ONG inova com cestas digitais, favela inteligente e bazar escola

Corona no Paredão, da Gerando Falcões, cria ação emergencial e lança projetos de geração de renda e empreendedorismo na pandemia

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Edu Lyra, líder da ONG Gerando Falcões e finalista da categoria Legado Pós-Pandemia Renato Stockler

São Paulo

Corona no Paredão

  • Organização ONG Gerando Falcões
  • Empreendedor Edu Lyra
  • Site https://gerandofalcoes.com/coronanoparedao

Carlos Jorge se lembra da multidão que apareceu ao distribuir as primeiras cestas básicas na favela do Vergel do Lago, em Maceió, em março. Centenas se amontoaram na frente do instituto que ele preside, o Mandaver, para receber pacotes com enlatados, arroz, feijão, papel higiênico.

“Já estava tudo fechado por causa da Covid, ninguém conseguia trabalhar. A gente tinha muito pouco para cuidar de mais de 2.000 famílias”, diz Jorge, 33, nascido e criado na comunidade na orla da lagoa Mundaú, que depende da pesca do sururu.

Com restaurantes e bares fechados, o produto que antes vendiam por R$ 20 o quilo caiu para R$ 5. “Todo mundo trabalha de dia para garantir a comida da noite. Se não tem trabalho, é fome”, diz Jorge.

A logística de entregar cestas básicas no meio da pandemia era um pesadelo. Para completar, muita gente havia tido o Bolsa Família cortado em 2019 e o auxílio emergencial, do governo federal, só começaria a chegar 45 dias depois. “Se não tivesse a cesta básica digital, as pessoas teriam morrido de fome”, diz o alagoano.

Ele se refere aos cartões alimentação, carregados com R$ 100 mensais ao longo de três meses, distribuídos pela iniciativa Corona no Paredão – Fome Não, idealizada pelo Instituto Gerando Falcões, fundado por Edu Lyra.

Em parceria com mais de 90 ONGs, como a Mandaver, de Jorge, o projeto distribuiu R$ 25 milhões em cestas básicas digitais, beneficiando mais de 400 mil pessoas em 300 favelas do Brasil.

Edu resolveu criar o programa quando esteve em uma favela em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. “Vi mães que estavam havia três dias sem comer para que seus filhos pudessem fazer duas refeições por dia.”

Ele entendeu que precisava agir rápido. “Senão, ia acontecer uma hecatombe social. As famílias não iam sobreviver até a chegada do auxílio emergencial.”

Ele procurou a Accenture para criar um aplicativo para registrar e comprovar as entregas dos cartões às famílias cadastradas, em parceria que envolveu Ticket e Alelo.

A Gerando Falcões treinou 147 líderes sociais de ONGs parceiras em 16 estados brasileiros. O desafio era fazer chegar, rapidamente, o dinheiro para levar comida ao maior número de famílias.

“Se fôssemos entregar cestas físicas, teríamos que estocar alimentos, e, pela escala, comprar de supermercados.”

Com a cesta digital, as pessoas compravam nos mercadinhos, ajudando o comércio local. “As famílias tinham liberdade de escolher o que precisassem. Isso deu dignidade e velocidade”, diz Edu.

A Gerando Falcões montou um site para receber doação a partir de R$ 50 —foram 21 mil pessoas físicas. Treze grandes empresas doaram cerca de R$ 1 milhão, e outras 29 fizeram grandes doações.

“Foi importante a sociedade se mobilizar, não havia tempo a perder, porque poderia haver caos social por causa da fome”, diz Rubens Menin, da MRV Engenharia, que doou R$ 2 milhões. “Edu teve a ideia brilhante de distribuir cesta digital, que simplificou a logística.”

Os “falcões” sob a batuta de Edu trabalhavam das 7h às 23h. “Sabíamos que, cada dia que atrasava, era uma família que ficava sem comer”, lembra o empreendedor social.

Ele conhece a fome de perto. Cresceu em uma favela em Guarulhos (SP). Após cumprir pena por assalto a banco, o pai reingressou ao mercado de trabalho.

A mãe, sua grande inspiração, dizia: “Não importa de onde você vem, mas pra onde você vai”. Em 2011, aos 23 anos, escreveu o primeiro livro, “Jovens Falcões”. Com 50 amigos, vendia a obra de porta em porta, por R$ 9,99.

Com o dinheiro, fundou em 2013 a ONG Gerando Falcões, em Poá (SP), com Amanda Boliarini, LeMaestro e Mayara, com quem ele viria a se casar.

Edu conseguiu o primeiro investimento na ONG do casal Patrícia e Ricardo Villela Marino, da holding Itaúsa, que controla o Itaú Unibanco.

A entidade se transformou em uma rede de organizações que forma líderes nas favelas, ministra aulas de arte, música e esportes, cursos de qualificação. Conta com doadores como Jorge Paulo Lemann, Elie Horn, Charles Wizard e empresas como Ambev, Motorola, Visa e Accenture.

Edu foi nomeado pelo Fórum Econômico Mundial um dos Global Shapers, rede de jovens líderes, e já fez palestras em empresas como Google e Microsoft, além da universidade Harvard e da London School of Economics.

O trabalho na pandemia é “case” inspirador. Só no Vergel, foram 12 mil beneficiados, que desde antes da Covid-19 viviam na miséria.

O auxílio emergencial do governo termina em dezembro e médicos já falam em uma segunda onda. “É difícil refazer a mesma estrutura de guerra, mas acompanhamos a situação de perto”, diz Lyra.

Para além da emergência, o empreendedor acelerou dois projetos estruturantes. Fomentou 50 negócios em periferias do país e tirou do papel o Favela Inteligente, piloto a ser implantado em seis meses no interior de São Paulo, como laboratório de uma comunidade autossustentável.

Uma das angústias que a Covid trouxe a Edu é que, ao mesmo tempo em que se problematiza a favela, é preciso redesenhá-la. “O Favela Inteligente vai entregar cidadania com moradia, saneamento, água potável, empreendedorismo e microcrédito.”

A Gerando Falcões criou ainda o Varejo Social, “Magazine Luiza da Favela” que nasce como Bazar Escola para gerar renda e sustentabilidade.

“Fortalecemos lideranças em favelas e o trabalho em rede”, afirma Edu, ao sonhar que um dia a pobreza no Brasil seja peça de museu.

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Corona no Paredão

  • 512 mil pessoas impactadas
  • R$ 25,6 milhões em recursos mobilizados
  • 85.300 cestas básicas digitais (cartões alimentação)
  • 157 organizações articuladas
  • 451 comunidades atendidas
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