Líderes contam dores e delícias de empreender socialmente no Brasil

Integrantes da Rede Folha à frente de ONGs e negócios sociais compartilham suas experiências e mostram o avanços e desafios do ecossistema

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São Paulo

Refletir sobre a própria trajetória e encontrar caminhos para o futuro do Empreendedorismo Social no Brasil.

Esse convite feito a mais de um quarto da centena de líderes que integram a Rede Folha de Empreendedores Socioambientais. 

São vencedores e finalistas das 14 edições do Prêmio Empreendedor Social. Eles se reuniram em rodas de bate-papo ao longos de dois dias durante a primeira edição do Festival de Inovação de Impacto Social, em novembro de 2018, em Poços de Caldas (MG).

As conversas vão ilustrar documentário a ser lançado no ano que vem sobre o Brasil dos empreendedores sociais, suas conquistas e seus desafios.

A seguir, algumas das reflexões que mostram a resiliência, a criatividade e o o compromisso com a transformação socioambiental destes homens e mulheres que continuam acreditando em um Brasil melhor. 

Em meio a retrocessos, é um testemunho de fé no país, na força das ideias e de propósitos, somado à grande capacidade de realização destes inovadores e sonhadores.

"Comecei praticamente ontem. Empreender, socialmente ou não, é espalhar semente. É dar vida às ideias num ambiente fértil de compaixão, de solidariedade, de compreensão de que há problemas muito complexos que tocam o coletivo. Tenho noção de que sou privilegiado nessa sociedade. Por estudar onde estudei, por ser da família em que nasci. Com tantos problemas no mundo, eu precisava escolher um para ajudar a resolver. E ao empreender você percebe a profundidade dos problemas e o quanto não é simples solucionar. Cada passo que se dá em uma direção descobre-se um novo obstáculo. Envolve muita resiliência. Empreender socialmente é abraçar um problema de estimação e tentar fazer com que ele se resolva. O mais legal é que o nosso objetivo é não precisar mais existir.”
Jonas Lessa, da Retalhar, vencedor da categoria Escolha do Leitor 2016

“Estamos entendendo que, se o sistema todo não mudar, vamos para um colapso. O nosso trabalho e a nossa posição no mundo ajudam um pouquinho a desfazer esses problemas que nós mesmos criamos. É um contexto social que pede por negócios engajados. A questão da mensuração de impacto e monitoramento foi um avanço. O terceiro setor começou a perder força exatamente porque não conseguia provar o impacto gerado. A partir dessa evidência, ganha-se credibilidade para ter mais  apoio, inclusive de investidores.”
Mariana Madureira, do Raízes Desenvolvimento Sustentável, finalista do Empreendedor Social 2012

“Quando eu comecei, o termo empreendedor social nem existia. Também não existia a palavra ONG. Comecei na cara dura. Fui para o interior como médico que queria ser útil num lugar que tivesse problema social. Era um monte de criança morrendo de diarreia por falta de uma gotinha de cloro na água, uma vacina. Meu pai perguntou por que eu não fazia uma entidade para ficar livre de política, de partidos. Fui registrar o projeto Saúde e Alegria, e o cartório não aceitou o nome. ‘Pensa que isso aqui é brincadeira?’. Coloquei: Centro de Estudos Avançados em Promoção Ambiental e Social/Saúde e Alegria. Naquela época era tudo muito duro. Só tinha nossa ONG e uma outra que mexiam com saúde. Hoje nas conferência têm mais de 200 pessoas. As ONGs tiveram um papel fundamental na conservação da Amazônia. Hoje em dia quem cria novas tecnologias vem dessas organizações da sociedade civil.”
Eugênio Scannavino, Saúde e Alegria, vencedor do Empreendedor Social 2005

“Nunca vivemos em um momento tão bom para empreender socialmente. Por mais que tenham todos os desafios da agenda política, no setor privado de negócios de impacto social estamos crescendo bastante. Temos mais acesso a capital, surgem mais fundos de impacto. Hoje, consegue-se criar uma solução de baixo custo, lucrativa e ao mesmo tempo sustentável. Falta um marco regulatório que já existe para ONGs, mas não para negócios sociais. Mas estamos dando passos muito importantes no setor”
Ralf Toenjes, Renovatio/VerBem, vencedor do Empreendedor Social de Futuro 2017

“Alimentamos 23 mil pessoas por dia, somos um modelo a ser replicado. Sempre me preocupei com políticas públicas. A política é fundamental porque ela é estruturante. Precisamos ter uma democracia participativa e parar de viver em bolhas."
Luciana Quintão, do Banco de Alimentos, finalista do Empreendedor Social 2011

“Fui o primeiro jovem da minha comunidade a ir para uma universidade federal, e isso mudou os horizontes, o meu e o do município de 12.500 habitantes, que hoje conta com doutores. Graças a essa metodologia chamada aprendizagem cooperativa, que se ensina debaixo da árvore. Jovens que sabem mais matemática ensinam quem sabe menos. Nós não temos escola nem estrutura, e hoje mais de mil jovens da região chegaram ao ensino superior. Temos o maior polo de desenvolvimento de mentes. Eu me apaixonei pela metodologia e saí replicando que nem maluco. Foi aí que nasceu a Adel [Agência de Desenvolvimento Local]. Éramos oito líderes, os oito até hoje continuam engajados com a entidade, há dez anos. O ambiente para empreender no Brasil é de alta resiliência. Temos hoje um modelo consolidado, estamos em 43 municípios, em três estados. Temos uma rede de 400 jovens empreendedores, alguns na área social.”
Wagner Gomes, da Adel, vencedor do Empreendedor Social de Futuro 2010

