Cotas aumentam chance de emprego, mas não garantem salário melhor

Pesquisas avaliam destino de cotistas quase duas décadas após início da adoção de ações afirmativas

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São Paulo

As cotas nas universidades públicas brasileiras aumentam significativamente as chances de seus beneficiários encontrarem um trabalho na área de estudo. Esse efeito positivo, porém, nem sempre se traduz nos salários, o que seria crucial para a redução da desigualdade no país.

A conclusão pode ser obtida graças a estudos que começam a capturar, quase duas décadas após a implantação de ações afirmativas, seu impacto na vida dos alunos cotistas.

Para isolar o efeito da reserva de vagas nos resultados, os autores restringem a análise a estudantes com o mesmo perfil socioeconômico e notas próximas no vestibular. Com isso, aumenta a chance de que tenham traços de personalidade, como resiliência e capacidade de dedicação aos estudos, também parecidos.

Alunos em campus da Uerj, no Rio
Alunos em campus da Uerj, no Rio - Adriano Vizoni - 16.ago.17/Folhapress

Dessa forma, é possível saber, por exemplo, que a chance de um ex-cotista aprovado por pouco em direito na Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) trabalhar na área é três vezes maior do que a de um candidato à ação afirmativa que não passou no vestibular por uma margem pequena e cursou a mesma graduação em outro lugar.

A conclusão está presente em estudo feito pelas economistas Ana Trindade Ribeiro, doutoranda na Universidade de Stanford e afiliada ao Centro Lemann, e Fernanda Estevan, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP).

Usando metodologia similar, o impacto positivo das ações afirmativas sobre a empregabilidade de ex-beneficiários também foi identificado em pesquisa com foco na UnB (Universidade de Brasília) feita pelos economistas Andrew Francis-Tan e Maria Tannuri-Pianto.

Ao analisar os salários, porém, os dois trabalhos mostram que as cotas nem sempre garantem uma melhor remuneração. Embora em alguns casos tragam ganhos, por vezes podem redundar até em retornos menores do que o ex-beneficiário receberia se tivesse se graduado em outra instituição, provavelmente menos seletiva.

Um exemplo positivo é o dos engenheiros negros formados pela UnB.

Aqueles que passaram com nota próxima à linha de corte por cotas raciais, em 2004 e 2005, tinham cerca de oito anos depois salários no mercado formal 50% maiores do que os recebidos pelos que não foram aprovados por uma pequena margem no vestibular e se formaram em outra instituição.

Efeito positivo considerável também foi observado entre os cotistas formados no grupo de carreiras muito disputadas, que inclui medicina e direito na instituição.

Cursos como esses puxam para cima a média salarial entre os cotistas da UnB. O estudo estima que, na universidade como um todo, as cotas aumentaram em média os salários dos ex-beneficiários em 6%.

Em cursos menos seletivos da UnB, porém, observou-se o contrário. Em alguns deles, ex-cotistas que entraram por pouco no vestibular ganhavam menos do que candidatos que tentaram as mesmas vagas e não foram aprovados por uma pequena margem, mas se graduaram em outra instituição.

Foi o caso dos ex-alunos de áreas ligadas ao magistério e outras carreiras pouco disputadas, que apresentavam uma desvantagem salarial de 25% em relação a seus pares com características parecidas.

Já o estudo sobre a Uerj mostra impacto nulo sobre os ganhos no mercado de trabalho.

Os ex-beneficiários das cotas para o curso de direito na universidade contratados com carteira assinada ganhavam, dez anos após o vestibular, R$ 23 por hora em média.

O valor era praticamente o mesmo recebido por um graduado na mesma área que não conseguiu a vaga como cotista na universidade estadual por pouco, mas se formou em outra instituição.

O estudo sobre a Uerj concluiu ainda que um ex-aluno não cotista de direito da instituição ganhava mais do que o dobro que os ex-beneficiários: R$ 57 por hora, em média, dez anos após o vestibular.

Esses cálculos só consideram o mercado formal, não incluindo, portanto, os muitos advogados contratados com vínculo de pessoa jurídica. E, no caso das cotas, consideram sempre os resultados agregados dos ex-beneficiários selecionados por terem estudado em escola pública ou por serem pretos, pardos e indígenas (PPIs), ambos de famílias de baixa renda, segundo a política da Uerj na época.

"Os resultados indicam que as cotas têm ajudado muito a diminuir a desigualdade de oportunidades no Brasil, mas não resolvem tudo", diz Estevan.

Sem a mesma metodologia de distinção entre os aprovados e não aprovados por pouco no vestibular, estudos em outras duas universidades também apontaram um menor salário entre cotistas do que entre não cotistas após a universidade.

Assim como os que analisam a Uerj e a UnB, eles fazem um cruzamento de dados de aprovados no vestibular com a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do Ministério do Trabalho, que traz dados de empregabilidade e rendimento por CPF.

É o caso do trabalho dos economistas Francisco Danilo da Silva Ferreira, da UERN (Universidade do Estado Rio Grande do Norte) e Aléssio Tony Cavalcanti de Almeida, da UFPB (Universidade Federal da Paraíba).

Eles apontam que, no início da carreira, os cotistas graduados na UFPB recebem 10% a menos do que os ex-alunos que não foram beneficiários de ações afirmativas, mas que têm características —como renda familiar e escolaridade dos pais— parecidas.

Mas por não isolarem candidatos com pontuações muito similares no vestibular, ainda que ponderem fatores socioeconômicos, é possível que desconsiderem outras habilidades que contribuam para o resultado, como traços de personalidade distintos.

Em um próximo passo da investigação, a dupla pretende cotejar os resultados com os de inscritos não aprovados no vestibular.

Dissertação defendida por Felipe Ferreira de Barros também aponta uma diferença sala rial de 18% desfavorável aos cotistas na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora).

Por outro lado, a desigualdade salarial entre cotistas e não cotistas não foi observada em pesquisa em andamento feita com dados de alunos da UFBA (Universidade Federal da Bahia).

O trabalho está sendo desenvolvido por Rodrigo Oliveira, da Unu-Wider (United Nations University World Institute for Development Economics Research), na Finlândia, junto com Alei Santos, da FGV, e Edson Severnini na Universidade Carnegie Mellon, nos EUA .

Oliveira observa que a UFBA tem duas características particulares que podem favorecer os cotistas no mercado de trabalho.

De um lado, ela é a mais prestigiada universidade do estado, o que dá uma vantagem considerável a seus egressos, independentemente da forma de ingresso. Por outro, está localizada em uma capital com alta proporção de pretos e pardos, o que reduz a chance de discriminação pelo empregador.

Análises como essas, com foco no desempenho de ex-cotistas no mercado de trabalho, ainda são raras e se limitam a estudos de caso individuais de algumas instituições.

O tema pode ser objeto de debate no ano que vem, quando, por previsão legal, o Congresso deve reavaliar a Lei de Cotas.

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