Os investimentos do MEC (Ministério da Educação) nos dois primeiros anos do governo Jair Bolsonaro (sem partido) foram os menores ao menos desde 2010. A situação teve o maior impacto para o ensino superior e profissional, mas também afetou a educação básica.
Esses são os gastos direcionados à expansão da oferta de políticas públicas, como compra de equipamentos, insumos para laboratórios e obras. Não entram no cálculo o gasto com salários e custeio do MEC —esse último também passa por reduções.
O MEC registrou, em 2019 e já sob Bolsonaro, gastos de investimento de R$ 3,9 bilhões, em valores atualizados pela inflação —menor montante da década. Em 2020, o valor continuou caiu e chegou a R$ 3,3 bilhões.
Esses gastos de investimentos incluem os restos a pagar executados a cada ano. Os restos a pagar (RAPs) são rubricas empenhadas em anos anteriores que podem ou não ser executadas em anos seguintes.
Enquanto Bolsonaro investiu, no acumulado dos dois anos, R$ 7,2 bilhões, o dispêndio em investimento foi de R$ 13,5 bilhões no mesmo período do governo anterior, de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB). A redução é de 47%, ou R$ 6,3 bilhões a menos.
Versão anterior desta reportagem publicada pela Folha no domingo (14) trazia apenas parte dos investimentos do MEC e afirmou erroneamente que eles eram os menores desde 2015. O texto foi corrigido e os valores, atualizados.
Os dados são do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Ministério da Economia. Só é possível resgatar neste sistema os gastos efetivos (incluindo RAPs) a partir de 2010.
Mesmo com altos e baixos, os investimentos da pasta tiveram, entre 2010 e 2018, uma elevação média de 2%. Esse grupo de despesa foi reduzido em 21% em 2019 e em 11% no ano passado.
Com relação à execução do orçamento de cada ano, sem contar restos a pagar, o MEC executou 20% do orçado em 2019 e 27% do de 2020. A média, de 2000 a 2018, foi de 33%.
O MEC foi procurado na semana passada e não se manifestou. A reportagem voltou a procurar o ministério nesta quarta-feira (17) e também não houve retorno.
Na educação básica, a redução nos investimentos foi de 25%. A etapa deixou de receber R$ 155 milhões, comparando os dois primeiros anos das gestões atual e anterior.
Já os investimentos no ensino superior e profissional, que abarcam a rede federal de universidades e institutos federais, perderam R$ 1,3 bilhão na mesma comparação. Trata-se de um recuo de 71%.
A execução não acompanha a evolução do número de alunos de ensino superior. De 2015 a 2020, o total de matrículas cresceu 10% na rede (universidades e institutos federais).
Esse comportamento vem acompanhado de uma alta com pagamento de pessoal, mas queda nas rubricas de custeio. De 2010 a 2020, os gastos com salários cresceram na média 11% em valores nominais.
O MEC teve um dispêndio, nos dois primeiros anos, de R$ 140 bilhões com pessoal —montante impactado sobretudo com salários das instituições federais de ensino e pesquisa. O valor é R$ 21 bilhões superior ao de 2015 e 2016, levando em conta a atualização da inflação.
Por outro lado, os recursos com custeio sofreram um recuo de R$ 20,6 bilhões na comparação entre os dois primeiros anos das gestões atual e anterior. Em 2020, por exemplo, esse tipo de despesa acumulou R$ 40,4 bilhões, o menor valor desde 2010.
Entram nessa conta (discriminada no orçamento como Outras Despesas Correntes) a manutenção da máquina pública, como o pagamento de luz, água e segurança, mas também bolsas de apoio a estudantes nas universidades.
"A situação é extremamente complexa e delicada, não conseguimos executar nosso planejamento e mesmo tocar a própria consolidação da rede", diz a professora Sônia Regina de Souza Fernandes, que assume neste mês a presidência do Conif (Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica).
Com relação à educação profissional, os cortes afetam obras atrasadas em 24 institutos federais, que somam R$ 88 milhões, segundo levantamento do Conif do fim do ano passado.
São construções de salas, laboratório, aquisição de equipamentos e até reforma de telhado.
Colaboram com o cenário, diz Fernandes, as reduções acumuladas desde 2015 e o fato de o Orçamento de 2021 ainda não ter sido aprovado pelo Congresso. Com isso, o percentual atual destinado à rede neste ano está muito baixo.
Sob a gestão do ex-ministro Abraham Weintraub, que ficou no cargo de abril de 2019 a junho de 2020, o MEC passou por uma paralisia com fortes reflexos na execução orçamentária.
A pasta sofreu contingenciamentos, perdeu quase R$ 1 bilhão para que o governo pagasse emendas parlamentares em busca de apoio e represou recursos ao longo de 2019.
Em 2020, as confusões ideológicas provocadas por Weintraub, que insultou até o STF (Supremo Tribunal Federal), travaram o andamento dos trabalhos, segundo relatos de membros do governo.
A pandemia impactou os gastos do governo como um todo. No entanto, decisões políticas da gestão Bolsonaro representaram prejuízo para educação: houve, por exemplo, a retirada de R$ 1,4 bilhão do MEC para financiar obras federais gerenciadas por outras pastas.
O orçamento de 2021 prevê para o MEC uma redução de 21% nos recursos dos programas de educação profissional, gestados sobretudo pelos institutos federais.
O projeto no aguardo de aprovação parlamentar ainda condiciona 42% dos recursos da Educação a aprovações de créditos extras pelo Congresso.
O atual ministro, o pastor Milton Ribeiro, tem tido atuação criticada pela sua distância dos temas e decisões da pasta.
O pesquisador Gregório Grisa, do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, diz que a paralisia do MEC gerou uma imobilidade no planejamento das instituições. Ele ressalta que os investimentos "são a cereja do bolo" dos recursos discricionários (de livre aplicação do governo, concentrados no custeio), que têm tido fortes reduções.
"Reitor nenhum vai ampliar cursos e vagas, assim como ampliar pesquisas e projetos de extensão, com o universo de constrangimento de capital. Não é só o fato de receber menos recursos, mas eles não sabem quando, não sabem o perfil de contingenciamento, só o que sabem é que não vai ter investimento", diz Grisa.
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