Descrição de chapéu Alalaô

Dez anos após retomada, Carnaval de rua de SP vira refém de marcas para bancar estrutura milionária

Desfiles médios vão custar cerca de R$ 150 mil neste ano, valor mais alto desde 2014; megablocos gastam até R$ 5 milhões

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São Paulo

Neste ano em que se completa uma década desde a publicação do decreto municipal que marcou a retomada do Carnaval de rua em São Paulo, 15 milhões de foliões são esperados nos cortejos pela cidade, o equivalente a dez vezes o público de 2014, que reuniu cerca de 1,5 milhão de pessoas. O crescimento exponencial da festa impõe aos blocos uma estrutura cada vez maior e mais cara. Nunca foi tão caro colocar o bloco na rua.

Organizadores de desfiles médios, que reúnem a partir de 150 mil foliões, calculam para este ano investimento de R$ 150 mil, em média, por apresentação, o valor mais alto em dez anos. Os megablocos, como o Acadêmicos do Baixo Augusta —que em 2023 arrastou 1 milhão de pessoas—, alcançam orçamento de até R$ 5 milhões por desfile.

Fernando Magrin, a drag queen Mama Darling e sócio-fundador do bloco Minhoqueens, na sacada de seu apartamento na Santa Cecília (região central de SP) - Eduardo Knapp/Folhapress

"É o Carnaval mais caro que já fizemos. A cada ano as contas aumentam", diz Fernando Magrin, sócio-fundador do bloco Minhoqueens, que desfila desde 2016 e no ano passado reuniu cerca de 500 mil foliões. O cortejo acontece no sábado (10) de Carnaval no centro do capital.

Para manter a presença na rua, o bloco organiza festas ao longo do ano e negocia ao menos dois patrocínios —apenas um, como aconteceu em anos anteriores, não é mais suficiente. "Mesmo com o apoio, só recebemos 30 ou 60 dias depois. Então temos que ter o dinheiro antes, de qualquer maneira", acrescenta Magrin.

É uma situação que se agrava a cada ano, segundo pessoas que fazem o Carnaval paulistano, e que culminou no cancelamento de 118 desfiles até a última quarta-feira (31), às vésperas do pré-Carnaval. No ano passado foram 85 cancelamentos nas três semanas de desfiles.

Na lista de desistências constam nomes tradicionais como Domingo Ela Não Vai e Meu Santo É Pop, além de blocos menores que desfilam nos bairros. "Mais uma vez os blocos tradicionais que fazem o Carnaval na raça estão sendo prejudicados", afirma Diego Leporati, fundador do bloco Cecílias e Buarques.

Para viabilizar o desfile pelas ruas de Santa Cecília no sábado (17) de pós-Carnaval, Leporati conta que organizou eventos e vaquinhas ao longo do ano e fechou um patrocínio. "Daqui a pouco só os megablocos vão fazer o Carnaval", lamenta.

Entre os custos mais altos está a contratação de aparelhagem de som capaz de propagar o repertório dos blocos à multidão. O aluguel diário de um trio elétrico, por exemplo, passou de R$ 35 mil para R$ 60 mil, em média, em um ano. O salto inflacionário é explicado pelos organizadores de blocos pela escassez de equipamentos disponíveis e aumento da demanda.

A esse valor se somam outros gastos. Blocos com previsão de atrair mais de 40 mil pessoas, por exemplo, são obrigados a contratar ambulâncias e bombeiros civis para os desfiles —o combo custa, em média, R$ 11 mil, segundo organizadores. Há também as despesas com produtores, seguranças e pessoal responsável por delimitar a área dos músicos nos desfiles.

A planilha cada vez mais alta obriga os organizadores dos blocos de rua a aumentar as cotas de patrocínio para fechar as contas, o que nem sempre segue o mesmo ritmo.

Fundadora do bloco Explode Coração, Giselle Galvão fez um apelo nas redes sociais a três semanas do Carnaval, alertando para o risco de cancelar o desfile por falta de patrocínio. "O orçamento é muito grande para um projeto independente", diz ela, que conseguiu verba e irá desfilar no domingo (11) na praça da República.

Nas ruas desde 2017, o bloco acompanhou o estouro do Carnaval paulistano. Giselle conta que o primeiro desfile, em Santa Cecília, custou R$ 25 mil e que o público, estimado em 3.000 foliões, acabou reunindo 10 mil pessoas naquele ano. As ruas do bairro deixaram de comportar a multidão, e o bloco passou a desfilar no centro histórico da cidade. "Foi quando toda a estrutura encareceu", afirma. "Sempre crescemos muito mais do que o esperado", diz ela sobre o bloco que recebeu mais de 150 mil foliões no último Carnaval.

"Sem dinheiro, o bloco não sai. Ou os integrantes se juntam para arcar com os custos ou precisam ir atrás de patrocínio", afirma Alê Natacci, presidente do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta. Ele calcula que, neste ano, os custos estão 20% mais altos.

Neste ano, a estrutura tradicionalmente gigante do bloco, que estará com seis trios elétricos na rua da Consolação neste domingo (4) de pré-Carnaval, irá receber mais um veículo em comemoração aos seus 15 anos.

"A hiperbolização do Carnaval de São Paulo respinga em todos os blocos e faz com que um desfile que não precisaria de um trio elétrico precise de um carro de som para dar conta de a música chegar à multidão. Isso triplica os custos", diz o pesquisador Guilherme Varella, autor do recém-lançado livro "Direito à Folia".

Para Varella, a atual lógica de mercado do Carnaval é resultado direto da necessidade de mais estrutura. "As empresas priorizam o patrocínio aos blocos que têm mais apelo midiático e comercial para melhor ativação de marca", afirma. Esse perfil, no entanto, representa a minoria. "A maioria, 80%, são blocos médios ou pequenos", diz o pesquisador.

Outro entrave neste ano, dizem os organizadores, foi a demora da gestão Ricardo Nunes (MDB) em definir o patrocinador oficial do Carnaval. O resultado da licitação foi anunciado em 16 de janeiro, a menos de um mês do início dos desfiles. Todos os anos o mercado publicitário aguarda o anúncio do patrocinador oficial para definir estratégias de marketing nos blocos individualmente.

O secretário de Governo, Edson Aparecido, negou que exista qualquer tentativa da prefeitura de asfixiar o Carnaval de rua. "O patrocínio foi assinado no mesmo dia, em 16 de janeiro, igual no ano passado. Começamos a nos reunir com os blocos em outubro de 2023", disse. "Os patrocinadores estão investindo em outros locais, como bares, restaurantes e festas", acrescentou.

Diante dos altos custos, o Carnaval de rua de São Paulo se torna cada vez mais dependente das ações de marketing das marcas, explica Varella. "Optou-se pelo modelo em que as empresas entregam os serviços e, em troca, ganham a prerrogativa de explorar comercialmente a festa."

Com o patrocínio vem a exposição da identidade visual das empresas, que domina a paisagem urbana durante os dias de folia. "Acontece uma uniformização da cidade, sendo que o Carnaval é diverso e divertido", diz Varella. "Existe uma lógica selvagem empresarial dos patrocinadores que migram dos espaços privados para o público para agregar à marca valores inerentes à festa, como alegria, liberdade e fraternidade."

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