40% das capitais brasileiras tiveram inverno mais quente da história

Levantamento considera as estações meteorológicas do Inmet mais antigas de cada município; série histórica inicia em 1961 e não contempla todas as cidades

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São Paulo

O inverno deste ano teve a temperatura média mais alta já registrada em 10 das 25 capitais brasileiras em que é possível calcular o clima a partir de estações do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

Em 2023, essas cidades apresentaram temperaturas de 0,5°C a 3,4°C maiores do que na primeira década do século, mostra análise da Folha. O aumento de 3°C para uma temperatura média, não máxima, é muito preocupante para um período tão curto, de acordo com autoridades climáticas.

Embora nem todas as cidades tenham registrado recorde de calor neste inverno, absolutamente todas as capitais analisadas esquentaram na comparação com a média da década de 2001 a 2010.

Homem embaixo de guarda-chuva é fotografado no primeiro plano, com pessoas caminhando ao fundo
Pedestre se protege do sol na avenida Paulista em dia de calor em setembro deste ano - Zanone Fraissat - 19.set.2023/Folhapress

Cuiabá (Mato Grosso) é a capital em que a temperatura média do inverno mais subiu na relação com a primeira década dos anos 2000, chegando a 28,8°C, 3,4°C acima da média vista naquele período.

A capital com a média mais alta, entretanto, é Manaus, no Amazonas, com 30,1°C, 1,9°C acima do registrado na década de 2000.

Além de Cuiabá e Manaus, bateram recorde de temperatura média no inverno Boa Vista (com alta de 1,9°C no mesmo comparativo), São Paulo (alta de 1,5°C), Rio de Janeiro (1,3°C), Rio Branco (1,1°C), Macapá (0,8°C), Belém (0,7°C), João Pessoa (0,7°C) e Maceió (0,3°C).

Considerando a média das temperaturas máximas no inverno, seis capitais bateram recorde: Boa Vista (36,5°C), Cuiabá (36,3°C), Manaus (34,9°C), Rio Branco (34,2°C), João Pessoa (29,7°C) e São Paulo (25,8°C).

O levantamento foi elaborado com dados coletados pelas estações meteorológicas mais antigas do Inmet em cada capital. Parte dos municípios tem estações em funcionamento desde 1961, caso de São Paulo e de outras dez cidades.

Para cada estação, a reportagem calculou a temperatura média de cada dia e, depois, a média dessas diárias em todo o inverno. Optou-se pela análise decadal, de 2023 com a primeira década dos anos 2000, para monitorar a evolução climatológica de maneira mais ampla, como sugerem meteorologistas.

Recife (PE) e Porto Velho (RO) foram desconsideradas da análise porque as estações locais não registraram dados para o último inverno ou coletaram apenas em poucos dias.

O aquecimento do inverno brasileiro não é um fenômeno restrito a 2023 ou aos últimos anos. Para especialistas, trata-se de apenas mais um ano na reta crescente do aquecimento global.

Embora este inverno não tenha sido de recorde de calor na maioria das capitais, ele fica entre os três mais quentes da série histórica para 18 dessas cidades (72% das capitais analisadas).

A temperatura média aumentou nas 25 capitais na comparação com a década de 2000, o que indica um aquecimento gradual e constante dessa estação no país.

"Não é uma particularidade do Brasil, um malefício só nosso", diz a meteorologista Danielle Barros Ferreira, do Inmet. "A combinação entre El Niño [aquecimento do Pacífico] e o aquecimento global das últimas décadas nos leva a novos recordes de mudanças no padrão do clima. Eles serão cada vez mais frequentes em qualquer parte do planeta", afirma.

Em um cenário de clima estabilizado, não há aumento de temperaturas médias –não é o caso do planeta, que apresenta sequência de alta há algumas décadas. "Globalmente, as quatro últimas décadas foram sucessivamente mais quentes do que as anteriores, e o Brasil está, claro, inserido nesse contexto", diz a matemática Thelma Krug, ex-vice-presidente do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da ONU).

"É possível que a década de 2021 a 2030 supere a anterior. Em algumas áreas, o aumento já supera 3°C [caso de Cuiabá]."

Um diferencial a ser apontado para 2023, segundo a especialista do Inmet, é que o período de neutralidade entre os fenômenos La Niña (resfriamento do Pacífico) e El Niño foi considerado muito curto, de fevereiro a abril. O impacto do El Niño começou a ser percebido antes do previsto, já em maio, o que adiantou o calor em algumas regiões.

Historicamente, as cidades das regiões Centro-Oeste e Norte são as que mais aquecem no inverno devido à maior radiação solar, que inibe a formação de nuvens e eleva a temperatura, o que explica o forte aumento das médias em Cuiabá e Manaus.

O impacto do El Niño difere em cada região do país: intensifica a chuva no Sul e a seca no Norte e no Nordeste –Manaus decretou emergência pela seca do rio Negro, enquanto Porto Alegre registrou o maior transbordamento do lago Guaíba desde 1941.

O outono e o verão deste ano (iniciado em 2022) não apresentaram a mesma tendência de aquecimento que o inverno, de acordo com análise da Folha a partir dados do Inmet. A expectativa, porém, é que o próximo verão registre recordes de calor em diversos pontos do país.

Quinze capitais tiveram temperaturas médias ligeiramente menores no verão. As maiores diferenças foram registradas em São Luís (MA) e Manaus (AM), com quedas respectivas de 1°C e 1,08°C.

Como essas capitais estão próximas da linha do Equador, não são representativas para todo o país. A meteorologista do Inmet aponta que os últimos anos tiveram estações mais amenas no primeiro semestre em função do La Niña.

Metodologia

Para cada capital, a reportagem selecionou a estação mais antiga do Inmet que ainda estava em funcionamento. Para cada estação, calculou a temperatura média.

Foram removidas estações meteorológicas com mais que 15% de dados ausentes. Algumas ficam em cidades vizinhas, caso de Florianópolis (São José) e de Rio Branco (Bujari).

Alguns municípios têm uma estação convencional e uma automática no mesmo local, onde a convencional parou de funcionar. Nesses casos, os dados foram agrupados. Nos dias em que havia medida das duas estações, optou-se pelos dados da estação automática.

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