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Praias públicas têm acesso restrito em loteamentos privados no litoral de SP

Em meio a debate sobre 'PEC das Praias', regras amparadas por legislação municipal já dão poder a proprietários para vigiar quem entra e quem sai da faixa de areia

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Imagem aérea mostra faixa de areaia banhada pelo mar com casarões na encosta, alguns com piscinas e quadras esportivas

Praia de São Pedro, que pode ser acessada pelos loteamentos de Tijucopava, Sítio São Pedro e Iporanga Adriano Vizoni/Folhapress

Guarujá e Bertioga (SP)

Na primeira tentativa de acessar a praia de Tijucopava, no Guarujá (SP), o segurança do loteamento residencial particular não abriu a cancela porque a estrada está interditada desde fevereiro para reparos.

O caminho possível ficava adiante, no loteamento vizinho, onde outro funcionário perguntou qual quadra e lote seriam visitados. Ao saber que o destino era a faixa de areia, pediu o RG do motorista e contou quantas pessoas estavam no carro antes de entregar um crachá com o número de uma das 65 vagas do estacionamento.

A entrada é gratuita nessas praias acessíveis apenas por grandes áreas privadas pontilhadas por mansões no meio da mata atlântica. Mas as frequentes abordagens de seguranças e as restrições à circulação lembram ao visitante que aquele é um lugar ao qual ele não pertence.

Imagem aéra mostra casarões na beira da praia
As praias de São Pedro e Tijucopava têm acesso controlado por associação de proprietários de imóveis em loteamentos privados onde casas podem custar mais de R$ 40 milhões - Adriano Vizoni/Folhapress

No momento em que a chamada "PEC das Praias" inflama debates sobre o direito de uso de terras próximas ao litoral, a Folha visitou quatro empreendimentos imobiliários no litoral de São Paulo nos quais a vigilância de proprietários é legalizada e se apresenta de forma ostensiva. Modelos semelhantes também existem em outros pontos da costa brasileira.

Praias são um bem de uso comum e o acesso a elas é livre, garantido pelo Código Civil, e o texto da Proposta de Emenda à Constituição relatado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) não pode mudar isso, diz o advogado Godofredo de Souza Dantas Neto, especialista em direito constitucional e urbanístico.

O que o projeto pretende é transferir os chamados terrenos de marinha em áreas urbanas da União para estados, municípios ou proprietários privados.

Essas áreas ocupam uma faixa de 33 metros a partir da linha de influência das marés (medida em 1831) e a aprovação da proposta está relacionada à garantia patrimonial para quem já tem imóvel nesses locais, além de tirar dos cofres da União o dinheiro arrecadado com a cobrança de impostos.

Quando a questão envolve o acesso por áreas privadas, porém, essa liberdade garantida pela legislação civil brasileira encontra uma combinação de obstáculos criados por normas municipais.

No caso de quatro loteamentos no Guarujá, o controle de acesso é delegado aos proprietários e esse poder tem respaldo em legislações ambientais, informou a prefeitura.

Nos dias de calor, quando já nas primeiras horas da manhã há o esgotamento do número de vagas nos estacionamentos públicos próximos às praias, só carros de proprietários e convidados passam pelas cancelas que dão acesso às sinuosas estradas com ótimo calçamento de blocos de cimento.

Distâncias de até cinco quilômetros até o mar por vias íngremes desencorajam o percurso a pé. Além disso, o carro é a melhor forma de chegar à entrada e, para continuar o percurso sem o automóvel, é preciso deixá-lo perto ou no próprio acostamento da rodovia, onde estará sujeito a multas.

Quem consegue avançar se depara com um trajeto sombreado pela floresta preservada de onde é possível espiar casarões com quadras de tênis, campos de futebol e piscinas, alguns com acesso direto às praias de areias claras e finas. Os mais distantes têm quadriciclos nas garagens. Imóveis que podem passar dos R$ 40 milhões em anúncios na internet.

Na areia estão proibidas tendas, barracas e a circulação de bicicletas. Placas pedem que não se faça barulho, tudo respaldado por leis municipais, diz a prefeitura.

Restrições compensadas por vantagens como banheiros limpos e chuveiros de água doce de uso livre, afirma o motoboy Marcelo Montes, 42. Surfista e frequentador da região há 20 anos, ele havia partido de Diadema, na região metropolitana de São Paulo, na manhã da última quarta (5) com a prancha presa ao teto do seu Volkswagen Gol para aproveitar as ondas de Tijucopava.

"É chato [haver restrição], mas a segurança e a infraestrutura compensam", diz Montes. "Acho que isso aqui não tem nada a ver com privatização das praias, que eu sou totalmente contra."

A infraestrutura é ainda mais impressionante no Iporanga, o mais conhecido entre os loteamentos da região. Criado em 1983, possui cerca de 400 casas distribuídas por 248 hectares –cerca de 2,5 quilômetros quadrados. Os estacionamentos públicos têm 95 vagas para acesso a três praias: São Pedro, das Conchas e Iporanga. O crachá colocado no carro determina para qual delas o visitante deve se dirigir e não é permitido ir com o veículo para o estacionamento de outra praia.

O relatório de impacto ambiental da Associação de Proprietários de Iporanga diz que 150 funcionários zelam pela área, entre os quais há 95 seguranças. Para chegar às praias, a Folha foi questionada por três deles, em diferentes pontos, sobre o destino e a intenção da circulação no local. A administração também poderia conferir a movimentação pelas câmeras.

Todos os serviços, como o tratamento de resíduos, são custeados pelos proprietários, afirma o biólogo Ronaldo Justo, gerente de meio ambiente do loteamento Iporanga. "As restrições são para garantir a sustentabilidade", diz.

Embora as regras ambientais confiram autoridade para as associações de proprietários controlarem os acessos, em ao menos um ponto, que diz respeito ao horário de permanência nas praias, a prefeitura diz que as entidades podem estar extrapolando sua autonomia.

Em linhas gerais, os condomínios liberam o acesso às praias enquanto o dia está claro. Apesar de afirmarem que a permanência noturna não é proibida, orientam aos visitantes que saiam à noite devido à ausência de salva-vidas, correnteza mais forte e pouca ou nenhuma iluminação nas vias.

A administração municipal afirma que a restrição de horários de permanência nas praias não é autorizada, mas recomenda aos frequentadores que evitem utilizar as praias ao anoitecer.

Em Bertioga, cidade vizinha ao Guarujá, o loteamento Riviera de São Lourenço é o que mais chama a atenção pela quantidade de edifícios à beira-mar. Diferente da primeira impressão, porém, a entrada não possui restrições, o carro pode ser estacionado na rua, e o acesso à faixa de areia é livre.

A Secretaria de Patrimônio da União não tem dados sobre a demarcação de terrenos de marinha no estado de São Paulo, embora diversos proprietários paguem impostos federais que caracterizam esse tipo de imóvel.

Independentemente de qual ente é o responsável pela gestão do espaço, prefeituras, governos estaduais e federal têm autoridade para desapropriar áreas para melhorar o acesso ao mar, afirma o advogado Godofredo Dantas Neto. "Basta declarar a área de interesse público para a construção de uma passagem", diz.

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