Governo Lula decide acabar com escolas cívico-militares, bandeira de Bolsonaro

Pouco depois da divulgação do fim do programa federal, Tarcísio anunciou criação de projeto para incentivar o modelo em São Paulo

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Brasília

A gestão Lula (PT) iniciou o processo de extinção total do programa federal de fomento a escolas cívico-militares, uma bandeira de Jair Bolsonaro (PL).

Pouco após a divulgação dessa iniciativa do governo federal, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), anunciou a criação de um programa estadual de escolas cívico-militares. Ele não detalhou como será a ação e quantas unidades devem recebê-lo.

alunos diante de um policial fardado
Escola cívico-militar na Estrutural, região administrativa de Brasília. - Pedro Ladeira/Folhapress

Os governadores do Paraná, Ratinho Junior (PSD), e do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB) já tinham anunciado que manteriam seus programas. Os três apoiaram Bolsonaro na eleição do ano passado, e tanto Tarcísio quanto Ratinho tiveram seus nomes especulados como possíveis candidatos ao Planalto em 2026.

O MEC (Ministério da Educação) encaminhou esta semana um ofício para as secretarias de educação para elas iniciarem transição desse modelo e retirar militares das escolas.

Não há previsão de fechamento de unidades. O que vai ocorrer é o fim desse modelo com fomento federal. Redes de ensino nos estados podem manter o formato com recursos próprios, se assim desejarem —exatamente o que São Paulo, Paraná e Distrito federal fizeram.

O documento do MEC distribuído desde segunda-feira (10) fala que o "progressivo encerramento do programa" foi decidido após avaliação da medida. A ideia é que o programa acabe no fim do ano letivo, com a retirada do pessoal das Forças Armadas que atuam nas escolas.

"A partir desta definição, iniciar-se-á um processo de desmobilização do pessoal das Forças Armadas envolvidos em sua implementação e lotado nas unidades educacionais vinculadas ao Programa, bem como a adoção gradual de medidas que possibilitem o encerramento do ano letivo dentro da normalidade necessária aos trabalhos e atividades educativas", diz o texto.

O Ministério da Defesa também concordou com a decisão do MEC.

No início do ano, o governo extinguiu uma subsecretaria que fora criada na gestão Bolsonaro para cuidar do tema. O ministro da Educação da gestão Lula, Camilo Santana, já havia sinalizado que não apoiaria a medida, mas ainda faltava a definição sobre como ficariam as escolas já no modelo.

Nele, militares da reserva, bem como policiais militares e bombeiros, atuam na administração da escola. Diferentemente das escolas puramente militares, totalmente geridas pelo Exército, nesse desenho as secretarias de Educação continuam responsáveis pelo currículo escolar, mas estudantes precisam usar fardas e seguir regras definidas por militares.

O PT é majoritariamente contra o modelo. Mas há também no partido e nas legendas que apoiam o governo quem o defenda.

Essa indefinição que perdurou o primeiro semestre de 2023 vinha alimentando tanto críticas à militarização quanto cobranças daqueles que são favoráveis. No Congresso, Camilo repetiu a parlamentares que, além de o modelo não estar alinhado com a política do governo, haveria desvio de finalidade no uso de recursos da educação para o pagamento de militares.

Um decreto que vai regular a extinção deve ser publicado nos próximos dias. Haverá a revogação do ato que criou essa política sob Bolsonaro.

Mesmo antes da medida, o modelo avançava no país (mas sem apoio federal). Até 2015, eram 93 escolas. Em 2018, o número subiu para 120 em ao menos 22 estados.

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militar do governo federal foi lançado em setembro de 2019, primeiro ano do governo do presidente Bolsonaro.

O MEC tem o cadastro de 215 escolas cívico-militares até o ano passado, já implementadas ou em fase de implementação —a pandemia impactou o cronograma.

No estudo feito pelo MEC para ancorar a decisão, a pasta cita o funcionamento atual de 202 unidades pelo país, que reúnem cerca de 120 mil alunos de ensino fundamental e médio.

A maior parte dessas escolas (120), direciona recursos para pagamento de militares, o que gerou um gasto de R$ 98 milhões de 2020 a 2022.

