Janeiro teve temperatura mínima mais alta já registrada para o mês em São Paulo

Houve aumento de 2°C na média das mínimas e nas temperaturas noturnas desde a década de 1960 na capital paulista

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São Paulo

A temperatura oficial medida pelo Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia) se manteve acima dos 25,9°C em São Paulo no dia 17 de janeiro. O órgão jamais havia registrado uma mínima tão alta no primeiro mês do ano desde que começou a coletar dados no Mirante de Santana, estação meteorológica de referência na cidade, em 1961.

A marca reforça a sensação comum de que está fazendo calor também durante as noites. Janeiro é um mês quente, no auge do verão, mas a variação do clima ao longo dos dias costuma incluir temperaturas mais amenas, principalmente entre o pôr do sol e o amanhecer. O alívio noturno, porém, está cada vez menor.

Relógio marca 34°C enquanto carros passam nos dois sentidos na avenida e, no canteiro central, um homem caminha sem camisa
Calor na avenida Paulista em 8 de janeiro - Aloisio Mauricio - 8.jan.2024/Fotoarena/Agência O Globo

A média das temperaturas mínimas no primeiro mês do ano em São Paulo subiu de 18°C para 20°C desde a década de 1960, mostra análise da Folha baseada nos dados históricos do Inmet. A registrada em 2024 não chega a ser um recorde, mas acompanha a tendência geral de aquecimento na cidade, no país e em todo o globo.

Também no dia 17, o Inmet registrou a madrugada mais quente da história da capital paulista para janeiro (29,2°C), considerando as medições feitas diariamente à meia-noite na estação de Santana. A média das temperaturas observadas nesse horário também teve um salto de dois graus, de 20°C para 22°C, em relação ao início da série com dados oficiais.

As temperaturas mínimas estão associadas à chamada oportunidade de adaptação térmica. Especialistas apontam que, como elas costumam ocorrer de madrugada, não há muito o que se fazer em episódios anormais de calor, dado que parques ou estabelecimentos com ar-condicionado estão fechados, por exemplo. Ou seja, durante o dia, é mais fácil se adaptar.

O calor noturno e as formas de aliviá-lo são temas de estudo na área do urbanismo, mas a questão tem sido quase negligenciada em São Paulo nos últimos anos, na visão de Denise Duarte, engenheira e professora da USP que pesquisa a adaptação das cidades às mudanças climáticas.

"Cidades que têm planos de adaptação climática implementados deixam parques abertos até mais tarde ou mesmo durante a noite, para que haja um refúgio", diz. Mas essa não é a única alternativa –e que seria um desafio à segurança pública. Segundo ela, muitos edifícios comerciais e residenciais modernos vão na contramão da sustentabilidade e das mudanças no clima.

"Durante as ondas de calor observadas no semestre passado, tivemos vários apagões na região da Faria Lima, seja por falhas de transmissão ou por sobrecarga. O que se faz nessa situação? Evacuam-se os prédios ou se usa um gerador a diesel, queimando combustível fóssil. A conta não fecha."

Em casos do tipo, com edificações completamente envidraçadas e sem um sistema noturno de ventilação externa, escritórios e residências ficam 100% dependentes de ar-condicionado.

Viver o tempo todo sob efeito de um sistema artificial de refrigeração não é benéfico à saúde, já que o corpo humano tem de ter certa flexibilidade a flutuações térmicas, de umidade e de luz. Por outro lado, viver sob calor excessivo por noites seguidas também faz mal à saúde pois afeta o sono, o que gera complicações diversas.

Do ponto de vista arquitetônico, especialistas sugerem pontos como janelas operáveis à noite, cores claras e elementos translúcidos controlados. Já do urbanístico, é necessário adequar o adensamento de modo a permitir ventilação entre construções e criar áreas arborizadas, em especial próximo a locais já saturados de prédios.

Esse novo patamar de temperaturas quentes à noite também é um dos reflexos do El Niño, destaca a meteorologista Marília Nascimento, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). A especialista reforça, no entanto, que ocorrências severas estão cada vez mais comuns, e a tendência é que o calor siga aumentando após o arrefecimento do fenômeno.

"O fato é que, nesse contexto das mudanças climáticas, os eventos extremos como secas, chuvas fortes e ondas de calor estão ficando muito mais frequentes e mais intensos. Isso já é um fato observado, não é balela", afirma.

Reportagem da Folha mostrou que o mundo viveu cinco El Niños mais severos que o atual nos últimos 70 anos e isso não foi suficiente para que as temperaturas no Brasil apresentassem anomalias como as de agora.

Em El Niños mais fortes, a temperatura média no país cresceu 0,14°C, considerando o intervalo de junho a setembro. Já no mesmo período de 2023, quando a água do Pacífico registrou uma alta de 1,2°C, a temperatura no país subiu 0,8°C, ou seja, 5,7 vezes mais.

Outra análise recente da WWA (World Weather Attribution), grupo de cientistas que estuda eventos climáticos, mostrou que as ondas de calor no semestre passado não teriam ocorrido de forma tão forte –a temperatura média aumentou mais de 3°C em algumas cidades– não fosse o aquecimento global. Sem a ação humana, o calor recorde vivido no inverno brasileiro seria de 1,4°C a 4,3°C menor.

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