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Alexandre Schneider

Política Nacional de Educação Especial pode ser alvo de questionamento legal

Decreto de Bolsonaro abre espaço para discrimação de pessoas com deficiência

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Alexandre Schneider

Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo

São Paulo

A nova Política Nacional de Educação Especial, objeto de um decreto do presidente Jair Bolsonaro, é questionável legalmente e representa um enorme retrocesso em relação à política vigente no Brasil ao estimular a discriminação de pessoas com deficiência.

O decreto federal contraria uma série de dispositivos legais. A Constituição de 1988 em seu artigo 208 prevê que a educação das pessoas com deficiência se dará preferencialmente na rede regular de ensino, algo também previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

A Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência da ONU, da qual o Brasil é signatário, tem status constitucional e prevê o direito à educação inclusiva em todos os níveis, sem discriminação e com igualdade de oportunidades, assim como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI). Em uma canetada, o presidente Bolsonaro violou diversos dispositivos legais construídos há anos. Um verdadeiro “strike” jurídico.

Não é só a violação das normas pré-existentes que é grave: o retrocesso pode levar crianças e adolescentes de um amplo espectro de deficiências à ambientes segregados que comprovadamente não colaboram com seu desenvolvimento.

A inclusão das crianças com deficiência na educação percorreu um longo caminho, marcado pela luta gerações de pais, educadores e especialistas de diversas áreas de conhecimento.

Após um longo período de exclusão, nos anos 70 começaram a nascer a primeiras políticas do que se convenciona chamar educação especial, com recursos públicos direcionados a instituições especializadas ou a classes especiais em escolas públicas.

As instituições de educação especial à época promoviam algo mais próximo de uma política de assistência do que de educação. No caso das escolas, era ainda mais grave: os estudantes com deficiência ficavam segregados em salas separadas de seus colegas do ensino regular. Pior, muitas vezes o encaminhamento para essas salas não era baseado em critérios claros.

A Constituição de 1988, as declarações internacionais e a legislação nacional promulgada a partir de meados dos anos 1990 estabeleceu um outro paradigma, o da educação inclusiva. Este prevê que os estudantes com deficiência devem estar preferencialmente matriculados em escolas regulares, tendo direito a um atendimento educacional especializado (AEE) no contraturno escolar.

Essa política teve um efeito gigantesco na inclusão de pessoas com deficiência no sistema educacional.

No ano 2.000 havia 382 mil estudantes matriculados, cerca 300 mil em “classes especiais e instituições especializadas” e pouco mais de 81 mil em classes regulares. Já em 2017 eram cerca de 900 mil crianças matriculadas em classes regulares e 170 mil em classes exclusivas. As políticas de educação inclusiva levaram as crianças com deficiência para a escola.

Além da mudança na vida de milhares de crianças e adolescentes que antes ficavam em casa, sem atendimento, pesquisas recentes mostram que tanto as crianças com deficiência quanto as demais se beneficiam do processo de inclusão, não apenas em competências sócio-emocionais como também nas cognitivas.

Ainda há muito o que avançar. Em vez de dar um passo atrás, permitindo a volta de classes especiais em escolas regulares, segregando os alunos, o Ministério da Educação deveria ampliar o financiamento da formação de profissionais da educação e de políticas que possibilitem que demos um passo efetivo na inclusão das pessoas com deficiência.

O Estado brasileiro e seus governos não podem culpar os estudantes pela ineficiência do sistema educacional em atendê-los de acordo com suas singularidades. Segregar não é incluir.

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