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Fechadas há três meses, escolas repensam formato para retomar aulas

Volta dos alunos traz desafios psicológicos, emocionais e sanitários

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São Paulo

Dos 200 dias do primeiro ano na escola, Gabriela Lins, de 4 anos, passou 60 em casa, vendo a professora e os amigos apenas pela tela do computador. Todo dia ela pergunta à mãe quando vai poder usar de novo a mochilinha e brincar no parquinho do colégio.

“A resposta para essas perguntas ficam cada dia mais difíceis. Não sei quando as aulas vão voltar e, mesmo que voltem, não sei como vai ser a nova dinâmica, como vai ser a convivência dela. Com certeza, ela não vai voltar para o que tinha conhecido como escola”, disse a mãe da menina, a esteticista Luiza Lins, 32.

Com um terço do ano letivo a distância e ainda sem uma data definida para o retorno das aulas presenciais, os colégios ainda buscam alternativas para que os alunos continuem aprendendo e não percam o vínculo escolar. Na expectativa de reabertura, os educadores agora pensam nas novas transformações que a escola sofrerá após a pandemia.

Depois de três meses com uma nova rotina, os colégios estão preparando as famílias para as adaptações que terão de ser feitas na volta às aulas. Os protocolos de segurança que estão sendo elaborados trazem mudanças que vão desde novos hábitos de higiene até novas regras de convivência entre as crianças.

 A empresária Luciana Fortes, 33, contou não se sentir segura em deixar o filho Pedro, de 2 anos, ir para a escola
A empresária Luciana Fortes, 33, contou não se sentir segura em deixar o filho Pedro, de 2 anos, ir para a escola - Luciana Fortes/Arquivo Pessoal

​Camilla Schiavo, diretora da escola Viva, na Vila Olímpia, contou que os educadores tiveram de fazer concessões e mudar a forma como enxergam a educação infantil. A unidade, por exemplo, sempre defendeu que as crianças deveriam ter o mínimo de contato com as telas e que a prioridade deveria ser o contato e convívio social.

“Não é que a gente tenha mudado de pensamento, mas tivemos que nos adaptar e ver que a tecnologia agora é a única forma de manter esse vínculo. Não é como acreditamos ser o ideal, mas é a única opção”, disse.

Nos encontros virtuais com as crianças, os professores aproveitam para perguntar sobre a nova rotina, falar sobre o coronavírus e cuidados que precisam ser tomados. Para os educadores, conversas sobre o assunto ajudam a preparar os alunos para o retorno às aulas.

“Ainda não sabemos se vai ser possível voltar toda a turma, se eles poderão usar o parquinho, quais brincadeiras poderão ser feitas. Isso vai trazer mais um impacto para eles”, disse Camilla.

Amábile Pacios, dona do colégio Dromos, em Brasília, contou que, apesar de ainda não saber quando as aulas retornarão presencialmente, já iniciou as compras e adaptações necessárias no prédio. Também começou a conversar com as famílias para falar sobre as novas regras.

“Precisamos acolher bem essas crianças, que estão com saudade da escola e dos amigos, mas de forma segura. Os pais precisam nos ajudar a explicar que eles não vão poder se abraçar, se tocar, terão que usar máscaras. São mudanças grandes dentro do convívio escolar”, disse.

Para a volta às aulas, o colégio irá espaçar as carteiras para que os alunos fiquem a 1,5 metro de distância, cada turma fará o recreio em horários diferentes e o tempo no parquinho será limitado, já que os brinquedos terão de ser higienizados a cada uso.

Para que os alunos possam ver o rosto dos professores durante as aulas, a escola comprou escudos de proteção transparente. “Imagine o aluno assistir uma aula vendo só metade do rosto do professor. É uma mudança que pode até distanciá-los, tornar as relações menos afetivas. Temos que pensar em todas essas possibilidades”, disse.

Lucia Rabahy, 42, disse temer os impactos dessas mudanças na relação que a filha Marina, de 9 anos, tem com a escola. A menina, que está no 4º ano na escola Castanheiras, no Alphaville, está ansiosa para voltar a escola e brincar com os amigos como fazia antes.

“Sinto que ela fica ansiosa até mesmo para as aulas online porque quer ver os colegas. Ela sente falta do contato, das brincadeiras. E a escola sempre incentivou muito essa proximidade entre os alunos, não sei como vai ser essa mudança e o impacto nela”, disse.

A pedagoga Mônica Gardelli, que trabalhou na Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, disse que o retorno das aulas precisa ser cuidadoso e pense em todas as questões psicológicas e emocionais sejam consideradas, não apenas nas medidas de segurança sanitária.

“É preciso avaliar todos os impactos, não podemos só pensar que as crianças estão perdendo conteúdo e precisam voltar para aprender. Temos que criar estratégias para que elas se sintam seguras, acolhidas e possam se desenvolver mesmo com essas novas restrições”, disse.

Para Erastos Fortes, doutor em Educação e ex-membro do Conselho Nacional de Educação, a dinâmica social das escolas as coloca como um dos ambientes de maior chance de contaminação pelo vírus. “Crianças e adolescentes têm um contato físico muito maior que o de adultos e isso é importante para o desenvolvimento. Isso precisa ser considerado e a volta não pode ser apressada, os alunos podem ser os maiores vetores de transmissão”.

O Brasil tem 35 milhões de estudantes e 2,5 milhões de professores apenas na educação básica, o que corresponde a 17,8% da população do país. “Para tirar um quarto da população de casa é preciso ter muita segurança de que a pandemia está controlada. Se não for dessa maneira, viveremos uma onda de contágio ainda pior”.

Os colégios e educadores disseram sentir que, ainda que sejam liberados para a reabertura, terão um trabalho difícil de transmitir segurança para os pais. A empresária Luciana Fortes, 33, contou não se sentir segura em deixar o filho Pedro, de 2 anos, ir para a escola.

“Sei que ele sente muita falta da professora, de abraçar os amiguinhos. Vejo pela forma como ele conversa com eles durante as aulas online, como fica feliz e animado. Mas eu prefiro que ele fique seguro em casa e sei que aos poucos ele está aprendendo coisas novas mesmo a distância, ele já decorou novas musiquinhas, sabe novas palavras em inglês”, diz a mãe do menino que estuda na The Kids Club, em Santos.

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