Descrição de chapéu
Bruno Ferreira

Vulnerabilidade frente à desinformação mascara debilidades mais profundas

Educação deficitária e iniquidades nas mídias fragilizam a capacidade de verificar informações

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bruno Ferreira

Coordenador pedagógico do Instituto Palavra Aberta

Um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) divulgado nesta semana demonstrou que o Brasil é um dos países mais vulneráveis à desinformação. Participaram do levantamento mais de 40 mil pessoas de 21 países. Os brasileiros tiveram o pior desempenho na avaliação que simulou uma rede social e que pediu para que os participantes classificassem as notícias encontradas nela.

Ilustração colorida mostra homem branco de roupa azul e cabelo marrom em pequena escala com um ponto de interrogação branco perto da Cabeça. Ele está de frente para uma grande tela de celular de onde parece sair um homem de camisa branca e gravata escura. Fundo é em dois tons de amarelo mostarda.
Ilustração de David Michelsohn, do Projeto Comprova - David Michelsohn/Projeto Comprova/Divulgação

O melhor desempenho foi o da Finlândia, país reconhecido internacionalmente pela trajetória de enfrentamento à desinformação por meio da educação midiática. O país europeu obteve 66% de aproveitamento, acima da média global de 60%. Nosso país ficou com 54%, tendo os piores desempenhos em todos os quesitos avaliados pela pesquisa.

Com relação ao Brasil, esses dados demonstram debilidades para além da especificidade do letramento informacional. Referem-se a um contexto de inúmeras desigualdades que dificultam o desenvolvimento do pensamento crítico com relação às mídias e seus conteúdos. Isso faz com que a mera interpretação textual, habilidade intelectual básica, seja um dos nossos mais graves gargalos cognitivos.

Mas esse cenário é consequência não apenas de um sistema educacional problemático —com salas de aula superlotadas e infraestrutura precária— mas também de um cenário comunicacional injusto e desigual, com pouca diversidade e oferta, desertos informacionais e o intenso uso das redes sociais no cotidiano, onde a informação é acessível, mas nem sempre construída a partir de critérios que a tornam confiável.

Aliás, este é um dado bastante interessante da pesquisa: os países que mais usam redes sociais como principais fontes de informação são os menos hábeis para avaliar a confiabilidade dos seus conteúdos.
Dessa forma, é preciso celebrar o fato de a educação midiática e o letramento informacional serem novos saberes contemplados na BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Atividades relacionadas à leitura crítica das mídias e à produção midiática responsável já integram diferentes contextos educacionais pelas redes de ensino.

Há novos componentes curriculares, como disciplinas relacionadas à cultura digital e ao uso crítico da tecnologia, mas há ainda a possibilidade de desenvolver competências críticas para as mídias de forma transversal. Nesse contexto, docentes de diferentes áreas do conhecimento podem propor atividades de reflexão sobre o que acessamos e produzimos, de forma atrelada aos seus temas.

No entanto, a dificuldade em decodificar e analisar criticamente a informação é generalizada, afetando também educadores. Por mais que estes sejam demandados a letrar os estudantes nessa perspectiva, também possuem dificuldades em decodificar e interpretar informações, conforme aponta um levantamento realizado semestralmente, desde o ano passado, pelo Instituto Palavra Aberta, com docentes de todo o país que ingressam e concluem sua formação em educação midiática.

Por meio da aplicação de um teste de dez perguntas de múltipla escolha no ingresso e na conclusão da formação, foi possível perceber que as principais debilidades desses docentes recaem sobre a conceituação da desinformação e das "fake news", bem como a dificuldade operacional em verificar a confiabilidade de conteúdos diversos e de diferenciar as intencionalidades das mensagens de mídia. Nesse quesito, os acertos às perguntas que exploram essas questões oscilam entre 27,5% e 41,9% na avaliação inicial e entre 36,6% a 70,5% na avaliação final.

Lidar criticamente com a informação vai além de alertar a sociedade para as consequências nocivas da desinformação e disseminar protocolos de checagem. É preciso ampliar o repertório do cidadão com práticas educativas que estimulem cotidianamente a investigação e a criação e com meios de comunicação diversos em sua constituição, propósitos e abordagens. Trata-se de uma mudança de cultura que não vai acontecer da noite para o dia, ainda que haja inúmeros esforços para qualificar a educação e o ecossistema comunicacional brasileiros.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.