Descrição de chapéu drogas Folhajus

Toffoli pede vista e suspende julgamento com 5 votos a 3 para descriminalizar porte de maconha

André Mendonça e Kassio Nunes Marques votaram nesta quarta (6) contra a medida; STF começou a analisar caso em 2015

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Brasília

O STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu pela quarta vez, nesta quarta-feira (6), um julgamento que começou em 2015 e pode levar à descriminalização do porte de maconha para uso pessoal no Brasil.

A descriminalização é defendida por uma ala de ministros, sob o argumento de que pessoas pobres têm sido presas com pequenas quantidades da substância e tratadas pelas autoridades policiais como traficantes —enquanto outras são tratadas como usuários.

O julgamento acirrou os ânimos entre o Supremo e o Congresso, que voltou a discutir a possibilidade de a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado votar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) para criminalizar o porte e a posse de drogas, independentemente da quantidade e da substância. Os parlamentares acusam a corte de invadir as suas atribuições.

André Mendonça na sessão desta quarta (6); em seu voto, ministro disse que uso de maconha aumenta o risco de 'transtornos psiquiátricos graves' e votou contra a descriminalização das drogas - Pedro Ladeira/Folhapress

Isso fez o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, passar os últimos dias evitando dizer que o julgamento tratava da descriminalização do porte de maconha —nesta quarta, ele foi confrontado por outros ministros e acabou reconhecendo que é isso que está sendo decidido.

Inicialmente, o julgamento debatia a descriminalização do porte de todas as drogas, mas os ministros acabaram restringindo as discussões para a maconha.

Até o momento, há 5 votos a 3 a favor da descriminalização. Se manifestaram nesse sentido Barroso e os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber (já aposentada) e Gilmar Mendes.

Na sessão desta quarta, votaram André Mendonça e Kassio Nunes Marques, ambos contra a descriminalização.

Em seguida, Dias Toffoli pediu vista (mais tempo para análise), suspendeu o julgamento e sinalizou que entende que o tema deveria ser definido pelo Congresso. Faltam ainda os votos de Luiz Fux e Cármen Lúcia. Recém-empossado, Flávio Dino não vota neste caso, porque sua antecessora na corte, Rosa Weber, já se manifestou.


Entenda os conceitos

  • Despenalizar: Conduta não deixa de ser crime, mas deixa de haver previsão de pena de prisão quando ela ocorre
  • Descriminalizar: Conduta não se torna legal, mas deixa de ser tratada como crime e pode ser objeto ou não de sanção administrativa
  • Legalizar: Conduta deixa de ser crime e passa a ser regulada por lei

Antes de Mendonça e Kassio, só Cristiano Zanin havia votado de forma contrária à descriminalização, ainda em agosto de 2023.

Segundo o Mendonça, que é evangélico, conhecido por ser conservador e foi indicado ao Supremo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), "há uma imagem falsa na sociedade de que maconha não faz mal".

Ao afirmar isso, Mendonça foi questionado por Barroso: "Que não faz mal? Acho que há um certo consenso médico de que algum tipo de dano causa". "Talvez menos do que o cigarro, mas algum tipo de dano causa", acrescentou o presidente do Supremo.

"O que eu vou trazer no meu voto é justamente que [a maconha] causa danos, danos sérios, e maiores do que o cigarro", respondeu Mendonça.

Ao ler o seu voto, Mendonça citou estudos que dizem que 9% das pessoas que experimentam maconha desenvolvem dependência e que a substância aumenta o risco de "transtornos psiquiátricos graves como esquizofrenia, outras psicoses, bipolaridades, depressão, ansiedade, transtornos de personalidade e distúrbios na esfera sexual e reprodutiva".

"Não perceber essa lesividade reforça a crença sobre o baixo risco da maconha, e pode minimizar os seus efeitos nocivos. Fumar maconha, transformar maconha em alimento ou cosméticos como se fosse um produto qualquer vai além do usuário e pode atingir a família e a sociedade", afirmou o ministro.

Ele se manifestou por uma quantidade provisória de 10 gramas de maconha para diferenciar usuários de traficantes, embora não retire a criminalização do uso. Também deu um prazo de 180 dias para o Congresso regulamentar o tema.

Segundo a votar, Kassio, também defendeu que descriminalização só poderia acontecer por meio de decisão do Poder Legislativo. "Somente o Parlamento poderá realizar as alterações sistêmicas legislativas correlatas no caso da opção pela descriminalização", afirmou.