“Estamos atendendo demandas que sempre existiram, mas que nunca receberam o olhar do mercado tradicional. Estamos vendo surgir um monte de negócios que atendem por gênero, raça, idade, interesses. Isso motiva o empreendimento e encontra eco em uma sociedade que tem um monte de grupo de minorias, que são minorias em direitos mas não em tamanho, que se tornam parte desse ecossistema e fazem esses negócios escalarem incrivelmente. Nenhum problema pode ser resolvido por um único setor. Precisamos de Estado, negócios e terceiro setor.”
Roberta Faria, da Editora Mol, vencedora do Prêmio Empreendedor Social 2018

“As palavras que carrego comigo são criador de realidade. Olhando 250 organizações e negócios sociais pelo mundo, a maioria fundada entre 2000 e 2005, despertamos coletivamente. A gente se vê preparado para atingir milhões de pessoas juntos, não mais separadamente. Tem mais de 50 cidades querendo aplicar o curso de auxiliar de cozinha da Gastromotiva. Estamos co-criando com oito organizações ao redor do mundo um currículo básico de gastronomia social, em oito línguas, para poder ser baixado onde quiser, por governo ou seja lá quem for. Vamos virar facilitadores de processos. É o poder de um olhar sistêmico. Uma mudança de chave que tive de trazer para mim e para Gastromotiva.”
Davi Hertz, da Gastromotiva, vencedor do Empreendedor Social de Futuro 2009

“Temos organizações e iniciativas sólidas de meio ambiente, saúde, educação. A trajetória do Imaflora é de conquista, avanço, fortalecimento e maturidade institucional, sem perder os valores. E as colaborações são fundamentais. A questão é como colaborar em rede, como as nossas experiências se somam e como conseguir mover recursos em grande escala. Infelizmente, ainda atuamos de maneira muito segmentada. Nessa luta insana pela sobrevivência, temos pouca capacidade de investir nesse campo institucional mais amplo. Não se sabe o que será do Brasil daqui para frente nesse campo ambiental, mas vejo que, como movimento, evoluímos muito. O Brasil tem acúmulo de empreendedor social e de sociedade civil organizada, que milita no campo da denúncia, nas soluções, nas políticas públicas ou nos arranjos com empresas. Óbvio que apanhamos muito no congresso e tem um monte de retrocessos. As eleições mostraram que a nossa pauta é irrelevante para a sociedade como um todo.”
Luís Fernando Guedes Pinto, fundador do Imaflora, finalista do Prêmio Empreendedor Social 2012

“O sistema prisional está falido, é caótico. A reincidência é de 80%, os custos são altíssimos. As Apacs [Associação de Proteção e Assistência aos Condenados] são a alternativa que pode melhorar o drama das prisões. Mas tudo com dificuldade, contra a indústria dos presídios, contra as facções criminosas, contra o preconceito da sociedade. Em tempos difíceis e sombrios, é preciso uma mística que nos alimente na caminhada. O desânimo é o maior dos fracassos. Na ditadura nós encontramos caminhos de luz e fomos nos impondo nas prisões. Temos de ser estratégicos. Acredito no desenvolvimento das ideias, na evolução da sociedade. Nossa tarefa é de levar esperança para as prisões do mundo inteiro. O método Apac é genuinamente brasileiro, mas não é do ou para o Brasil. Está a serviço da humanidade.” 
Valdeci Ferreira, da Fbac (Fraternidade Brasileira de Apoio aos Condenados), vencedor do Empreendedor Social 2017

“Os tempos vão ser mais desafiadores. Mas estamos aqui batendo esse papo porque somos um bando de otimistas. É aquela frase do Caetano Veloso: ‘O Brasil vai dar certo porque eu quero’. Estou convicto de que vamos fazer isso acontecer. Temos de fazer uma leitura de tudo o que foi desestruturado e de todos os novos campos que foram abertos e os espaços que estão vazios. O Brasil virou do avesso. Temos que nos atualizar no modo como vamos nos posicionar na sociedade. Hoje, pessoas comuns têm interesse em explorar esse campo de negócios sociais porque de fato é um mercado. É muito clara essa evolução. De alguma forma agrega a resolução dessa dor que essas ONGs superbacanas enfrentaram nos anos 1990 e até nos anos 2000 que é a de como se faz esse trabalho sem morrer?”
Fernando Assad, Programa Vivenda, vencedor do Empreendedor Social de Futuro 2015
 
“Já estava envolvido num projeto de pesquisa com o mico leão preto, aí começa a história do empreendedorismo. As  últimas populações remanescentes estão no Pontal do Paranapanema, onde o MST ocupou terras. Em um ano, 100 mil pessoas mudaram para a região. Peguei o ônibus e bati na porta da cooperativa dos assentados da Reforma Agrária. E fui falar com o José Rainha Júnior, o líder naquela ocasião. Eu disse: ‘Eu vim aqui conversar porque eu não consigo conversar com o governo’. Ele falou: ‘Tenho uma coisa para te propor. Vamos plantar árvore juntos?’. Demos um aperto de mão e fizemos um acordo que já dura 20 anos. E estamos plantando árvore a vida toda com o MST e com os assentados. Começamos a nos envolver com os negócios da região. Veio a compreensão de que se não nos envolvêssemos com as comunidades e com a economia regional, com os grandes e os pequenos, não íamos conseguir salvar biodiversidade nenhuma.”
Cláudio Pádua, do Ipê, vencedor do Empreendedor Social 2009, ao lado de Suzana Pádua.

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