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Como ajudar catadores, multidão esquecida na quarentena

Ligados a cooperativas ou autônomos, os catadores de produtos recicláveis estão entre grupos de maior vulnerabilidade ao coronavírus

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São Paulo

Uma multidão esquecida. É como os catadores de recicláveis estão sendo definidos, em meio a pandemia do coronavírus, por representantes de empresas e instituições que vêm se mobilizando para socorrê-los.

No Brasil, estima-se entre 800 mil e 1 milhão o total de trabalhadores nessa atividade, segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MNCR).

Mulheres catadoras com uniforme verde em torno de uma saco com produtos recicláveis
Cooperados da Coopcicla, de Natal (RN) - 59mil

"A grande maioria são trabalhadores avulsos, que não têm MEI, nada. Vivem da coleta do dia para ter o que comer", diz Guilherme Brammer Júnior, da Boomera, empresa focada na transformação de resíduos de difícil reciclagem.

Vencedora do Prêmio Empreendedor Social 2019, a Boomera opera em parceria com 109 cooperativas em todo o Brasil.

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Autoridade Municipal de Limpeza Urbana (Amlurb), anunciou nesta terça-feira (31), um socorro de R$ 5,7 milhões para auxiliar os catadores de materiais recicláveis na capital paulista.

A medida vai beneficiar 900 famílias associadas às 25 cooperativas habilitadas no Programa Socioambiental de coleta seletiva. Ao todo, cada família receberá da prefeitura R$ 1,2 mil mensais, por até três meses, durante a pandemia.

Outros 1.400 catadores autônomos receberão R$ 600 pagos pela prefeitura e outros R$ 600 pelo Governo Federal.

"A Prefeitura de São Paulo saiu na frente, mas a situação dos catadores por todo o país está crítica. Poucos são auxiliados e há muitos que trabalham em situação de rua. É uma população de alta vulnerabilidade", diz Brammer.

O empreendedor social está à frente da campanha #vamosjuntos para arrecadar R$ 700 mil em doações e socorrer 3.000 cooperados com vales de R$200 reais, em cartões, neste momento de crise.

Para isso, ele criou um coletivo que já conta com o apoio de Dow Quimica, Avina, Vale Refeição (VR) e mais dez empresas.

Todos podem colaborar, pessoas físicas ou jurídicas, com valores múltiplos de R$ 200, para facilitar as somas e distribuições. Para receber as coordenadas de como doar, basta escrever para o email contato@boomera.com.br.

Para fazer chegar comida aos lugares mais distantes, em vez de investir em cestas básicas, por uma questão de logística, a Boomera firmou parceria com a Vale Refeição (VR) para distribuir a renda em forma de vale. "Estamos falando de lugares como Ji-Paraná, Roraima, onde a logística seria complicada", diz.

Dessa maneira, o pagamento vai direto para a VR, com renda 100% revertida para as cooperativas. "A VR tirou todas as taxas e garante a entrega do dinheiro para o catador em cinco dias. Um baita parceiro", diz Brammer.

Ele reforça que 90% dos resíduos que vêm da coleta seletiva no Brasil passam pela triagem das cooperativas de catadores. "Os catadores são 'agentes ambientais', que ajudam a limpar as cidades e o planeta. Agora eles precisam ficar de braços cruzados, e aí? Não podemos deixá-los desamparados", diz.

Despensa vazia

"Se não fossem as doações, não teríamos o que comer", conta a catadora Maria Monica da Silva, de 47 anos. Cearense, ela vive no município de Diadema, em Sāo Paulo, onde toca com o marido, Sérgio Almeida dos Santos, a cooperativa de reciclagem Cooper Fenix.

Catadora Maria Mônica da Silva
Maria Mônica da Silva, catadora da Cooper Fênix - Arquivo pessoal

O nome da cooperativa faz jus à história de Monica, catadora desde os 11 anos, quando fugiu de casa, por conflitos familiares com o padrasto, e foi morar na rua. Aos 14, conseguiu morada na casa de uma amiga, em uma comunidade de Diadema. Aos 22, ficou viúva, com três crianças, a mais velha com 3 anos. "Me virei na catação", diz.

