Descrição de chapéu Folhajus forças armadas

Ministro contraria laudo sobre morte de Evaldo ao votar por absolvição de militares

Músico foi morto em ação com 257 tiros disparados por agentes; Relator do caso no Superior Tribunal Militar disse que eles agiram em legítima defesa

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Brasília

O ministro Carlos Augusto Amaral Oliveira, do STM (Superior Tribunal Militar), colocou em dúvida a conclusão do laudo sobre a morte do músico Evaldo Rosa dos Santos ao justificar a redução das penas de oito militares envolvidos no assassinato, que aconteceu em 2019.

O laudo necroscópico, obtido pela Folha, conclui que a morte de Evaldo ocorreu por hemorragia causada por um tiro na cabeça do músico. Segundo a investigação, o disparo que atingiu o crânio de Evaldo só pode ter ocorrido durante uma segunda ação dos militares, ocorrida após a primeira leva de tiros.

O ministro-relator do processo, brigadeiro Carlos Augusto Amaral Oliveira, votou pela revisão das penas dos militares - Pedro Ladeira/Folhapress

Amaral, porém, reuniu trechos dos depoimentos de familiares do músico para defender que a vítima pode ter morrido durante a primeira ação dos militares, com um tiro de fuzil que o atingiu nas costas.

Para o ministro, as diferenças entre os depoimentos e o laudo necroscópico sobre o momento exato da morte de Evaldo Rosa levantam dúvidas suficientes para absolver os militares do homicídio —por mais que 257 tiros tenham sido disparados na ação contra as vítimas, segundo perícia.

O debate é relevante, segundo o ministro, porque a dinâmica da ação militar foi dividida em dois atos durante a instrução criminal.

Na primeira parte, o comboio dos militares se depara com o roubo de um veículo e, após perder os criminosos de vista, confunde o carro dos suspeitos com o de Evaldo Rosa e realiza uma série de disparos.

No segundo ato, com o carro da vítima parado, o catador de recicláveis Luciano Macedo vai até o veículo e tenta prestar apoio a Evaldo. Os militares veem a cena e realizam novos disparos que atingem ambos.

O ministro Oliveira avalia que, se a morte ocorreu na primeira ação, os militares devem ser absolvidos porque agiram em legítima defesa putativa, na qual o agente acredita se encontrar em situação de ameaça real, mesmo que ela não seja concreta.

A legítima defesa se daria porque os militares acreditavam estar sob risco, já que os reais criminosos haviam fugido e estavam com armas de fogo.

Se a morte ocorreu na segunda ação, quando Evaldo já estava ferido e o cenário não apresentava risco aos militares, a condenação seria por homicídio culposo, de acordo com a hipótese levantada pelo ministro.

"Depreende-se do laudo pericial que ambos os ferimentos [nas costas e cabeça] foram demasiadamente gravosos, com potencialidade de causar a morte, o que efetivamente ocorreu. Assim, emerge dos autos a dúvida se o senhor Evaldo Rosa já não estaria sem vida em razão do tiro que o atingira nas costas nos minutos que antecederam o segundo fato", disse Amaral, que é brigadeiro da reserva da Aeronáutica.

O ministro ainda diz que, se Evaldo morreu no primeiro tiro —que percorreu cerca de 300 metros, perfurou o carro e o atingiu pelas costas—, os disparos efetuados contra a vítima na segunda ação não poderiam ser considerados para o crime de homicídio.

"Por essa razão, essa dúvida deve militar em favor dos apelantes no contexto do segundo fato [...] e, dessa forma, acolher a tese do crime impossível, em razão da manifesta impropriedade do objeto, porque o senhor Evaldo já estaria sem vida."

O laudo obtido pela Folha, porém, mostra que ao menos dois projéteis foram encontrados no crânio de Evaldo: ambos na base do crânio, próximos ao cerebelo.

"Realizada abertura da calota craniana, [...], identificamos projétil de metal amarelo, que foi recolhido e entregue ao setor responsável", diz trecho do laudo assinado pelo perito legista Leonardo Huber Tauil.

Para sustentar a tese de que o laudo pode não estar correto, o ministro Amaral afirmou que os depoimentos da esposa e do sogro de Evaldo dariam conta de que o músico havia perdido as forças e desfalecido logo após o primeiro disparo em suas costas.

O relator defendeu que, diante desse cenário, "não se deve atribuir um valor absoluto ao laudo pericial".

"É importante ainda ressaltar que o direito processual brasileiro, no contexto da valoração das provas, adotou o sistema do livre convencimento motivado, por parte do magistrado, na avaliação das provas e não o da prova legal ou tarifada, de forma a afastar uma imposição hierárquica na avaliação dos elementos probatórios colhidos na investigação policial ou na instrução criminal", completou.

Na primeira instância, os oito militares que dispararam contra Luciano e Evaldo foram condenados a penas que variavam de 28 anos a 31 anos e 6 meses de prisão. A sentença foi pelos crimes de homicídio qualificado das duas vítimas e tentativa de homicídio de Sérgio de Araújo, sogro de Evaldo, que foi atingido de raspão por tiros nas costas e no glúteo.

O relator do caso no STM, porém, defendeu revisar a condenação para o crime de homicídio culposo contra Luciano e lesão corporal contra Sérgio, além de absolver os militares pela morte de Evaldo.

Dessa forma, as novas penas seriam de três anos para os soldados e cabos condenados e três anos e sete meses para o único oficial envolvido no caso —todos com cumprimento em regime aberto.

O ministro-revisor José Coêlho Ferreira decidiu seguir o voto do relator. A ministra Maria Elizabeth, porém, pediu vista (mais tempo para análise) e não há previsão para o retorno do julgamento. Restam 12 votos para encerrar o caso.

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