Descrição de chapéu litoral norte

Justiça embarga obra sem estudo ambiental criada para evitar nova tragédia em São Sebastião

Prefeitura justifica emergência para aprofundar o rio Sahy, mas demora de 1 ano para início enfraquece argumento

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São Paulo

Iniciada de forma emergencial um ano após a tragédia que matou 64 pessoas em São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, o aprofundamento do rio Sahy foi provisoriamente embargado pela Justiça paulista na última sexta-feira (12) devido à ausência de estudos do impacto da obra no meio ambiente.

A urgência da intervenção era a justificativa da gestão do prefeito Felipe Augusto (PSDB) para dispensar análises ambientais, mas a decisão judicial liminar considerou o argumento desarrazoado diante do longo intervalo entre o deslizamento das encostas, no Carnaval de 2023, e o início dos trabalhos. Sem citar a ordem assinada pelo juiz Vitor Hugo Aquino de Oliveira, a prefeitura confirmou a interrupção do serviço.

O desassoreamento do leito do Sahy é o mais recente episódio do enredo conflituoso desencadeado pela catástrofe nas relações entre poder público, proprietários de imóveis, ambientalistas e a população que mora distante da praia, no sopé da Serra do Mar.

Imagem mostra operário dentro de um túnel escuro
Operário trabalha dentro da escavação para instalação de tubos de drenagem que levarão água que se acumula na Vila Sahy e na Baleia Verde para o rio Sahy, em São Sebastião - Rubens Cavallari/Folhapress

Na raiz da questão está a geografia, física e humana. A areia depositada na desembocadura do rio forma uma barra, a Barra do Sahy, represando a água no canto esquerdo da praia e criando uma piscina natural com casarões nas laterais.

O curso d'água tem origem mais de 1 km adentro, do lado oposto da rodovia Rio-Santos, onde ficam Baleia Verde e Vila Sahy. Dormitório de trabalhadores que atendem veranistas e turistas, os bairros registraram 53 do total de mortos nos soterramentos do ano passado.

Em dias de chuva forte, a estrada forma uma barreira para a água que desce da serra e os alagamentos são frequentes. Para atacar a questão das enchentes e melhorar a drenagem das encostas, a prefeitura está instalando uma rede de tubulação com diâmetro de até 1,5 metro capaz de levar grande volume de água por debaixo da Rio-Santos para a despejar no Sahy. O aprofundamento do rio é, portanto, uma obra complementar.

Moradores que sofrem com alagamentos são favoráveis ao projeto, disse à Folha em fevereiro Alexandre Vieira da Silva, 44, líder comunitário da Baleia Verde.

Residentes da margem mais abastada da rodovia alegam, porém, que a eficácia da intervenção não está comprovada e que o aprofundamento do rio pode esconder interesses imobiliários. Tornar o rio navegável para alguns tipos de embarcações facilitaria a instalação de marinas para atender futuros condomínios residenciais. Quando procurada, a gestão de Felipe Augusto não comentou sobre as marinas.

Vem da principal associação que representa moradores da Barra do Sahy, a Sabs (Sociedade Amigos do Bairro do Sahy), a ação que resultou na ordem de paralisação do aprofundamento do rio.

Um integrante desse grupo afirmou à reportagem na última sexta que a associação não se opõe à drenagem do outro lado da rodovia, mas sim à intervenção no rio antes da realização dos devidos estudos.

A documentação apresentada à Justiça pela Sabs elenca uma série de argumentos técnicos, assinados pelo oceanógrafo Rafael Bonannata e pela consultoria Waterloo Brasil Ambiental, questionando a capacidade da empresa contratada pela prefeitura.

Alguns desses argumentos apontam que os sedimentos retirados do leito não podem simplesmente ser despejados 2,5 km mar adentro, como prevê o projeto, e que a conformação natural do curso d'água possui um sensível e complexo ecossistema, que é o manguezal.

Argumentos relacionados à questão ambiental também já haviam motivado um pedido de paralisação do desassoreamento, apresentado à prefeitura pelo ICC (Instituto de Conservação Costeira), entidade que participa da gestão da APA (área de proteção ambiental) no entorno do rio.

É com base nesse pedido que a administração municipal informou na última sexta ter suspendido temporariamente o desassoreamento até que as análises necessárias sejam concluídas. As obras de drenagem na Vila Sahy e Baleia Verde irão prosseguir, segundo a prefeitura.

Caso as obras não sejam interrompidas, a decisão que determinou a suspensão estabelece multa diária de R$ 100 mil, limitada ao total de R$ 5 milhões.

Em meio à escalada na tensão envolvendo o projeto, uma draga que seria usada para retirar sedimentos do fundo do rio ficou severamente danificada por um incêndio em março deste ano. A prefeitura diz que o equipamento pode ter sido alvo de um ataque criminoso.

Na madrugada de 19 de fevereiro de 2023, mais de 600 milímetros de chuva desabaram sobre a cidade. O maior volume já registrado em uma única precipitação no país dissolveu encostas na Serra do Mar que caíram sobre estradas e casas, deixando 64 mortos no município. Horas antes, uma mulher havia morrido durante o temporal em Ubatuba, município litorâneo mais ao norte.

Na Vila Sahy, o bairro mais afetado, 52 pessoas morreram. Também ocorreram óbitos em Juquehy (10), Baleia Verde (1) e Maresias (1), segundo a prefeitura.

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