Descrição de chapéu Caso Marielle violência

PF levou 5 anos para ver crime em mensagens de policial indiciado no caso Marielle

Agente já havia sido investigado em 2019; corporação afirma que contexto voltou a ser analisado quando entrou oficialmente na apuração do crime

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Rio de Janeiro

A Polícia Federal alterou após cinco anos a interpretação dada a mensagens trocadas entre um policial da Divisão de Homicídios (DH) do Rio de Janeiro e uma testemunha supostamente usada para atrapalhar as investigações sobre a morte da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes.

O policial Marco Antônio de Barros Pinto, o Marquinho DH, foi indiciado pela PF sob suspeita de obstruir as investigações do caso principalmente com base nas mensagens que trocou com o PM Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha. Em 2019, a corporação entendeu não haver crime no mesmo conjunto de diálogos.

O ex-chefe de Polícia Civil do RJ, Rivaldo Barbosa, é preso pela PF sob suspeita de planejar a morte de Marielle e obstruir a investigação - Daniel Ramalho - 24.mar.2024/AFP

O delegado Leandro Almada, atual Superintendente da PF no Rio, presidiu a investigação em 2019 e também assinou o relatório enviado este mês ao STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o caso Marielle.

A PF no Rio de Janeiro afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o relatório final de 2019 apontou irregularidades de Marquinho DH. Disse que o contexto voltou a ser analisado quando a corporação entrou oficialmente na apuração do homicídio.

A corporação também declarou que à época da primeira investigação não tinha conhecimento do envolvimento dos delegados Rivaldo Barbosa e Giniton Lages na suposta obstrução da apuração do assassinato. A informação consta da delação premiada do ex-PM Ronnie Lessa, acusado de ser o executor do crime.

As mensagens também foram usadas para reforçar as suspeitas sobre Rivaldo, então chefe de Polícia Civil, e Giniton, então diretor da DH, no relatório enviado ao STF.

A PF prendeu no último dia 24 o deputado federal Chiquinho Brazão e o irmão dele Domingos Brazão, conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), sob suspeita de encomendar a morte de Marielle. Rivaldo Barbosa foi detido sob suspeita de que teria ajudado a planejar o crime e atrapalhado a investigação.

Giniton e Marquinho DH foram alvos de busca e apreensão e estão sob monitoramento de tornozeleira eletrônica.

Trechos do relatório enviado ao STF indicam que a mudança de interpretação ocorreu em razão das informações da delação premiada de Ronnie Lessa.

Nela, o acusado de executar o crime afirma ter ouvido dos Brazão que Rivaldo iria atuar para desviar o foco das investigações. Como a Folha mostrou, não há provas de corroboração que confirmem este ponto da colaboração.

O relatório não traz menções do ex-PM a Giniton ou Marquinhos DH. Mas a PF afirma que os dois atuaram intencionalmente de acordo com a pretensão atribuída por Lessa a Rivaldo.

"Agora que foram trazidos indícios de que a origem dessa trama, cujo protagonismo recai sobre Ferreirinha, foi idealizada por Rivaldo e pelos irmãos Brazão, conforme detalhado por Ronnie Lessa ao narrar o tema da terceira reunião com os mandantes, a DH criou essa cortina de fumaça para, de forma espúria, apresentar à sociedade a tão cobrada elucidação do caso Marielle e Anderson e escudar-se de investigar, de fato, aquelas pessoas que estão em torno dos fatos", diz o relatório.

As principais suspeitas contra Marquinho DH giram em torno da relação com Ferreirinha. O PM procurou a PF em abril de 2018 para apontar, de acordo com as investigações, falsos mandantes do crime. Ele acusou o ex-PM Orlando de Araújo, o Orlando Curicica, e o ex-vereador Marcelo Siciliano.

Os delegados federais levaram Ferreirinha para a DH sob intermédio de Rivaldo. O PM prestou depoimento, e seu relato orientou por um período as diligências do inquérito.

Após a identificação da farsa, ainda em 2018, a PF instaurou um inquérito para apurar os responsáveis por tentar atrapalhar as investigações. A apuração levou ao indiciamento de Ferreirinha e de sua advogada Camila Nogueira em maio de 2019. Eles respondem a ação penal ainda não julgada.

No curso da investigação, a PF teve acesso a troca de mensagens entre Marquinho DH e o PM.

Na ocasião, a PF afirmou que "a maioria dos diálogos se mostrou compatível como sendo contatos profissionais na busca por informações". Apontou, contudo, que "algumas ações identificadas trazem em si indícios de que tenha havido indevida orientação da testemunha e manipulação de informações".

O relatório do inquérito, que ficou conhecido como "investigação da investigação", encerrou com a conclusão de que não havia evidências de participação do policial na infiltração da testemunha no caso Marielle.

"Em que pese as irregularidades relatadas, entendo ter restado evidenciado nos autos que servidores estaduais não tiveram qualquer participação na criação do enredo apresentado pela testemunha em 30/04/2018 no Círculo Militar, assim como na engenharia de surgimento desta", afirmou Almada em seu relatório, na ocasião.

No relatório enviado ao STF quase cinco anos depois, a PF afirma que os indícios de manipulação de testemunha indicam que Marquinho DH teve participação direta no infiltração de Ferreirinha no inquérito para atrapalhar as investigações.

O delegado Leandro Almada, superintendente da PF no Rio, participou da 'investigação da investigação', em 2019, e do inquérito recém-finalizado do caso Marielle - Mauro Pimentel - 24.jul.2023/AFP

"A deflexão da investigação para a falsa imputação em face da dupla Marcelo Siciliano e Orlando Curicica, por meio da utilização da testemunha Ferreirinha, no entanto, foi o ápice das diligências obstrutórias emanadas pela dupla [Giniton e Marquinho]", diz o relatório da PF.

A mudança na interpretação sobre as mensagens fica mais clara ao analisar a conversa na qual Ferrerinha pede a Marquinho ajuda para conseguir uma transferência de batalhão. Em um áudio, o policial afirma que Giniton conversaria com Rivaldo para ajudá-lo.

Em 2019, a PF entendeu a conversa como um compatível contato profissional, considerado "normal a se considerar o contexto".

No relatório enviado ao STF, o empenho em favor da transferência foi descrito como uma "sanha" para atender a solicitação de Ferreirinha.

"Diante de todo esse cenário, restou latente que Rivaldo Barbosa, chefe de Polícia à época, intercedeu junto ao comando-geral da PM para que fosse viabilizada a transferência de Ferreirinha do 15º BPM para a DGP, em razão dos serviços por ele prestados na dinâmica de imputação indevida da autoria mediata do crime ora investigado a Marcelo Siciliano e Orlando Curicica", diz o relatório.

Apesar das mensagens de Marquinho DH citarem Giniton e Rivaldo, os dois nem sequer tiveram a conduta avaliada na conclusão do inquérito encerrado em 2019.

Além das mensagens, Marquinho DH é citado no episódio de sumiço do celular apreendido com um investigado de ter clonado o carro usado no homicídio de Marielle e Anderson. Ele foi apontado pelo suspeito como responsável pela condução do flagrante.

Giniton, por sua vez, ainda tem contra si suspeitas em relação às falhas na colheita e análise das imagens e suposta colaboração no não esclarecimento de homicídios envolvendo bicheiros e milicianos.

Rivaldo é citado por Lessa em sua delação, a partir de relatos que o ex-PM disse ter ouvido de Domingos Brazão. O conselheiro teria dito, segundo o delator, que o delegado iria desviar o foco da apuração para proteger os reais mandantes e executores.

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