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Blockchain pode gerar impacto social

Uso mais comum é para transferências financeiras, mas não há análise para ampliação de seu impacto

Instituto de Tecnologia e Sociedade utiliza tecnologias como blockchain para engajamento cívico
Instituto de Tecnologia e Sociedade utiliza tecnologias como blockchain para engajamento cívico - Renato Stockler
Henrique Bussacos

Este artigo é uma reflexão sobre um estudo do uso de blockchain para a geração de impacto socioambiental. O estudo foi produzido pelo Center for Social Innovation da Stanford Business School, em parceria com a Ripple Works.

Existem muitos comentários sobre como a tecnologia do blockchain pode revolucionar vários aspectos da vida das pessoas, particularmente em questões financeiras e jurídicas. As iniciativas mais comuns do uso do blockchain são transferências financeiras (25%) e registros e verificações (26%). No entanto, poucas são as análises aprofundadas sobre o uso dessa tecnologia para ampliar o impacto socioambiental positivo. 

Nos Impact Hubs, comunidades de empreendedores de impacto presentes em mais de cem cidades no mundo, muitas iniciativas utilizam o blockchain para viabilizar novos projetos ou ampliar o impacto de projetos existentes. Em 2017, organizamos o Hack4Climate em vários Impact Hubs no mundo, inclusive em São Paulo, em parceria com as Nações Unidas para explorar como o blockchain e outras tecnologias disruptivas poderiam revolucionar o combate as mudanças climáticas.

O potencial de impacto socioambiental dessa tecnologia se concentra em quatro atributos:

  • Transparência: todos podem verificar um histórico de transações em tempo real. A transparência permite, por exemplo, uma distribuição de ajuda humanitária mais segura e eficiente;
  • Imutabilidade: ninguém consegue alterar o histórico de transações sem alertar toda a rede. Esse atributo viabiliza um melhor controle da propriedade de terras e sistemas mais acessíveis para controle de votações;
  • Redução de riscos: as pessoas podem transferir recursos entre elas com baixo risco e sem intermediários. Essa talvez seja a maior vantagem do blockchain pois aumenta a confiança das pessoas para realizar transações com um sistema de baixo custo;
  • Prova de Identidade: é possível registrar as pessoas com segurança e baixo custo. Isso permitirá pessoas de baixa renda em vários países provar sua identidade e acessar benefícios e serviços que antes não tinham acesso. 

Para ilustrar o potencial do blockchain, é interessante ver alguns exemplos práticos que já estão impactando milhares de pessoas seja dando acesso a mercados em condições melhores ou dando acesso a serviços para populações não atendidas. 

Mais acesso a mercados  

Milhares de pequenos agricultores produzem mais de 80% do café consumido no mundo, muitos deles ganham menos de US$ 2 (cerca de R$ 7,83) por dia. A maioria deles ganha pela quantidade produzida e a qualidade não é valorizada como deveria. Eles também costumam ser o elo mais fraco da cadeia produtiva, então qualquer atraso de pagamento tende a recair sobre eles.

Ao mesmo tempo, os consumidores estão demandando cada vez mais qualidade do café, têm grande interesse de conhecer a origem do café que consomem e valorizam práticas justas na cadeia produtiva.

Atentos a essas tendências a empresa Bext360 desenvolveu um sistema que combina inteligência artificial e machine learning com blockchain para fomentar uma cadeia produtiva do café mais transparente e sustentável.

O sistema da Bext360 pesa, analisa e precifica o café na origem e oferece um valor justo para os agricultores que é pago digitalmente e contratado por meio de um contrato inteligente utilizando blockchain. A partir daí todo o processo de exportação, torra e venda no varejo fica registrado no blockchain.

Essas informações ficam disponíveis para o consumidor final que saberá exatamente a origem e o processo do produto que está adquirindo. Atualmente a Bext360 está presente na Etiópia, Nicarágua, Colombia, Uganda e nos EUA. 

Mais acesso a serviços 

Mais de 2 bilhões de pessoas não têm acesso a serviços financeiros e com isso não conseguem participar da economia global. BanQu, uma empresa americana, criou um sistema baseado em blockchain fácil de usar em qualquer aparelho celular. Este sistema permite que as pessoas possam registrar transações financeiras, compras e provar sua identidade.

A tecnologia do blockchain viabiliza esses serviços para mais pessoas, de maneira mais simples, segura e com baixo custo. O aplicativo da BanQu já é utilizado em seis países por fazendeiros, trabalhadores, pequenos negócios além de grandes empresas e instituições financeiras que querem ter mais transparência e rastreabilidade nas suas operações. 

A SOLshare utilizou a tecnologia do blockchain em Bangladesh para que qualquer pessoa possa ter um sistema de geração, compra e venda de energia com outras pessoas sem depender de grandes empresas. As pessoas podem comprar energia pagando com tokens por SMS. O financiamento do investimento inicial também pode ser feito em 24 meses utilizando o blockchain para o registro dessa transação financeira. Esse processo democratiza o acesso a energia limpa e possibilita uma nova fonte de receita para muitas famílias. 

Esses exemplos mostram que o uso de blockchain para criar mercados mais justos e dar acesso a serviços para pessoas desatendidas já é uma realidade. É importante ficar atento a medida que projetos-piloto passam a ser validados e começam a mirar mais escala.

Assim como várias outras inovações que ocorrem nos Impact Hubs pelo mundo para gerar mais impacto, será fundamental explorar a colaboração entre vários atores, pois a implementação de sistemas de blockchain em larga escala depende da atuação de startups, governo, organizações sociais e grandes empresas.

Para fazer uma aplicação eficiente dessa tecnologia é fundamental entender o problema a ser solucionado e como o blockchain pode ser aplicado nessa solução. Essa tecnologia promove a confiança entre as partes, reduz custos de transação e aumenta a segurança. A empresa de consultoria Deloitte desenvolveu o Deloitte Blockchain Framework para guiar a aplicação de blockchain. Eles identificaram quatro situações em que a aplicação do blockchain pode ajudar: 

  • Várias pessoas geram transações que alteram as informações de um repositório compartilhado; 
  • As pessoas precisam confiar que as transações são válidas;
  • Existem intermediários ineficientes;
  • Há necessidade de aumento da segurança.

Esse framework pode ajudar a validar o uso da tecnologia para desenvolver uma solução para um desafio socioambiental. No entanto, é fundamental que o usuário/beneficiário esteja no centro da solução que está sendo desenvolvida e que a tecnologia esteja a serviço das pessoas e do impacto que se quer atingir. 

Henrique Bussacos

Cofundador do Impact Hub São Paulo, Floripa e Manaus, é responsável por parcerias estratégicas do Impact Hub na América Latina

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