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'Criança é assim mesmo'; o que faz diferença na batalha contra o bullying

Uma reflexão sobre nosso papel enquanto pais, educadores e gestores

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Thiago Lopes

doutor em psicologia pela Universidade do Quebec. Atua no tratamento de crianças com autismo e outros transtornos do neurodesenvolvimento. É pai de Valentin e Liam, ambos diagnosticados com autismo e TDAH

"Você que é a mãe do Valentin?", pergunta um coleguinha na entrada da escola.

"Sim, por quê?"

"O Rafael falou que o Valentin é um demente!"

O dia começa com um grande choque! "Vai começar tudo de novo", pensa a mãe já habituada a ter que lidar com as situações de bullying depois de um ano de tentativas frustradas de resolver o problema na escola anterior.

Neste período de um ano, vi os olhos do meu pequeno Valentin perderem seu brilho habitual. Ele se afastou das crianças, perdeu sua autoestima, se fechou e não tinha mais a mesma confiança em buscar seus pares para brincar e fazer amigos.

Urnas de denúncia criadas pelos estudantes no colégio Xingu, em Santo André
Urnas de denúncia criadas pelos estudantes de um colégio em Santo André (SP) - Divulgação - 18.out.18

Uma conversa rápida com pais da mesma escola revelou mais oito casos de bullying na mesma instituição. Valentin tem autismo leve, mas identificamos que o mesmo cenário se repetia também com crianças sem transtornos e alterações de desenvolvimento.

"Criança é assim mesmo", ouvimos de uma professora. "É impossível sabermos de tudo o que se passa na escola, geralmente é em casa mesmo que as crianças contam para os pais o que acontece", ouvimos da diretora de uma escola.

Mas fica a pergunta: será que "criança é assim mesmo"? Será que não há nada que possamos fazer enquanto pais, educadores, gestores de instituições de ensino e agentes públicos para melhorar a situação?

Pesquisadores neste campo de atuação indicam que um estudante é vítima de bullying quando ele é exposto repetidamente, por um período prolongado, a ações negativas por parte de um ou mais estudantes. Essas ações incluem agressões físicas, verbais ou psicológicas de um aluno para outro.

Essas ações deixam marcas profundas em quem foi vítima de intimidação durante a infância. Pesquisas no campo da psicologia indicam que sofrer bullying quando criança aumenta o risco de transtornos de ansiedade, depressão e de pensamentos suicidas na idade adulta. Quando os estudos apontam que até 24% dos alunos são atingidos por essa prática, prevenir o bullying se torna uma questão de saúde mental extremamente relevante.

Mas só constatar o óbvio não resolve o problema, é preciso agirmos para mudar esta realidade. Nestas horas, a ciência pode ser nossa aliada para encontrar pistas do que fazer, adaptando para nossa realidade medidas que já se mostraram eficazes em outros países e instituições.

A literatura nesta área é vasta e não precisamos navegar às escuras quando estamos procurando por soluções. Um estudo realizado na Inglaterra em 2017 trouxe luz a alguns aspectos importantes na redução da prática da intimidação no ambiente escolar:

  • o tamanho da escola e o sistema pedagógico adotado pela escola não se mostraram como fatores relacionados à frequência de casos de bullying;
  • as escolas com menor frequência de incidentes foram aquelas que criaram e implementaram uma política específica para a redução dos casos de intimidação e perseguição de alunos no ambiente de ensino;
  • as políticas que se mostraram mais eficazes em reduzir os casos de agressão física e psicológica foram aquelas que previam como os membros da comunidade escolar deveriam reportar os incidentes, trazendo também medidas claras para prevenir e corrigir as situações identificadas. O papel de alunos, pais, gestores e educadores também precisa ser especificado;
  • melhores resultados são obtidos quando os registros de situações de bullying incluem não somente o momento das aulas (evitando o famoso "te pego lá fora");
  • nas escolas onde via-se maior redução nos casos de intimidação, a maioria dos incidentes eram identificados e reportados pelas próprias crianças que presenciaram ou sofreram as ações;
  • escolas com melhor desempenho na redução de bullying realizavam atividades periódicas sobre o tema envolvendo os professores, pais e alunos. Outra prática frequente era garantir que a direção conversasse tanto com os pais dos alunos que haviam cometido as agressões quanto com aqueles que haviam sido vítimas da situação;
  • essas políticas eram implementadas e monitoradas de forma sistemática e contínua pelos membros da escola e incluíam os momentos de transições entre atividades, o recreio, as aulas e momentos de pausa.

Sei que muitas das medidas propostas não seriam prontamente aplicadas em todos os ambientes escolares. Em regiões muitas vezes marcadas pela violência, a gestão pública precisa adaptar sua política à realidade local. Mas a ideia de nos sentarmos para discutir o tema e abordá-lo de forma mais concreta e objetiva me parece interessante, não importa onde se encontre a escola.

Quem nunca passou vergonha porque seu filho estava brigando com um desconhecido na rua que jogou lixo no chão? Assim como ensinamos nossos alunos a fundamental habilidade de identificar e reportar comportamentos nocivos ao meio ambiente, em grande parte dos ambientes escolares seria também possível ensinarmos nossas crianças a identificar e relatar quando o coleguinha está fazendo algo que não é legal, quando alguém foi agredido ou quando está sendo vítima de bullying. Da mesma forma que temos o dia do meio ambiente, podemos ter um dia para ensinar sobre assédio físico e psicológico na escola.

E a sua escola, ela já faz algo para garantir que suas crianças tenham um ambiente mais saudável e amistoso? Ela tem uma política para prevenir e lidar com casos de bullying?

Espero que sim...

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