Com o segundo marido, Sérgio, teve mais dois filhos e iniciou a cooperativa, em 2016. Ali, trabalham 18 pessoas. O catador mais velho tem 87 anos. "Para infectar a gente é 'dois palitos'. Tem pessoas de idade, com pressão alta, diabetes", diz ela.

A decisão de paralisar os trabalhos foi no dia 24 de março. Ao assistir o pronunciamento do governador João Doria, anunciando a quarentena, sentiram que era melhor fechar as portas.

O início da quarentena fez o material reciclado pronto pra venda encalhar. "Estamos com mais de 15 toneladas paradas, entre papelão, papel, plástico, ferro, tetrapack. Vidro também tem um bocado, diz.

Quem abrisse a despensa da casa de Monica, naquele dia, encontraria dois pacotes de feijão e arroz pela metade. Na geladeira, apenas água e ovos. Pouco para alimentar a ela, o marido, a filha de 18 anos, Monique, e os netos Pietro, de 3 anos, e Eloá, de 9 meses, que moram com eles. Isso sem falar na mãe de 65 anos e no tio de 61, "acamado", que dependem dela. Os outros filhos e mais quatro netos estão se virando como podem.

A catadora começou a entrar em contato com pessoas da comunidade, em busca de ajuda. Conseguiu algumas doações de cestas básicas, com amigas e um vereador. Ligou para Roberto Laureano da Rocha, também catador e presidente da Associação Nacional dos Catadores (ANCAT). "Ele me disse que fariam uma campanha de âmbito nacional, o que me deixou mais tranquila", conta.

Roberto Laureano da Rocha, catador, presidente da Ancat (Associação Nacional dos Catadores)
Roberto Laureano da Rocha, catador, presidente da Ancat (Associação Nacional dos Catadores) - Ancat/Divulgação

A associação nacional é um braço do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, que atua para apoiar os catadores e cooperativas.

A campanha Solidariedade aos Catadores (para doar: solidariedadeaoscatadores.com.br), da Ancat, foi lancada em 27 de março.

"O colapso geral é na falta de alimentos. Foi tudo muito rápido e inesperado", diz Roberto.

A preocupação se deve ao grande número de catadores avulsos, 60%, para 40% de cooperados.

Até esta quinta-feira (2), as arrecadações eram pouco mais de R$ 8.000. "A expectativa é atender 5.000 catadores com alimentos. Num segundo momento, queremos oferecer um mensal de R$ 300. O levantamento está sendo feito a partir de quem tem 'demanda prioritaríssima', explica Roberto.

A distribuição será feita por entidades parceiras ou nas próprias cooperativas.

Preocupada também com as despesas de alguel, Monica e o marido talvez consigam receber a ajuda de R$ 600 mensais do governo, como autônomos. "Não tenho certeza, as informações são confusas", diz ela.

Na grande São Paulo, a decisão de suspender as atividades nas cooperativas foi discutida e aprovada pelo comitê de crise do Programa Socioambiental da prefeitura, que conta com representantes da Amlurb e cooperativas.

Efeitos colaterais

O Plano de Contingência de Resíduos Sólidos da Amlurb em situação de pandemia, estabelece que a operação dos recicláveis deverá ser realizada sem qualquer triagem manual dos cooperados. Desta forma,

“Preservar a saúde dos cooperados é nossa prioridade na gestão dos resíduos recicláveis. Inicialmente os grupos de risco foram afastados das atividades, mas com o avanço do cenário foi necessário fechar temporariamente as cooperativas”, afirma Edson Tomaz de Lima Filho, presidente da Amlurb.

“Com essa iniciativa, nós entendemos que essas famílias precisam de uma assistência financeira para se manterem em casa e seguras.”

Segurança que também entra em pauta quando voltarem ao trabalho pós-quarentena. "Vamos ter de investir em EPI (equipamentos de proteção individual). Os catadores terão de usar máscaras, coletes, luvas. O cenário vai mudar", diz Roberto Laureano, da Ancat.

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