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Arrastão molda o 'look' das pernas à cabeça dos foliões

Meia ganha novos formatos nos blocos paulistanos neste Carnaval sem abrir mão da originalidade e da sensualidade de outrora

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A vocalista do bloco Jegue Eletrônico, Aurora Bolaffi, 22 Adriano Vizoni/Folhapress

São Paulo

Rasgada, furada ou impecavelmente tecida, a meia arrastão dominou a cena dos blocos de rua da maior cidade do país. Nas mãos criativas de foliões, desta vez, porém, a trama que imita uma rede de pesca apareceu em luvas, em turbantes, em macacões, nos "croppeds" e nas blusinhas.

À moda arrastão, as peças incorporaram a graça carnavalesca e, é claro, ressaltaram a sensualidade de todos os corpos.

"O Carnaval é a hora de botar a bunda para fora. É a nossa oportunidade", conta a escritora Dani Costa Russo, 42, trajada com duas meias: uma "nude" e outra de liga preta, que não só moldaram como ressaltaram sua silhueta.

Mulher sorri usando luvas estilo arrastão cobertas por luvas menores de couro vermelho
A escritora Dani Costa Russo usa luvas em estilo arrastão no bloco Jegue Eletrônico, em São Paulo - Adriano Vizoni/Folhapress

"A arrastão já foi muito estigmatizada. Hoje, está associada à diversão. Entendo como um ato de liberdade", opina.

Num Carnaval, literalmente, tórrido, a arrastão serviu para vestir sem cobrir. Dani Russo usou o modelo nas mãos e nos braços, mas, como integrou a ala das Paneleiras do bloco Jegue Elétrico, adaptou por cima luvinhas de couro para proteger os dedos na hora do batucar.

Criado por Emerson Boy no início dos anos 2000, o bloco desfilou no sábado (10) e no domingo (11), em Pinheiros (zona oeste). Seu cortejo tem como destaque a marcha autoral, com letras autênticas e bem-humoradas, o que reforça a tradição de troças e cordões.

Em São Paulo, onde são tantas as atrações carnavalescas, o importante é não ficar parado. "Entre um bloco e outro, costumo pegar o metrô e sigo tranquilamente. Assumir uma peça de roupa é uma forma de se posicionar", diz ela.

Talvez o uso da arrastão vá além disso. "Por mais que eu esteja confortável com o meu corpo, não estou livre de assédio. A meia dá uma ilusão de não estar tão acessível", defende a servidora Kaká Palacio, 43, apaixonada confessa pelo acessório desde menininha. "Sou dos anos 1980", brinca.

"Quando vi uma personagem circense usando meia arrastão no extinto programa ‘Bambalalão’, na TV Cultura, me apaixonei", lembra. "Todos os meus ‘looks’ de Carnaval incorporam a arrastão."

De meia cor-de-rosa, cravejada de strass, o professor Rafael Monteiro, 40, também enxerga um certo enigma na interpretação que a imagem da arrastão pode provocar. "Ela promete revelar algo, mas o deixa incerto."

Entretanto, não há dúvida de que o acessório se tornou um símbolo de sensualidade e liberdade, segundo a avaliação de Leandro Castro, professor de moda do Senac São Paulo.

"Virou um elemento muito utilizado no 'dress code' dos blocos, transbordando os universos da lingerie e das subculturas e evocando o desejo de festividade, liberdade e extravagância", explica.

Para Sol Costa, 22, "não só de nudez se faz um belo Carnaval". "A festa incorpora elementos da moda. É o momento em que o brasileiro põe sua criatividade à mostra", conta o rapaz, esbaldando-se no desfile do Pagu, bloco que exalta a igualdade entre gêneros e a liberdade da mulher —o cortejo saiu nesta terça (13) da esquina das avenidas Ipiranga e São João, na região central.

Modelo e ator, ele estilizou uma meia arrastão, dando-lhe o formato de uma camiseta cavada bastante sensual.

Quando se trata da arrastão, como ficou claro neste Carnaval, a meia não se restringe aos membros inferiores. Aurora Bolaffi, 22, por exemplo, não usa meia arrastão nas pernas por causa do calor (que, nesta terça, chegou a insuportáveis 33°C). Nem por isso o tramado ficou fora de cena.

Pelo contrário, ela ressignificou a peça clássica. "Tenho uma meia, toda furada, há mais de seis anos, que transformei num adorno para realçar os meus braços durante minhas performances", conta ela, cantora de blocos.

Há registros da presença das meias arrastão nos primórdios das folias teatrais da "commedia dell'arte", como também em outras manifestações culturais a partir do século 16, na Europa, explica Castro.

"O uso das meias arrastão, também conhecidas como meias de rede ou teladas, popularizou-se entre as artistas que delineavam as formas de seus corpos e trabalhavam em salões de dança [as dançarinas do cancan], como o Moulin Rouge, em meados da segunda década do século 19, em plena modernidade estética", segue o professor do Senac.

Embevecido pelo clima de cabaré, o iluminador Matheus Macedo, 34, defende que a arrastão está associada, no mesmo plano, ao amor e à folia. "Carnaval tem essa potência de fazer a gente se empoderar do corpo e da rua."

Na cena da noite paulistana, a produtora Andrea Costa, 48, diz ser uma adepta veterana da peça. "Uso há mais de 20 anos. Não só no Carnaval, a arrastão é peça fundamental no meu guarda-roupa. Adoro usar com coturno para ir às baladas", conta. "Não era essa febre toda. Antes, eu era tipo ‘a’ diferente."

Ao longo do século 20, a meia arrastão também marcou presença nos ditos "anos loucos", da década de 1920, e nos visuais "pin-ups", dos anos 1950, segundo o professor do Senac. "A partir da expressão visual das subculturas góticas e punks, nos anos 1980, a meia arrastão ajudou nas composições de artistas pop como Cindy Lauper, Madonna e Siouxsie Sioux", segue ele.

Em tempos de folia, a praticidade da meia arrastão, porém, também merece ser considerada. "Esse modelo é mais prático. Não precisa tirar na hora de ir ao banheiro", empolga-se a empresária Juliana Matheus, 42, vestindo a "arrastão da Anitta", modelo calça de efeito liga, vermelha, com abertura nas laterais do bumbum e na região genital.

Por ser toda cravejada de pedrinhas brilhantes, a meia pode trazer um problema: os adornos costumam enganchar no zíper das pochetes de outros foliões. "Mas faz parte do Carnaval, né?"

Montado pela mulher, o médico Mario Neia, 52, desfilava com um macacão preto de trama arrastão. Foi a primeira vez que usou o acessório. O "look" tinha até nome: "Glitteromem".

O traje, que o revestia dos pés aos ombros, completava-se com uma capa bordada com lantejoulas prateadas. O "glitter", por óbvio, coloria o rosto e destacava, num vermelho intenso, os mamilos.

"Que gênero é esse? É algo que não interessa, sobretudo no Carnaval. Importante é se sentir sexy e dar vazão à libido", disse o médico. "Como ortopedista, já trabalho com sofrimento. Precisamos sublinhar a dor com alegria e amor."

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