Moradores derrubam cerca em praça que é alvo de briga entre Prefeitura de SP e ex-juiz

Wanderley Sebastião Fernandes diz que é o dono da área desde 2002 e chegou a colocá-la a venda

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São Paulo

Um grupo de moradores derrubou o alambrado que impedia o acesso da população a um terreno em Interlagos, zona sul de São Paulo, na manhã desta quarta-feira (24).

A cerca tinha sido colocada pelo ex-juiz Wanderley Sebastião Fernandes, que afirma ser dono do espaço de 793 metros quadrados desde 2002. Já a prefeitura diz que a área é pública —um decreto de 2009 estabeleceu a praça Ramiro Cabral da Silva no local.

Moradores derrubam alambrado da Praça Ramiro Cabral da Silva, na zona sul da capital
Moradores derrubam alambrado da Praça Ramiro Cabral da Silva, na zona sul da capital - Divulgação

Por volta das 11h desta quarta, oito moradores foram até a praça e derrubaram o alambrado, além de retirar os pilares de concreto, segundo relatos de vizinhos.

A disputa pelo espaço foi revelada pela Folha na segunda (22).

Procurado, Fernandes não respondeu até a publicação deste texto. A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou que a Guarda Civil Metropolitana foi acionada para atender a ocorrência, mas não foram registrados tumulto ou brigas.

A gestão ingressou com uma ação de reintegração de posse, mas ainda aguarda uma decisão da Justiça. "A Prefeitura de São Paulo reitera que foi solicitada em juízo a medida de urgência necessária para a defesa do bem público."

A praça estava cercada com alambrado, portão, correntes e cadeados desde o dia 23 de março. Placas foram fixadas em algumas de suas árvores com o aviso de que o terreno é particular e informam o número de uma ação judicial.

Os moradores já haviam derrubado os alambrados, ainda no final de março, mas o ex-juiz mandou refazer a cerca.

Fernandes também colocou uma placa de venda, mas a imobiliária desistiu do negócio. O ex-magistrado pretendia cobrar R$ quase R$ 1,3 milhão pelo terreno.

Em 2006, isto é, três anos antes de o prefeito Gilberto Kassab (PSD) assinar decreto municipal que determinou que o espaço é uma praça, Fernandes ingressou na Justiça uma ação de indenização por apossamento administrativo —quando o poder público se apossa de um bem particular sem acordo ou decisão judicial.

Em sua petição, Fernandes apresentou cópias de cobrança do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), entre outros documentos. Já a Procuradoria-Geral do Município (PGM) questiona o fato de Fernandes adquirir o terreno em 2002, quando o local já funcionava como praça.

A 6ª Câmara de Direito Público do TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo) entendeu, em fevereiro de 2016, que não houve apossamento por parte da prefeitura e "portanto remanesce o lote 03 em propriedade dos autores [Fernandes] que dele podem utilizar em sua plenitude, sem qualquer oposição por parte do município".

Apesar de a decisão ter sido publicada em 2016, o ex-juiz diz que cercou a praça agora porque reside na Europa e somente neste ano veio ao Brasil.

"Depois de vinte e um anos de espera, fundamentado em decisões judiciais, resolvi cercar o terreno que me pertence há décadas", escreveu Fernandes à reportagem no dia 15 de abril.

O terreno em formato de triângulo, às margens da movimentada avenida Antônio Barbosa da Silva Sandoval, conta com área verde e bancos de alvenaria. O espaço é apresentado como praça no GeoSampa, o mapa digital oficial da capital, publicado pela prefeitura.

Se transformado em área particular, o terreno poderá obter maior valorização caso seja demarcado como ZEUa (Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana Ambiental) pela Lei de Zoneamento.

Comparado ao entorno, esse zoneamento, válido apenas à direita da praça, tem mais incentivos para a construção de prédios. É uma regra do Plano Diretor para estimular a construção de moradias perto de corredores de ônibus ou do transporte sobre trilhos.

A ZEUa permite edifícios com até 28 metros de altura –cerca de nove andares– e com área construída vertical duas vezes maior do que o lote, em metros quadrados. Esse potencial construtivo pode subir se outros parâmetros forem atendidos, como a reserva de alguns apartamentos para famílias com renda de até dez salários mínimos.

A praça em disputa também está de frente para uma ZER, a zona de uso exclusivamente residencial, onde o gabarito (altura) é limitado a dez metros. Um edifício diante dessa área, portanto, poderia ser oferecido com a vantagem de possuir janelas e varandas que não terão a vista obstruída por outros espigões.

O valor da terra será menor, no entanto, se ela for demarcada como ZMa (Zona Mista Ambiental), como são as quadras à esquerda da praça. A decisão deverá ser da Câmara Técnica de Legislação Urbanística.

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