Até o fim do ano passado, 1.500 militares estavam inseridos na iniciativa. O restante das escolas recebia os recursos diretamente do MEC —que podem ser usados para aquisição de bens ou melhorias de infraestrutura.

Até 2022 foram empenhados R$ 104 milhões no programa —essa é a primeira fase da execução orçamentária, quando há reserva do recurso. O valor pago de fato foi bem menor e soma apenas R$ 2,3 milhões de 2019 a 2022. Esse valor não conta os pagamentos diretamente feito a militares.

O governo atual deve decidir como vai honrar com os empenhos já registrados, já que os valores empenhados vão para os chamados restos a pagar, e a obrigação de execução continua.

Questionado, o MEC não respondeu.

Os maiores gastos federais com esse programa são com pessoal militar, o que é criticado no estudo feito pelo MEC para ancorar a decisão. A remuneração média de um oficial com graduação superior é de R$ 8.000.

"Pouquíssimos diretores das escolas em que eles atuam alcançam isso como salário", diz o estudo do MEC. "Os investimentos robustos para manter militares reformados nas escolas públicas de ensino fundamental e médio em atividades de assessoria e suporte parecem debochar da escassez de recursos que as redes de ensino conseguem mobilizar para o pagamento de seu próprio pessoal"

Ainda de acordo com esse documento, a previsão sinalizada pelo Ministério da Defesa e acordada com o MEC sob Bolsonaro para o orçamento com pessoal do programa neste ano é de R$ R$ 86,5 milhões.

A pasta ainda conclui que o modelo criado pelo governo Bolsonaro não encontra respaldo nas legislações que regem a educação brasileiras, como a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e o PNE (Plano Nacional de Educação).

"Alocar militares das Forças Armadas para atividades de apoio, assessoramento ou suporte à gestão escolar, à gestão didático-pedagógica ou à mediação das questões de indisciplina na escola é um flagrante desvio de sua finalidade enquanto estrutura de Estado", diz o estudo do MEC.

Em 2015, o Comitê sobre os Direitos da Criança da ONU (Organização das Nações Unidas) divulgou informe em que expressa preocupação com o avanço dessas unidades no Brasil. Especialistas condenam a militarização da educação, com a presença de policiais nas unidades escolares, e afirmam que escolas convencionais também podem melhorar seus resultados se receberem atenção especial.

As unidades ganharam evidência nos últimos anos por causa de indicadores educacionais positivos e por atacarem o problema da indisciplina. Unidades da federação como Paraná e Distrito Federal, por exemplo, já anunciaram que não vão abandonar o modelo independentemente da decisão do governo petista.

Iniciativas de militarização por parte de estados e municípios atuam com a presença de policiais militares e bombeiros, e não com agentes das Forças Armadas, como o projeto do MEC sob Bolsonaro inaugurou.

No modelo bolsonaristas, o pagamento a militares era feito por meio de um mecanismo chamado PTTC (Prestação de tarefa por tempo certo), que permite "a execução de atividades de natureza militar por militares inativos possuidores de larga experiência profissional e reconhecida competência técnico-administrativa".

O estudo do MEC aponta que haveria "um equívoco inaugural no modelo da contratação, eis que não há que se falar em execução de atividade militar no âmbito das escolas de educação básica regulares". Também se questiona se a vinculação permanente dos agentes à política fere o caráter temporário desse mecanismo.

Salomão Ximenes, professor de políticas públicas da UFABC, avalia que a medida anunciada pelo governo Lula extingue o programa federal, mas não acaba com o modelo de escolas militarizadas. O que, segundo ele, transmite uma mensagem ambígua por parte do MEC.

"Estima-se que há cerca de 600 escolas militarizadas, fora do Pecim. A desmobilização [do governo federal] atinge apenas o grupo das escolas que têm pessoal das Forças Armadas. Sem um posicionamento contra a militarização em si e abrindo uma transição lenta gradual e negociada, o MEC incentiva a incorporação das escolas que eram do Pecim para serem geridas por estados e municípios, contribuindo com a continuidade da disseminação do modelo, o que era o principal objetivo de Bolsoaro", diz ele.

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