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Viagem de 13 horas e repórter desalojado: os desafios da cobertura da Folha no RS

Jornalistas relatam como é noticiar a maior enchente da história do estado

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Porto Alegre

Desde o último dia 29, quando teve que deixar sua casa em Praia de Belas, bairro tomado pela água barrenta no centro de Porto Alegre, à beira do Guaíba, o correspondente da Folha na capital gaúcha Carlos Villela, 29, está abrigado no escritório da casa de um amigo, na parte mais alta da cidade.

Para chegar às áreas alagadas e entrevistar as vítimas, ele conta que já usou sua bicicleta para se deslocar, já que carros de aplicativo, meio de transporte usual nas reportagens, não aceitavam corridas para as partes mais afetadas da cidade.

"Era o único jeito de transitar em lugares com até 20 centímetros de água. Tinha medo de ir a pé e me contaminar com a água suja. Alguns itens de proteção, como galochas, estão esgotados", diz.

Moradores são resgatados de barcos por voluntários em São Leopoldo (RS)
Moradores são resgatados de barcos por voluntários em São Leopoldo (RS) - Pedro Ladeira - 10.mai.24/Folhapress

Quando "pendura o crachá" e encerra o expediente, ele conta que segue outra rotina desgastante: ajudar a mãe que teve a casa praticamente submersa após ser invadida por 4 metros de água em Harmonia, cidade no Vale do Caí, no interior gaúcho. "Só dormi mais de 6 horas em três noites até agora", diz. Ele conta que, ao encontrar colegas jornalistas em entrevistas coletivas, o assunto é quase sempre o mesmo: o cansaço visível e as olheiras.

"Estou fazendo a cobertura e, no fundo da minha mente, só penso no tamanho da fila do supermercado e qual melhor horário para ir depois do trabalho", conta. "Estou com saudades de tomar muita água, hoje só conseguir beber dois copos", continua sobre a dificuldade em comprar o item essencial na cidade.

O cansaço físico é o que define a cobertura para o repórter fotográfico da sucursal de Brasília da Folha Pedro Ladeira, enviado ao Rio Grande do Sul na última terça-feira (7). "Tem que entrar na água, entrar em barco, tentar não molhar o equipamento", diz.

Se dentro das cidades o deslocamento até os fatos é dificultado pelas ruas alagadas, transitar pelas estradas consomem das equipes horas dentro do carro para vencer o congestionamento. O repórter especial da Folha Fabio Victor dirigiu por 13 horas a partir de Florianópolis (SC), cidade mais próxima com aeroporto operante já que o Salgado Filho foi tomado pelas águas e deve permanecer fechado até o fim do mês.

Quase metade do tempo de viagem foi apenas no entorno de Porto Alegre, pois praticamente o único acesso por terra é via uma rodovia estadual com pista simples (RS-118), que está diariamente travada nos dois sentidos. "Um caos", diz.

Antes de chegar à capital gaúcha, a primeira parada foi na cidade de Torres, no litoral do estado, onde encontrou engarrafamento de carros formado, na maioria, por moradores de Porto Alegre que deixaram suas casas para fugir dos alagamentos e da crise no abastecimento de água.

Estradas fechadas após serem tomadas pela lama também fizeram o repórter da sucursal de Brasília Matheus Teixeira encarar longas horas no carro para buscar rotas alternativas até São Leopoldo, cidade na região metropolitana de Porto Alegre, onde a maioria dos habitantes está desalojada. A opção foi acessar uma rota secundária a partir de Gravataí.

"É uma cobertura muito difícil, os deslocamentos são muito difíceis. Hoje a gente passou o dia inteiro no deslocamento, que era para ser feito em três horas, a gente levou o dia inteiro", disse Ladeira nesta sexta-feira (10).

Uma vez nas regiões alagadas, a dificuldade da cobertura foi equilibrar "serenidade e empatia para entrevistar quem perdeu tudo numa tragédia", segundo Victor. "Impressiona a garra de quem também foi atingido, mas está na linha de frente da ajuda a terceiros que precisam mais. Aliás, a rede de solidariedade que atenua a catástrofe é enorme e admirável."

Para chegar até os moradores afetados e entrevistá-los foi necessário negociar caronas em barcos pilotados por voluntários que navegavam pelos bairros alagados para convencer as pessoas a deixar suas casas e ir para abrigos.

"A gente acompanhou um resgate em uma área nobre, com muitos prédios. Então, quem morava em casa nessa região, obviamente, já não estava mais ali, mas quem morava em prédios ainda estavam nos apartamentos. Os voluntários passavam perguntando, alguém precisa de resgate? E muita gente dizia que não, que ia continuar ali", conta Teixeira.

Ver bairros inteiros alagados em uma capital como Porto Alegre impactou Victor. "Não é tão incomum ver cidades menores tragadas por catástrofes. Aqui é outra escala, bairros inteiros estão debaixo d'água, é uma metrópole submersa."

"A água é sempre um dificultador para a gente fazer a cobertura. No meio disso tudo, tem que tentar manter a sanidade mental de alguma forma. Tem que manter o espírito jornalístico e não se deixar abater pelo tamanho dessa tragédia, pelo tamanho dessa tristeza. Esse é um baita desafio também", diz Ladeira.

Erramos: o texto foi alterado

O nome da cidade São Leopoldo foi grafado incorretamente em versão anterior deste texto. 
 

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