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Desmanche do Inep vem do início do governo Bolsonaro e ameaça educação

Crise atual põe em risco não só o Enem mas também o Censo da Educação e o Saeb

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Hubert Alquéres

É membro da Academia Paulista de Educação, da Câmara Brasileira do Livro e do Conselho Estadual de Educação.

São Paulo

O Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) vive a maior crise de sua história, em decorrência do pedido de demissão de coordenadores e gestores de áreas fundamentais do sistema nacional de avaliação. Agrava-se, assim, o processo de desmanche da autarquia, que vem ocorrendo desde o início do governo Bolsonaro.

O atual presidente, Danilo Dupas Ribeiro, o quarto no atual governo, perdeu inteiramente as condições de continuar no cargo, em função do seu despreparo técnico, como apontaram os 35 coordenadores e gestores que entregaram seus cargos.

A metástase do Inep acontece a 13 dias da realização do Enem, pondo em risco a principal porta de entrada no ensino superior para milhões de jovens em todo o país.

Não apenas ele, mas também o Censo da Educação, medida fundamental para a repartição das verbas do Fundeb, principal fonte de financiamento do ensino básico. O Saeb, prova da avaliação desse nível de ensino a ser realizada ainda neste mês, também pode ficar comprometido. O mesmo pode acontecer com o Enade, voltado para a avaliação do ensino superior.

Imagem mostra o presidente do Inep, Danilo Dupas Ribeiro
Danilo Dupas Ribeiro, presidente do Inep - Divulgação

Em poucas palavras, está sendo descontruído o arcabouço institucional duramente construído desde os anos 1990 e responsável pela disseminação da cultura da avaliação em nosso país.

Desde então o Inep tem sido estratégico para a definição de políticas públicas baseadas em evidências científicas reveladas pelo sistema de avaliação. Antes disso, políticas educacionais eram construídas às cegas, uma vez que faltavam instrumentos científicos para suas definições.

Os maiores prejudicados pela grave crise instalada na autarquia são nossos milhões de jovens. A preocupação com seus impactos negativos levou o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) a divulgar uma nota na qual afirma que até agora o Inep não apresentou os "estudos, determinados por lei, para as decisões sobre a distribuição dos recursos", causando prejuízos a municípios e estados.

Queixa-se ainda do possível esvaziamento do Saeb, porque em muitos municípios a prova será aplicada após a realização do Enem.

Isso se torna mais grave porque o Saeb deste ano é o primeiro a ser realizado no quadro da pandemia, o que forneceria elementos importantíssimos para avaliar seu impacto na formação educacional de crianças e jovens. Esse foi um período no qual as aulas aconteceram de forma virtual, só voltando recentemente a uma seminormalidade. É certo que isso terá impacto negativo no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) a ser divulgado em 2022, com base no Saeb de 2021.

Os 35 demissionários são funcionários de carreira, quadros com alta qualificação técnica e larga experiência como gestores do sistema de avaliação. Majoritariamente são da estratégica Diretoria de Gestão e Planejamento, a quem cabe a responsabilidade pela complexa logística e supervisão dos contratos do Enem.

Não se substitui um capital humano dessa envergadura da noite para o dia e sem prejuízos para a boa execução do exame.

O estopim para a maior crise do Inep foi a recusa do seu presidente, Dupas Ribeiro, de fazer parte da Equipe de Incidentes e Respostas, espécie de comitê de crises, responsável de resolver imprevistos que podem ocorrer durante a realização do Enem e do Enade.

Tradicionalmente, o presidente da autarquia participa desse grupo, mas Dupas preferiu desrespeitá-la para não assumir responsabilidades por eventuais problemas que venham a surgir.

Faltam a Dupas Ribeiro capacidade de liderança, conhecimento técnico e disposição ao diálogo. E sobram omissão e prepotência.

As demissões não aconteceram por motivações ideológicas ou sindicais, como fizeram questão de frisar os demissionários, em nota pública. Elas aconteceram por não reconhecerem em Dupas condições mínimas para presidir um órgão tão estratégico para a educação como é o Inep.

Prova disso é a sua absoluta ausência em busca de uma saída que pacifique a instituição e assegure a realização a contento dos exames sob sua responsabilidade. Quem tem procurado costurar o entendimento para contornar a crise é a presidente do Conselho Nacional da Educação, Maria Helena Guimarães, ex-secretária-executiva do MEC e profunda conhecedora do sistema de avaliação por ter participado da sua construção, na gestão de Paulo Renato Souza. Pasmem, Dupas se furtou a falar com Maria Helena.

Sem atributos mínimos para o cargo, Dupas Ribeiro só se mantém na função porque é amigo do ministro Milton Ribeiro, que resiste em demiti-lo. Os dois vêm da Universidade Mackenzie e não têm experiência como gestores públicos da educação.

São estranhos no ninho, galgaram postos por meio da subserviência a uma política educacional ideologizada, responsável pela crise geral do próprio Ministério da Educação. Em governos minimamente comprometidos com a educação pública já teriam sido demitidos há meses.

Mas crise do Inep é filha legítima do descaso do governo Bolsonaro com a educação. Por isso mesmo, Milton Ribeiro e Danilo Dupas Ribeiro continuarão intocáveis em seus cargos.

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