Grupo chileno de educação Vitamina acumula dívidas, processos e precarização em escolas no Brasil

Empresa, que comprou 37 escolas desde 2019, nega intenção de vender ativos e diz que sofreu com reflexos da pandemia

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Brasília

O grupo chileno Vitamina chamou atenção do mercado educacional brasileiro a partir de 2019 ao iniciar processo de compra de dezenas de escolas de educação infantil, em uma operação milionária. Menos de quatro anos depois, a operação no país acumula dívidas com fornecedores, antigos proprietários e até professores.

Desde 2019, o grupo comprou 37 escolas de educação infantil (o grupo diz que, agora, são 36), a maioria na cidade de São Paulo. Agora, há relatos de problemas de precarização do atendimento em muitas unidades, que vão de fragilização do trabalho docente, rotatividade de profissionais, redução de funcionários, falta de material didático e de limpeza, ausência de manutenção predial e escassez de alimentos para os alunos.

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Fachada da escola Mundo Melhor, na Pompeia, zona oeste de SP, uma das unidades compradas pelo grupo chileno. - Eduardo Anizelli/ Folhapress

As condições têm resultado em perda de alunos em várias escolas. O grupo estaria tentando vender o negócio, segundo reportagem do jornal Valor Econômico e de relatos de fontes do setor colhidos pela Folha.

Em nota, o Vitamina negou que o negócio esteja à venda. "O interesse do grupo pelo mercado local se mantém e queremos construir um projeto de longo prazo no país", diz o texto.

Alguns dos casos de inadimplência já foram parar na Justiça. O Vitamina é alvo de ao menos 13 processos judiciais, segundo levantamento da reportagem, que vão de cobranças de aluguéis e fornecedores a calotes a antigos proprietários das escolas. Essas ações, em trâmite no Judiciário paulista, somam dívidas de R$ 1,8 milhão.

O valor não conta passivos trabalhistas também questionados na Justiça —fontes do mercado relatam que a dívida total do grupo no país pode chegar a R$ 50 milhões. O advogado Joel Batista, especialista em direito educacional, representa um grupo de professores, ex-donos de escolas e proprietários de imóveis que não receberam os pagamentos.

Ele conta que já ajuizou algumas dezenas de processos contra o grupo a favor de professores que não têm tido parcelas de FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) depositadas.

"Não conheço uma situação parecida nesse segmento do ensino fundamental. É estranho que um grupo econômico milionário acumule esses problemas e não pague nem o FGTS de menos de R$ 200 para professores", diz o advogado. Segundo ele, há planos de criar um comitê de credores para tratar os problemas.

O Vitamina chegou ao Brasil com aporte financeiro da Península, da família de Abílio Diniz. O projeto era chegar a mais de cem escolas no país. A relação da Península com o grupo começou a ter problemas, no entanto, e o fundo de investimentos brasileiro se retirou do negócio em meados do ano passado.

No Brasil, o Vitamina encontrou um cenário de escolas de educação infantil com dificuldades financeiras por causa da pandemia e do fechamento das escolas. Como o ensino a distância faz pouco sentido nos primeiros anos de escolaridade, muitos pais retiraram os filhos das escolas, deixando proprietários em situação difícil. Isso facilitou aquisições.

Sala de unidade da rede Vitamina no Chile, com cadeiras de descanso para bebês e berços
Sala de unidade da rede Vitamina no Chile, com cadeiras de descanso para bebês - Reprodução

No Chile, o grupo tem 69 escolas voltadas também para os anos iniciais da educação básica, mas opera em um modelo bem particular. Grande parte dos alunos é de famílias de funcionários de empresas conveniadas, modalidade pouco comum no Brasil.

Escolas dessa etapa são, em geral, pequenas. Isso representa um desafio para atuação em rede, como prevê o modelo do Vitamina, segundo relatos de empresários do setor.

Desde meados de 2021 os professores das escolas adquiridas começaram a enfrentar problemas com a retirada de direitos. O grupo passou a mudar a categoria de contratação, não mais configurando-os como professores mas, sim, como educadores —o que cria uma dificuldade de representação sindical e respeito a convenções coletivas.

Isso impactou em pisos salariais mais baixos e redução de direito a férias, por exemplo. Há casos de parcelamento dos pagamentos de vales-transporte e alimentação, tentativas de parcelamentos de verbas rescisórias de demissionários, além da falta de depósito do FGTS —situação agravada a partir de setembro do ano passado.

Também há casos de atrasos de pagamento de salários, mas de forma mais pontual.

O Sinpro-SP (Sindicato dos Professores de São Paulo) tem limitações de representação sindical por causa da mudança do registro dos profissionais feita pela empresa. A entidade acompanha, no entanto, a situação dos professores há pelo menos dois anos e prepara informações para levar ao Ministério Público do Trabalho.

"O sindicato chamou o grupo para fazer acordos coletivos para todas as escolas, mas eles se recusaram. A situação começou com perdas de direitos e depois foi ladeira abaixo", diz a diretora do Sinpro-SP, Silvia Barbara. "A pauta de reclamação das professoras vai muito além de perdas de direitos, há deterioração das escolas, não tem material, não contratam professores".

Em uma das escolas compradas, a Alfa, em Pinheiros, os pais se reuniram para pagar, por fora da mensalidade, a contratação de uma empresa de segurança, devido ao medo das famílias de ataques a estudantes.

Uma das professoras da unidade, que pediu anonimato com medo de represálias, disse que a escola enfrenta problemas de infiltrações por falta de manutenção e há presença frequente de insetos, como baratas e aranhas. Ela enviou fotos à reportagem para mostrar a situação.

Escola Amor Perfeito, em Perdizes, comprada pelo Vitamina
Escola Amor Perfeito, em Perdizes, comprada pelo Vitamina - Eduardo Anizelli/Folhapress

Dois alunos da sua turma deixaram a escola na semana passada, agravando o processo de esvaziamento da unidade.

Outra escola comprada, a Primeiro Passo, no Paraíso, chegou a ter mais de 200 alunos e, segundo relatos de funcionários, não conta com mais de 30 atualmente. Em janeiro houve um cancelamento em massa.

Os principais motivos são que o Vitamina não tem reposto professores e passou a misturar alunos de séries diferentes nas mesmas salas, sem avisar aos pais.

Com anos de experiência na escola, uma professora disse, também sob anonimato, que é recorrente a falta de materiais didáticos. A escola ainda se recusa até a imprimir materiais que os profissionais trazem de casa. Segundo ela, professores já tiveram de assumir o trabalho na portaria da escola, por falta de profissionais.

O Vitamina afirmou que o grupo foi afetado pelos impactos negativos da pandemia. A empresa não comentou os problemas relatados.

"Seguimos acreditando que superaremos os desafios impostos pelo cenário atual para cumprir nossa promessa de entregar uma educação infantil de qualidade, fundamentada em mais de 16 anos de experiência comprovada", diz a nota.

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