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José Vicente Filho

Troca de coronéis em SP abre grave e previsível crise na segurança

Tradição da posição hierárquica, uma das colunas de sustentação da PM paulista, sofreu forte abalo; danos são inevitáveis

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José Vicente da Silva Filho

Coronel reformado da Polícia Militar, ex-secretário nacional de segurança pública, foi professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da PM. É membro do conselho da Escola de Segurança Multidimensional da USP e mestre em psicologia social pela USP

As polícias militares têm em comum com as organizações militares, especialmente o Exército, uma cultura organizacional peculiar, formada por uma trama de experiências, normas, tradições e sagas históricas. No entanto, especiais dimensões são dadas à hierarquia e à disciplina. Além da óbvia precedência dos que têm postos militares mais elevados, fica acertado que os mais antigos na instituição podem mandar nos mais novos.

A tradição da posição hierárquica é uma das tais colunas mestras de sustentação da Polícia Militar. A cúpula de comando, formada pelos coronéis, último nível da hierarquia, é uma referência de poder institucional e, no caso de São Paulo, chegar a esse nível requer quase três décadas de percurso profissional e dois cursos de qualificação para a alta gestão, um mestrado e um doutorado profissionais.

Nessa cúpula há níveis especiais que podem ser de poder temporário sobre os demais, a começar do comandante da PM, seguido por seu número 02, o subcomandante.

Pátio interno do Batalhão Tobias de Aguiar, no centro de São Paulo - Eduardo Knapp - 14.out.2022/Folhapress

Na última quarta-feira (21), a tradição e a estrutura sofreram forte abalo com a publicação, no Diário Oficial do Estado, de promoções e novas designações de coronéis para diversos postos, fato corriqueiro na PM não fosse uma mudança que surpreendeu e chocou boa parte da cúpula dirigente: o subcomandante foi exonerado e rebaixado para o nível 5 da hierarquia de coronéis e, em seu lugar, assumiu um coronel que se formou um ano depois, uma situação de mais moderno dando ordens para vários coronéis mais antigos. A maioria dos coronéis movimentados não sabia da mudança até a publicação oficial, algo incomum para esse nível de alterações.

O ambiente de surpresa acabou turvado por indignação, inclusive pela quebra da tradição numa área tão sensível. Daniel Katz e Robert Kahn, dois renomados estudiosos de psicologia social das organizações, enfatizaram em seus escritos o grave equívoco de se bater de frente com valores históricos centrais. Os danos serão inevitáveis.

No mesmo dia, grupo significativo de coronéis insatisfeitos cogitou até de pedir passagem coletiva para a reserva, por dispor de tempo para isso, o que seria uma perda sensível pela experiência acumulada desses oficiais.

A crise está instalada e reforça em parte da cúpula da oficialidade a desconfiança sobre a capacidade do secretário de gerir a complexa máquina de segurança pública do estado. Os oficiais esperavam mais habilidade para compensar sua experiência limitada aos anos de tenente, carente dos conhecimentos de gestão estratégica dos coronéis. Impondo reformas de forma autoritária na cúpula dirigente, criou-se a crise poucas vezes vista na história recente da PM paulista.

Há também queixa de reversão da vitoriosa estratégia de prevenção dos últimos 20 anos que reduziu a violência no estado, agora sendo substituída por política de repressão cujo modelo mais icônico é a Rota. A estrutura de polícia territorial formada por 96 batalhões atuantes em todo o estado está perdendo relevância para os 15 batalhões de operações especiais e um batalhão da Rota, como mostra a promoção de dez tenentes-coronéis em dezembro de 2023 em que apenas dois (20%) eram oriundos do policiamento territorial.

A PM de São Paulo evoluiu dos ecos do Carandiru de 1992 e da Favela Naval de 1997 para uma polícia que desenvolveu competência extraordinária de prevenção que resultou em queda de 82% na taxa de homicídios no estado e 90,6% na capital, superando as estratégias de repressão dominantes no passado. O aperfeiçoamento da gestão, do treinamento e das tecnologias, inclusive as câmeras corporais, tornaram a PM paulista exemplo de competência nacional e referência internacional. Preservar esses avanços, inclusive prestigiando a cúpula dirigente e evitando as más influências políticas, deveria ser orientação governamental na gestão da segurança pública do estado.

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