) para trabalhar na região, em 1975. Casaram-se e tiveram sete filhos. Mas sentiram a dor da perda de quatro deles, ainda bebês.
"Naquela época, falecia muita criança. Não tinha assistência, não se fazia pré-natal. Aqui na ilha tem até um cemitério de anjo", conta a filha Rosângela Maria dos Santos, 43.
Juntos, o casal trabalhava nas plantações e vendia o que colhia nas feiras livres da cidade, nos fins de semana. Foram 30 anos de rotina pesada, atravessando o rio antes de o sol nascer com as mercadorias, até a aposentadoria.
Nos 45 anos de união, além de dividirem o trabalho, compartilhavam a paixão pelo samba. A personalidade calma, de falar pouco, era deixada de lado por Chiquinha quando o som das batidas ecoava o ritmo, e ela começava a sambar.
"Para ela, o samba era tudo na vida. Ela só podia perder um samba se estivesse doente, sem condições de ir", diz o marido Félix Manoel Ubaldo, 75.
Em uma viagem com o grupo para uma apresentação no Festival de Inverno de Garanhuns, em julho de 2023, o marido estranhou que ela não quisesse comer, mesmo sempre dizendo que era "ruim de boca". O emagrecimento foi o alerta para buscar atendimento médico e começar uma bateria de exames.
Francisca Maria, a Chiquinha do Samba de Véio, morreu no último 6 de dezembro, aos 73 anos, um mês antes do seu esperado Dia de Reis. Teve uma parada cardiorrespiratória após meses de luta contra um câncer no fígado, que descobriu em novembro e que se espalhou pelo corpo.
Deixa o marido, os três filhos, Rosângela Maria, Rosilene Maria, 41, e Ricardo Ubaldo, 35, e dois netos, Raíssa, 18, e Richarlison, 12.
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