Descrição de chapéu Entrevista da 2ª

'A escola é nosso ambiente de convivência, do olhar', diz professora premiada, defensora do retorno

Folha entrevistou docentes da escola pública com opiniões diferentes sobre a volta presencial agora

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São Paulo

As duas são professoras da rede pública, têm idades próximas e foram premiadas por trabalhos inovadores em sala de aula. Mas quando o assunto é a controversa volta presencial das escolas, suas opiniões são distintas. Uma é mais a favor, e a outra, contra.

Ao contrário do que pode parecer, porém, suas visões sobre o tema não são tão diferentes assim. Além dos prêmios, as duas têm em comum a frustração com o exercício da profissão no ano que passou e a clareza de que tanto elas como os alunos perdem muito com o ensino remoto.

Defensora do retorno, Eveline Andrade Dias, 38, leciona geografia no fundamental de escola municipal e sociologia numa estadual em Elias Fausto (a 131 km de SP). Ela venceu o Professores do Brasil em 2018, prêmio do Ministério da Educação, com projeto que envolvia debates sobre a organização do Estado.

Cética em relação ao retorno, Lidiane da Silva Lima, 36, leciona nos anos finais do ensino fundamental da escola municipal Anna Silveira Pedreira, zona sul de São Paulo. No ano passado, ela venceu o prêmio Educador Nota 10, com projeto de leitura de poemas que desconstruíam imaginário sobre a herança africana.

As professoras relataram à Folha como se sentem no retorno, após quase um ano, ainda em meio à pandemia.​ Para Eveline, o que mais fará falta é o contato físico com alunos.

Eveline Andrade Dias, 38. Professora de geografia no ensino fundamental de uma escola municipal e de sociologia no ensino médio de uma estadual, ambas na pequena cidade Elias Fausto (a 131 km de SP). Ela venceu a edição de 2018 do prêmio Professores do Brasil, realizado até aquele ano pelo Ministério da Educação em parceria com outras entidades. - Arquivo pessoal

Como você vê a perspectiva de voltar às aulas?

A escola precisa voltar. Ela vai além do aspecto acadêmico, é um ambiente de organização social. Envolve a alimentação, a organização da rotina diária, um lugar para deixar os filhos. Então tem esse desejo de retornar porque é o nosso ambiente de trabalho, da convivência, da reciprocidade do olhar, do gesto. À distancia temos aprendido, mas tem grande escassez de recurso e, no meu caso, grande parte dos estudantes foi trabalhar. Mas, além do desejo de voltar, tem o medo.

Como tem sido lidar com isso?

Acredito que o diferencial é a condução dos protocolos. Na escola estadual, tem mais estrutura e uma equipe gestora que conduz as coisas com muita segurança. Eu sei o que tenho que fazer, me sinto acolhida. Quando não há essa condução, e a proposta é "vamos voltar para ver o que acontece", dá mais receio. Vejo que muitas redes chegaram em janeiro ainda perguntando como fazer para o retorno, quando isso deveria ter sido pensado em junho.

E no aspecto pessoal, qual é o sentimento? O que mais te motiva a voltar?

O trabalho em casa com duas crianças em idade escolar é catastrófico. Temos que trabalhar como se não tivéssemos que cuidar das crianças e cuidar das crianças como se não tivéssemos que trabalhar. Já os alunos sofrem com a questão do acesso.

Sempre vemos fotos de situações de guerra, nessas circunstâncias o primeiro lugar a se reerguer, sob os escombros, é a escola. Ao mesmo tempo, no ano passado perdemos um colega muito querido e tudo isso gera um medo, uma ansiedade.

E o risco de contágio, como vê?

Não me sinto segura. Sou uma pessoa grudenta [risos]. Abraço, beijo, passo por cada um, olho no olho. E agora o meu jeito de ser se tornou um risco à saúde. Não sei como vai ser dar a aula com distanciamento. Eu me sentiria mais segura com a vacina, mas esta é a realidade. Talvez o prejuízo da escola fechada seja maior.

Mas preciso ressaltar que a minha escola [estadual] está preparada, tem uma área verde imensa, as salas são grandes e a equipe de gestão é muito boa. É uma realidade privilegiada, que a gente sabe que não dá para comparar com outras porque é minoria.

Qual é a condição das escolas em que você leciona?

Na escola estadual, o telhado foi reformado, o banheiro dos professores foi reformulado para melhorar a ventilação, a lavanderia também foi readequada, assim como os banheiros e bebedouros do ginásio, e os fluxos de pessoas foram demarcados. Ainda assim não estou 100% segura.

Na outra escola [municipal], teve uma pintura, mas se foi feita alguma adequação para atender ao contexto da pandemia, desconheço. Pode ter tido, mas não houve essa informação, o que deixa a gente sem saber para onde ir. [na sexta-feira, após a entrevista, Eveline disse que a prefeitura de Elias Fausto divulgou o plano de retorno, e cada professor recebeu um protetor facial e a indicação de um curso sobre os protocolos de segurança].

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