Descrição de chapéu Governo Tarcísio violência

Morto com sete tiros e cerco a favela: o que dizem os boletins de ocorrência da Operação Escudo

Policiais relatam que atiraram após terem sido alvos de tiros; ações em Santos e São Vicente ocorrem após a morte de soldado da Rota

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São Paulo

Boletins de ocorrência elaborados por policiais militares durante a Operação Escudo na Baixada Santista neste início de 2024, após a morte do soldado Samuel Wesley Cosmo, 35, apresentam narrativas semelhantes às registradas na fase da ação que deixou 28 mortos entre julho a setembro de 2023 depois do assassinato do também soldado da Rota Patrick Bastos Reis, 30.

A principal justificativa dada pelos policiais é de que eles atiraram somente após serem alvos de tiros ou de ameaça de tiros durante o patrulhamento.

Escudo é o nome dado pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para a ação deflagrada após ataques a policiais, como uma forma de restabelecer a ordem. Desta vez, logo na sequência da morte do soldado Cosmo, policiais militares da capital foram enviados para cidades da Baixada Santista.

Policiais militares do Baep, na Vila Baiana, em Guarujá, durante Operação Escudo
Policiais militares do Baep, na Vila Baiana, em Guarujá, durante Operação Escudo - Danilo Verpa - 31.jul.23/Folhapress

Entre os dias 3 e 4 de fevereiro, sete pessoas foram mortas em Santos e São Vicente. Três corpos ainda permanecem sem identificação, segundo a Secretaria da Segurança Pública. A reportagem teve acesso a três boletins, nos quais os policiais dão a sua versão para a morte de cinco pessoas.

O homicídio mais recente durante a Escudo ocorreu por volta das 23h35 de domingo (4). Segundo o boletim de ocorrência, o morto foi identificado como Rodnei da Silva Souza, 25.

Conforme o documento, policiais militares da Rota patrulhavam a cidade de Santos quando receberam informação do setor de inteligência sobre o paradeiro de um traficante do morro São Bento. Ele estaria dentro de um Ford Fiesta preto nas proximidades do túnel Rubens Ferreira Martins. Os policiais avistaram o carro na rua Doutor Gastão Vidigal e iniciaram o acompanhamento.

Já no morro São Bento, os policiais militares teriam ordenado que o condutor parasse o automóvel. Segundo a versão dos PMs, o motorista parou o veículo e desceu. Souza, que estava no banco dianteiro do passageiro, apontou uma arma para eles. Uma dupla de policiais, armados com fuzis, atirou sete vezes em direção ao suspeito. Um dos PMs afirmou ter apertado o gatilho cinco vezes.

No colo de Souza, segundo o boletim, foi encontrada uma pistola 380 com seis munições intactas. O homem foi socorrido pelo Corpo de Bombeiros e levado até a Santa Casa de Santos, onde morreu.

O condutor do carro disse que naquele momento realizava uma corrida por meio de aplicativo. Souza teria dito a ele que iria encontrar uma mulher, mas desistiu ao ver uma viatura e pediu que retornassem para o morro.

Horas após a morte de Souza, o secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, publicou em seu perfil no X que Souza era traficante. Derrite também escreveu que o homem "ao invés de se entregar, atirou contra os policiais", versão diferente da descrita pelos envolvidos na ocorrência para a Polícia Civil, de que Souza sequer chegou a atirar.

A Baixada Santista tem sido o principal foco de embates entre policiais e criminosos. Em sete meses, ao menos três policiais em serviço, sendo dois da Rota, foram mortos. O mais recente dos casos ocorreu nesta quarta-feira (2). A vítima foi o cabo José Silveira dos Santos, do 2º Baep (Batalhão de Ações Especiais de Polícia).

Antes da morte de Souza, policiais militares da Rota cercaram a Vila dos Pescadores, na periferia de Santos. De acordo com boletim de ocorrência, cinco equipes tiveram a missão de não deixar que criminosos fugissem para a Vila dos Criadores.

Durante a ação, bandidos teriam acessado a avenida dos Bandeirantes, onde encontraram a Rota. Segundo o documento, os suspeitos atiraram contra os policiais. Três equipes da tropa revidaram.

Policiais militares relataram que um grupo, que estava com armas e mochilas, conseguiu fugir para uma área após a linha do trem. Três homens foram baleados durante uma suposta troca de tiros. Um deles, segundo o registro, tinha um revólver calibre 38 e uma quantidade de droga.

Eles foram levados para UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) da zona noroeste, onde morreram.

"Em ato contínuo, o condutor apresentou o ocorrido nesta unidade policial e, em razão do tumulto causado nas imediações e com o eventual risco de novo confronto no local, ficou prejudicado para perícia, razão pela qual não possível a preservação do sítio do evento por parte dos componentes da Rota", diz trecho do documento oficial.

Um outro boletim de ocorrência ao qual a reportagem teve acesso relata a morte do catador de lixo José Marcos Nunes da Silva, 45, na favela Sambaiatuba, em São Vicente, onde morava havia dez anos.

Como mostrou reportagem da Folha, ele foi atingido por tiros por volta das 2h de sábado (3), horas depois da morte do soldado Samuel Cosmo em Santos.

Silva foi morto por policiais da Rota. O boletim de ocorrência, com 15 linhas, consta apenas a versão dos policiais. Conforme o relato, o pelotão de Rota noturna estava pela comunidade do Dique Sambaiatuba, quando se aproximaram da viela 3. Ali viram "um indivíduo pardo, o qual trajava camiseta preta, bermuda preta e tênis preto e branco". Os agentes contaram ter ordenado que ele parasse. Silva teria corrido para dentro de um barraco.

Um soldado diz ter visto o momento em que Silva atirou na direção deles. Três PMs afirmaram ter dado um tiro cada um. Silva chegou a ser socorrido, mas morreu no pronto-socorro Central.

No local, segundo os policiais, foi encontrada uma mochila, que tinha substâncias semelhantes a drogas e um caderno com anotações do tráfico de entorpecente. Uma pistola 9 mm também foi apreendida.

Vizinhos contam que escutaram os gritos de Silva implorando pela vida momentos antes de ser baleado.

Uma filha e a ex-mulher relatam que ouviram disparos e foram avisados por vizinhos sobre os gritos de socorro. Quando correram por uma viela até o barraco, foram impedidas de prosseguir por um PM que montou guarda em frente na entrada da moradia. Todos negam que Silva tivesse ligação com crimes.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública diz que o caso foi registrado como resistência, drogas sem autorização ou em desacordo, posse/porte ilegal de arma de fogo e morte decorrente de intervenção policial".

"A SSP destaca que todos os casos de mortes decorrentes de intervenção policial (MDIP) são rigorosamente investigados, encaminhados para análise do Ministério Público e julgados pelo Poder Judiciário."

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