Ele também listou possíveis problemas à saúde pública relacionados ao uso de maconha, como "aumento do risco de transtornos psicóticos, de ansiedade e de comportamentos suicidas".

Antes da retomada do julgamento, os ministros discutiram sobre o que está em análise na corte. Barroso leu um discurso no qual condenou o uso de drogas e afirmou que o tribunal não iria legalizar a substância.

Mendonça e Alexandre de Moraes, porém, frisaram que o que estava em discussão é, de fato, a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal —Barroso concordou, mas afirmou que o termo pode causar confusão na população.

Moraes apontou que, caso o tribunal decida descriminalizar o porte, a polícia não poderá invadir a casa de uma pessoa e prendê-la em flagrante por estar consumindo maconha.

O julgamento começou em 2015 e foi interrompido em três ocasiões.

Gilmar, relator do processo, defendeu inicialmente que a medida fosse estendida para todas as drogas, e argumentou que a criminalização compromete medidas de prevenção e redução de danos, além de gerar punição desproporcional.

No ano passado, no entanto, ele ajustou o seu voto e restringiu apenas à maconha, já que era a tendência a ser formada pela maioria dos seus colegas.

Em agosto passado, o primeiro a divergir foi o ministro Cristiano Zanin. Para ele, a conduta não deve ser descriminalizada, mas o usuário que estiver com até 25 gramas de maconha não poderá ser preso.

O voto surpreendeu setores da esquerda, já que o ministro foi o primeiro indicado pelo presidente Lula (PT) ao Supremo em seu terceiro mandato.

O que está em jogo no julgamento

A ação no STF pede que seja declarado inconstitucional o artigo 28 da lei 11.343/2006, a Lei de Drogas, que considera crime adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal e prevê penas como prestação de serviços à comunidade.

A lei, no entanto, não definiu qual quantidade de droga caracterizaria o uso individual, abrindo brechas para que usuários sejam enquadrados como traficantes. Assim, o debate no STF tem relação sobre quais critérios objetivos podem ser usados para distinguir usuários de traficantes.

No caso que serve como referência para o julgamento, a corte avalia recurso apresentado pela defesa do mecânico Francisco Benedito de Souza.

Ele cumpria pena por porte de arma de fogo no Centro de Detenção Provisória de Diadema, em São Paulo, mas sofreu nova condenação depois que foram encontrados 3 gramas de maconha na cela dele.

A pena prevista para tráfico de drogas no Brasil varia de 5 a 20 anos de prisão; o crime de porte de drogas para uso pessoal, por sua vez, prevê penas mais brandas, como prestação de serviços à comunidade.

No Congresso, o presidente da CCJ do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), convocou uma reunião informal entre os membros do grupo para definir se a proposta que criminaliza o porte de drogas deve entrar na pauta de votações.

A PEC em tramitação no Senado estabelece, no texto da Constituição, que é crime o porte e a posse de drogas, independentemente da quantidade e da substância.


A proposta foi apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em setembro do ano passado e já conta com parecer favorável do senador Efraim Filho (União Brasil-PB), relator na CCJ.

Na sessão plenária desta quarta, Pacheco reforçou o apoio à PEC e disse que a eventual decisão do STF pela não descriminalização seria bem vista pelo Congresso.

"Evidentemente que construções jurisprudenciais a partir de casos concretos que estabeleçam critérios de classificação de crime, se tráfico ou uso, isso é absolutamente normal no âmbito do Poder Judiciário. O que nós não concordamos é, obviamente, com a desconstituição daquilo que o Congresso Nacional decidiu que deve ser crime."

COMO CADA MINISTRO VOTOU

A favor da descriminalização, fixa quantia de 60 gramas ou seis plantas fêmeas para diferenciar usuário e traficante

  • Gilmar Mendes
  • Alexandre de Moraes
  • Luís Roberto Barroso
  • Rosa Weber (aposentada)

A favor da descriminalização, mas o Congresso deve definir a quantia que diferencia usuário e traficante

  • Edson Fachin

Contra a descriminalização, fixa quantia de 25 gramas para diferenciar usuário e traficante

  • Cristiano Zanin
  • Kassio Nunes Marques

Contra a descriminalização, fixa quantia provisória de 10 gramas para diferenciar usuário e traficante e dá 180 dias para o Congresso regulamentar a situação

  • André Mendonça
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