Educadores criticam governo Tarcísio por adotar só livro didático digital

Governo de SP abriu mão de programa nacional que compra material didático; sindicato vai pedir investigação ao Ministério Público

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São Paulo

Educadores ouvidos pela Folha criticaram a decisão da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) de passar a oferecer apenas livros didáticos digitais, e não mais os impressos, para estudantes a partir do 6º ano do fundamental.

A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo também está sendo contestada por abrir mão de participar do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), no qual os livros didáticos são comprados com verbas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, do Ministério da Educação. A partir de 2024, será utilizado nas escolas material didático produzido pelo próprio governo paulista.

"É lamentável", afirmou a educadora Theresa Adrião, pesquisadora e professora da Unicamp e da UFBA (Universidade Federal da Bahia). "Ainda que o PNLD tenha sofrido com as ingerências e equívocos da gestão anterior do MEC, a lógica do programa, que delega a docentes a opção pelo material didático que melhor se ajuste ao projeto pedagógico de cada escola, tem sido uma importante estratégia", afirmou. "O PNLD coloca a escola no centro do processo decisório."

Estudante mexe com o celular em cima de caderno aberto
Aluna usa celular durante aula na Escola Estadual Milton da Silva Rodrigues, na zona norte de São Paulo - Rivaldo Gomes - 7.nov.2011/Folhapress

Sobre a opção por utilizar apenas livros didáticos digitais, a educadora afirmou que vai "na contramão do que as pesquisas têm indicado".

"O acesso a recursos digitais é desigualmente distribuído pelos territórios. É desnecessário lembrar toda a dificuldade passada pelas populações das periferias para acessar a internet", disse. "Além disso, a subordinação dos processos pedagógico a plataformas digitais despersonaliza a necessária relação entre docentes e estudantes", afirmou Adrião, que é pesquisadora de políticas educacionais e coordenadora da Rede Latino-Americana de Pesquisadores em Privatização da Educação.

Todos os especialistas procurados pela reportagem citaram repercussões negativas da medida.

"Estou muito preocupada e torcendo para que o secretário [Renato Feder] reveja essa decisão. Hoje mesmo devo conversar com ele sobre isso", afirmou Cláudia Costin, presidente do Instituto Singularidades, de formação de educadores, e diretora do Centro de Políticas Educacionais da FGV.

"Existe a preocupação de como os alunos que não têm computadores vão estudar em casa, mas também a de que o livro impresso é essencial para uma maior retenção do aprendizado", disse Costin, que também é fundadora e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais e professora visitante na Faculdade de Educação de Harvard.

Costin escreveu o prefácio de um livro recém-lançado por Renato Feder, "Educação para o Futuro" (Editora Gente), em que ele aborda a atuação dele como secretário de Educação do Paraná.

"Ele teve méritos nessa gestão, como a recuperação de aprendizagens da pandemia, mas não acabou com o livro impresso no Paraná", afirmou Costin.

A Apeoesp, sindicato de professores de São Paulo, afirmou que vai solicitar ao Ministério Público que investigue a decisão do governo paulista.

Também planeja pedir esclarecimentos ao secretário sobre a não adesão ao PNLD, além de requerer informações ao MEC sobre o montante de recursos do qual o Governo de São Paulo está abrindo mão.

A Abrelivros (Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais) afirmou à Folha que, apenas considerando o fundamental 2, a perda de recursos é de R$ 120 milhões. Se São Paulo não aderir também ao PNLD do ensino médio, como já afirmou que fará, a verba ultrapassará R$ 200 milhões.

"O governo federal oferece verbas para o livro didático. Esses livros são criteriosamente escolhidos por pessoas especializadas. Mas o governo de São Paulo rasga a possibilidade de fazer essa articulação", afirmou à Folha a deputada Professora Bebel (PT), presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa de São Paulo e vice-presidente da Apeoesp.

"Vamos abrir um amplo debate sobre isso [na Assembleia] e tomar uma providência", afirmou. Para ela, "há uma questão ideológica por trás da medida. "O secretário bota essa cartilhazinha digital, os professores têm que imprimir e dar aula com esse material de péssima qualidade, feito por sei lá quem, com a linha ideológica da Secretaria de Educação, contaminada pela concepção do governo que aí está."

Na segunda-feira (31), o governo afirmou que "a Educação de SP possui material didático próprio alinhado ao currículo do Estado e usado nas 5.300 escolas, mantendo a coerência pedagógica".

"Todas as ações pedagógicas lançadas pela pasta são definidas com base no material próprio. Um exemplo é o Provão Paulista, que será usado como forma de ingresso em 2024 nas universidades públicas do Estado, como USP e Unicamp."

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