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Como discutir os 'virais' da internet em sala de aula

O debate sobre conteúdos populares na rede é uma maneira de abordar ética na escola

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O ditado popular “Caiu na rede, é peixe” significa, em linhas gerais, que tudo é aproveitável, mesmo que à primeira vista não seja. Adaptando o provérbio para tempos conectados, quando algo cai nas redes sociais, não se trata mais somente de ser válido ou não, mas sim de perdermos o controle sobre aquilo.

Quem nunca viu dezenas de versões de um mesmo meme, sendo replicadas com poucas alterações em aplicativos de mensagens instantâneas e compartilhadas por diferentes pessoas ao mesmo tempo? Ou mesmo um vídeo com múltiplas edições, mudando apenas a trilha sonora ou a narração para tornar a situação registrada mais cômica?

Talvez o caso mais recente seja o da mulher que ficou presa por engano dentro da garagem de uma casa desconhecida. Ela estava caminhando na calçada quando foi “engolida” pelo portão automático da residência. Os registros feitos pela câmera de segurança rapidamente se espalharam pelas redes sociais.

A repercussão foi tão grande que ela acabou sendo convidada para estrelar a propaganda de uma plataforma digital de entretenimento – o comercial faz alusão justamente às imagens que se popularizaram, que mostravam a mulher nervosa trancafiada no lar alheio. De anônima em uma situação trivial, ela passou a ser assunto para milhares de pessoas. 

Quase todo mundo já recebeu esse tipo de mensagem em grupos de WhatsApp ou Facebook, mesmo sem pedir. Não sabemos o autor ou como aquilo se espalhou – e muitas vezes nem o porquê. Essas são algumas das características de um conteúdo viral, aquele que é divulgado e compartilhado por muita gente, ganhando ampla repercussão na internet (e fora dela). Pode ser vídeo, áudio, GIF ou imagem.

O termo está relacionado à palavra “vírus” por conta do seu potencial de se espalhar rapidamente. É por isso que falamos que um vídeo, como o da mulher presa no portão, “viralizou”. 

É exatamente o que acontece com os memes, que são um tipo específico de conteúdo viral pois cristalizam, de maneira visual e sucinta, uma ideia ou um conceito. Para isso, normalmente usam humor ou sátira, o que faz com que as mensagens circulem rapidamente pelas redes.

Alguns casos tornam-se inclusive piadas perenes nas redes – vídeos como o caso da servidora que fugiu de uma entrevista, sendo perseguida por uma repórter que repetia “Senhora!”, ou mesmo a lendária história da chamada “grávida de Taubaté”, mulher que em 2012 mentiu sobre a gravidez de quadrigêmeos e virou notícia no País inteiro, são alguns dos inúmeros exemplos que rendem memes até hoje. 

A verdade é que não existe uma regra muito racional estabelecida para uma mensagem viralizar. Profissionais de marketing inclusive debruçam-se sobre isso, na esperança de entender o mecanismo do processo que faria um conteúdo publicitário ser disseminado da mesma maneira que uma piada se espalha. Alguns apontam que aspectos como emoção e curiosidade são ingredientes que ajudam um conteúdo a ser exponencialmente espalhado, muitas vezes compartilhado de modo quase inconsciente pelos usuários. 

O problema é que nem tudo que se torna viral é, digamos, inocente ou engraçadinho. Mentiras, boatos e materiais íntimos propagados em alta escala podem ser muito prejudiciais, individual e coletivamente, e justamente por gerarem curiosidade, acabam por se alastrar absurdamente. Um exemplo terrível é a disseminação de vídeos e fotos de teor sexual espalhados entre jovens, muitas vezes por um ex-namorado ou marido, em vingança pelo término da relação (a isso, dá-se o nome de “pornografia da vingança”).

A superexposição da intimidade e a avalanche de violência moral que se sucede a isso acaba motivando que a vítima tire sua própria vida, como aconteceu com a garota Júlia Rebeca, de Parnaíba (PI), de 17 anos, que teve um vídeo de uma relação sexual sua distribuído por toda a cidade.

O caso aconteceu em 2013 e é apenas um entre vários registrados mundo afora. Nessas situações, é quase impossível remover o material da internet e dos aparelhos que baixaram o arquivo, o que significa que a vítima possivelmente terá que lidar com aquilo por muito tempo. 

A onda de desinformação também se beneficia da viralização de conteúdo. Durante o primeiro turno da eleição de 2018, um levantamento da Agência Lupa mostrou que as dez notícias falsas mais disseminadas nas redes somaram 865 mil compartilhamentos somente no Facebook, tornando inimaginável o alcance de mentiras com intenções puramente políticas.

Uma famosa pesquisa do Massachusetts Institute of Technology (MIT) mostrou, com base na análise de 126 mil notícias no Twitter, que as falsas tinham 7 vezes mais chance de viralizarem justamente por serem inusitadas.

Por essas razões, não é exagero dizer que a reflexão sobre o que é curtido, comentado e compartilhado nas redes sociais é uma discussão sobre cidadania. A nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) exige, como uma das competências gerais que crianças e jovens devem adquirir durante a educação básica, que eles desenvolvam o “uso qualificado e ético das diversas ferramentas existentes” e compreendam “o pensamento computacional e os impactos da tecnologia na vida das pessoas e da sociedade”.

Ou seja: ao passo que esse público é mais suscetível à viralização de conteúdo, especialmente no que tange aos riscos dessa prática, mais relevante se torna o papel da família e da escola nesse sentido. A formação de um olhar reflexivo sobre o mundo, que jogue luz sobre um comportamento ético na internet, pode ser discutida dentro da sala de aula de inúmeras maneiras.

A própria análise de um conteúdo viral pode levar os alunos e alunas a chegarem a conclusões importantes para questões como: O fato de algum conteúdo ter viralizado é bom ou ruim? Você já compartilhou algum conteúdo viral? Quais são as principais características que um conteúdo precisa ter para viralizar? Se um meme compromete a imagem de uma pessoa pública ou uma marca, você o divulgaria? E se for um político? O que você acha que tem mais impacto: uma notícia ou um meme?

Como produtores de conteúdo e, claro, de memes, os estudantes precisam refletir sobre quais frases e imagens podem usar na confecção desses materiais. Debater um caso com consequências fora das redes pode ser um bom gancho.

Um ótimo exemplo é o de uma página humorística bastante popular nas redes, cujo dono publicava memes que usavam a foto de um senhor de 91 anos. Ao descobrir que sua imagem estava sendo manipulada junto a mensagens depreciativas, o idoso entrou na Justiça, processando o autor dos conteúdos, que agora deverá pagar uma indenização de R$ 100 mil à vítima. A página tinha milhares de seguidores, o que causou, por anos, um grande constrangimento ao homem. 

Para um conteúdo atingir milhões de pessoas, é porque cada uma delas teve um papel nessa trajetória, seja ativo (ao passar aquela informação para frente) ou passivo (ao ser conivente com um conteúdo abusivo).

Por mais que alguns desses processos sejam bastante automatizados, não podemos tirar da frente a nossa responsabilidade nesse cenário, e isso vale especialmente para crianças e jovens em idade escolar, para que eles se tornem adultos mais críticos e conscientes dos seus direitos e deveres no mundo conectado do que as gerações anteriores. 

Mariana Mandelli

Coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

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