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Despreparo e incertezas ameaçam educação pós-pandemia

61% das redes não formaram professor para EAD; 21% não têm plano para evasão, e 12% não têm nada, diz estudo

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Brasília

Com escolas em todo o Brasil fechadas há praticamente três meses por causa da pandemia do novo coronavírus, estados e municípios já vislumbram os desafios para a volta das aulas. Quase duas em cada dez redes públicas ainda não começaram a se preparar para retomar as atividades (16%) nem têm estratégias para evitar o abandono escolar (21%).

Estudo de autoria do centro de pesquisas educacionais Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional) e do comitê de educação do IRB (Instituto Rui Barbosa) mapeou a situação das redes. O trabalho “A Educação Não Pode Esperar” contemplou 249 delas, de todas as regiões.

O levantamento, que envolveu pelos menos cem auditores públicos, teve a participação de 26 tribunais de contas, com foco nas secretarias estaduais e também as municipais de capitais. Além disso, mais 11 cidades de cada estado foram analisadas com base em dois critérios: maior número de matrículas e maior proporção de estudantes mais pobres. Este é o mais amplo estudo feito até agora na área.

Ainda não há consenso sobre datas de retorno das aulas. No entanto, conselhos que representam gestores da educação já trabalham em protocolos para a retomada.

Redes escolares se veem despreparadas para pós-pandemia
Redes escolares se veem despreparadas para pós-pandemia - Ilustração Luciano Veronezi

A previsão é de que haja uma volta escalonada do funcionamento das escolas. O modelo será híbrido, com ensino presencial e a distância.

“Houve uma preocupação grande, quando se fecharam as escolas, sobre como fazer o ensino. Agora o desafio é como fazer o sistema educacional funcionar em novos moldes”, diz Ernesto Faria, diretor do Iede. “Temos de pensar em como garantir não só o conteúdo mas todo o sistema, as avaliações, a formação de professores, os materiais específicos e em como manter os alunos.”

Praticamente todos os países com registros da Covid-19 interromperam aulas para evitar aglomerações e conter infecções. No Brasil, as aulas online esbarram na desigualdade de acesso à internet das famílias mais pobres.

O estudo do Iede mostra que diferenças regionais afetam a capacidade técnica das secretarias de Educação, sobretudo quando a maior preocupação dos gestores se volta aos cuidados de saúde. Segundo Faria, prefeituras menores e mais pobres inspiram mais atenção em educação. A manutenção do ensino no período tem sido desigual.

Quase um terço das redes do Norte (27%) e um quarto do Nordeste não tinham até agora estratégias para oferecer aulas e conteúdos para os estudantes com escolas fechadas. No restante do país, praticamente todas as redes informaram lançar mão de alguma estratégia.

“Não dispomos de recursos financeiros suficientes, não dispomos de equipamentos tecnológicos nem de recursos materiais para a produção das atividades”, afirmou uma rede municipal do Nordeste. As cidades não foram identificadas no estudo para permitir que os gestores fizessem os relatos com liberdade.

Em 61% das redes não houve formação para professores desenvolverem atividades a distância. A situação é mais grave nos municípios do que nos estados, cujas secretarias de Educação contam com maior estrutura.

Luiz Miguel Garcia, presidente da Undime, que reúne dirigentes municipais, diz que a organização tem feito um esforço para levar a todos as discussões de protocolos comuns, mesmo que o retorno às aulas deva seguir calendário próprio alinhado com os níveis de contaminação de cada localidade.

“Há reflexos de ausência de um planejamento nacional, o que gera problemas”, diz ele, reforçando a necessidade de verbas. “Não dá para imaginar que a educação consiga retomar só com os recursos previstos.”

O governo Jair Bolsonaro não criou uma linha específica de financiamento para educação em meio à pandemia. O MEC (Ministério da Educação) só manteve os repasses previstos, relacionados a transferências de recursos para apoio pedagógico —mas anunciados como apoio para compra de materiais de higiene— e merenda.

Mesmo perfazendo apenas parte dos gastos com alimentação escolar, os recursos federais também não puderam ser executados por várias redes por causa das regras de uso, que só autorizam distribuição de kits de alimentos, como a Folha revelou em reportagem em abril.

A pesquisa do Iede indica que 17% das redes não usaram o dinheiro federal. Das secretarias questionadas, 13% informaram não ter segurança jurídica para gastar esse dinheiro.

Até agora, a pasta liderada por Abraham Weintraub não exerceu papel relevante de coordenação de ações voltadas à educação básica na pandemia. Procurado, o MEC não comentou.

O longo período com escolas fechadas ainda levanta preocupações sobre o abandono escolar. O Brasil já tem uma das maiores taxas do mundo. No ensino médio, chega a 10%.

“A gente sabe do efeito negativo, mas como isso vai se materializar do ponto de vista de abandono e evasão é ainda incógnita”, diz Raphael Callou, diretor no Brasil da OEI (Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura).

A OEI tem produzido relatórios sobre os efeitos da Covid-19 nos diversos países em que atua e destacou a preocupação com o abandono. “Diante da incertezas, vão se exigir muito planejamento e lastro técnico. É um trabalho complexo que envolve também escuta”, afirma Callou.

Nesse sentido, uma das práticas mais citadas pelas redes, diz o estudo do Iede, é a manutenção do vínculo do aluno com a escola durante o período, “tanto pela disponibilização de atividades como pelo contato frequente dos educadores para sanar dúvidas, motivá-los e oferecer apoio”, cita o texto.

O trabalho do Iede também mapeou experiências exitosas como forma de municiar secretarias mais desestruturadas. Uma rede municipal do Nordeste relatou, por exemplo, como tem usado o aplicativo de mensagens WhatsApp para alcançar os alunos.

“Aulas gravadas, áudios, audiodescrição (educação especial), plano de estudos domiciliares (bloco de tarefas da semana), plano semanal de estudos (planejamento dos conteúdos e instrumentos de avaliação e orientação de retorno)”, cita o estudo.

“O mais legal do mapeamento é relatar ações e fazer um benchmarking [estudo] de boas práticas”, diz Faria, do Iede.

O estudo completo será apresentado no próximo dia 19, quando será realizado debate online.

"O estudo procura mapear as estratégias e dificuldades enfrentadas pelas redes de ensino durante o período de isolamento social e também as ações que estão sendo desenvolvidas para a retomada das aulas presenciais", afirma Cezar Miola, presidente do Comitê Técnico da Educação do IRB.

Segundo ele, com os dados obtidos será possível encaminhar sugestões de ações tanto para o acompanhamento dos Tribunais de Contas, como para os próprios gestores.

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