Descrição de chapéu violência

Motoboy alvo de ataque com faca no RS é indiciado junto com agressor

OUTRO LADO: defesa de trabalhador afirma que conclusão é prematura e tenta desqualificar agressão; Brigada Militar nega racismo no caso

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Curitiba

O motoboy Everton Henrique Goandete da Silva, 40, que foi alvo de um ataque com faca feito por Sérgio Camargo Kupstaitis, 71, foi indiciado pela Polícia Civil do Rio Grande do Sul por suspeita de lesão corporal de natureza leve e desobediência, porque teria resistido à abordagem da Brigada Militar. Sérgio foi indiciado apenas por suspeita de lesão corporal leve.

O inquérito policial, concluído nesta sexta-feira (23), aponta que Everton foi indiciado porque teria reagido ao ataque atirando três grandes pedras nas pernas de Sérgio. Os laudos apontaram que os dois homens sofreram pequenas escoriações. Além disso, a sindicância da Corregedoria-Militar da Brigada Militar, também concluída nesta sexta, considerou que a abordagem dos policiais foi adequada.

O caso ocorreu em 17 de fevereiro em uma rua do bairro Rio Branco, em Porto Alegre. Testemunhas contam que Everton estava em frente a uma banca com outros motociclistas e foi surpreendido com o ataque de Sérgio, que mora em um prédio próximo. O ponto funciona como base para motoboys e há relatos de que Sérgio se incomoda com a presença dos trabalhadores no local.

A detenção de Everton foi registrada em vídeo por pessoas na rua, que apontaram racismo contra o motoboy, que é um homem negro, e também abuso das autoridades. Enquanto Everton foi levado para a delegacia no porta-malas da viatura, o autor do ataque, que é branco, seguiu no banco de trás de outro veículo.

O motoboy Everton da Silva é algemado e detido pela Brigada Militar após um homem atacá-lo com uma faca no pescoço; ao fundo, o suspeito do ataque, o homem branco sem camisa, que é detido mais tarde - @nietzsche4speed no Instagram

A defesa de Everton declarou em nota lamentar "a conclusão prematura do inquérito e mesmo da sindicância" e que vai aguardar a manifestação do Ministério Público.

"O recorte dos fatos tentou desqualificar a resposta de Everton à agressão por ele sofrida, desconsiderando as intenções de Sérgio e Everton, bem como o fato de Everton somente ter se defendido, como disseram as testemunhas", afirmou o advogado Ramiro Goulart.

A reportagem não conseguiu contato com Sérgio Kupstaitis, que, segundo a polícia, não apresentou advogado no caso.

De acordo com o subchefe da Polícia Civil, delegado Heraldo Chaves Guerreiro, "não se apurou intenção de matar" de Sérgio. A defesa de Everton defendeu ao longo da semana que Sérgio fosse indiciado por tentativa de homicídio.

Já a sindicância da Corregedoria-Geral da Brigada Militar apontou que os policiais que algemaram Everton após um bate-boca entre ele e Sérgio não cometeram crimes comuns ou militares.

Segundo o corregedor-geral da Brigada, coronel Vladimir da Rosa, os policiais tinham sido avisados sobre um "ambiente conturbado", uma "briga generalizada", e, quando chegaram ao local, "não tinham como saber quem era vítima e quem era o autor".

"Eles encontraram um senhor de 71 anos e um homem mais jovem, de 40. Além disso, o primeiro a abordar a Brigada Militar foi o Sérgio, e sem animosidade. E a todo momento o Everton estava resistente", diz o coronel.

"Mas, ambos foram abordados, algemados e apresentaram lesões mútuas", declarou o corregedor-geral.

O coronel afirma que a sindicância ouviu 27 pessoas, incluindo o motoboy, os quatro policiais e 22 testemunhas. Além disso, 12 vídeos foram analisados. Imagens exibidas durante entrevista coletiva mostram Everton jogando pedras em Sérgio. Já a agressão contra Everton não foi gravada, segundo o corregedor-geral. A defesa do motoboy criticou a ausência dessas imagens.

O coronel também afirma que os dois envolvidos tinham desentendimentos prévios. Ele se refere a reclamações de Sérgio feitas desde outubro de 2023 através do telefone 190 em que ele se queixava de "bagunça em via pública".

O delegado Heraldo Guerreiro explicou que casos como esse geralmente resultam apenas em termos circunstanciados. Mas, devido à grande repercussão do episódio, a Polícia Civil optou pelo inquérito, que agora será levado ao Judiciário.

As conclusões do inquérito policial e da sindicância da Corregedoria da Brigada Militar foram apresentadas em coletiva de imprensa organizada pela Secretaria da Segurança Pública gaúcha.

Ao final da entrevista, o comandante-geral da Brigada, coronel Cláudio dos Santos Feoli, fez um pronunciamento em defesa da corporação e com críticas à repercussão do caso.

Feoli afirmou ainda que os policiais foram chamados de "racistas e despreparados" e que foram julgados e condenados sem direito à defesa, inclusive por autoridades públicas. O governador Eduardo Leite (PSDB) e os ministros Silvio Almeida (Direitos Humanos) e Anielle Franco (Igualdade Racial), entre outros, comentaram o caso nas redes sociais.

"Quem não gosta de polícia, sobretudo a militar, ok, respeitamos a democracia. Nós, policiais, também não gostamos de criminosos. Mas a Brigada não escolhe cor e vai continuar fazendo seu trabalho, técnico, atendendo a todas as pessoas", declarou o coronel.

SINDICÂNCIA APONTA TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR

Apesar de não ter apontado crimes, a sindicância concluiu que houve uma transgressão disciplinar em relação ao fato de Sérgio não ter sido levado no porta-malas da viatura, como foi feito com Everton.

"Encerrada a sindicância, a Corregedoria da BM tem oito dias para notificar os quatro policiais militares. Após serem notificados, eles têm 15 dias para apresentar suas defesas. Após a análise das defesas, os policiais poderão ter de cumprir um período de detenção que caberá à Corregedoria definir", explicou o órgão em nota.

A defesa dos policiais, feita pelo advogado Fábio César Rodrigues Silveira, afirmou em nota que "a ação policial se deu no interesse de evitar que a violência mútua continuasse" e que recebeu com tranquilidade a conclusão da sindicância.

"Foi uma intervenção necessária para preservação da incolumidade física dos indivíduos que brigaram", continuou Silveira.

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