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'Se tivesse deixado só para a prefeitura cuidar, ia morrer muita gente', diz indígena salvo com oxigênio enviado por ONG

Missão Covid-19, iniciativa dos Expedicionários da Saúde, é um dos 30 destaques do Empreendedor Social do Ano na categoria Mitigação da Covid-19

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Jaílson Gonçalves, 47, da etnia Baré, é piloto fluvial da ONG Expedicionários da Saúde em São Gabriel da Cachoeira (AM); teve sintomas graves de Covid-19 e foi atendido em uma das 262 enfermarias de campanha montada pela organização para garantir atendimento aos povos da floresta durante a pandemia. A seguir, depoimento dele à Folha.

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“Em abril ainda tinha muita gente das comunidades indo para São Gabriel, muitos para receber o Bolsa Família, e aí nem sabiam que estavam infectados e subiam [o rio Negro] de volta levando o vírus. A gente nem tinha teste, nem sabia direito sobre a doença. Eu subi o rio para levar os primeiros equipamentos e fiquei 25 dias por lá.

No final do mês, comecei a ter febre e sentir muitas dores no corpo. Achei que era gripe porque a gente aqui toma muito sol e chuva, mas como piorava eu pensei em malária.

Eu fui para um pólo base [de atendimento de saúde] e a enfermeira me deu um remédio. Como eu sou diabético, fui piorando e ficando com muita dificuldade para respirar.

O piloto de barco Jaílson Gonçalves, 47, da etnia Baré, que vive em São Gabriel da Cachoeira (AM) e se curou de Covid-19
O piloto de barco Jaílson Gonçalves, 47, da etnia Baré, que vive em São Gabriel da Cachoeira (AM) e se curou de Covid-19 - Arquivo pessoal

Aí ela já entrou em contato com os médicos lá da equipe do doutor Ricardo [Affonso Ferreira, da ONG Expedicionários da Saúde] e eles falaram que era Covid. E ali mesmo eu já usei o oxigênio que eles tinham mandado para lá, mal conseguia respirar.

Mas como eu piorei, um helicóptero foi me resgatar. Naquela hora, eu já tinha entregado a vida pra Deus. Falei ‘Deus que sabe. Se Deus não quer que eu fique aqui, entrego minha vida para Ele’.

Quando eu cheguei em São Gabriel [da Cachoeira], fizeram o teste da Covid e perguntaram para onde eu queria ir. Eu não queria ir para o hospital, porque o pessoal de lá não trata a gente [indígena] bem.

Pedi para ficar no DSEI [Distrito Sanitário Especial Indígena] do Alto Rio Negro porque já tinha os equipamentos lá [a ONG Expedicionários da Saúde montou no local uma Unidade de Atenção Primária Indígena] e eu conhecia as pessoas. Fiquei internado 15 dias e fui melhorando.

Depois que eu tive alta ainda fiquei em casa mais uns 15 dias. Aí já quis voltar a trabalhar para ajudar a levar mais equipamentos.

A minha mãe tem 92 anos e também pegou Covid. Ela mora na aldeia marabitana e recebeu todo atendimento lá, não precisou ir para a cidade. E ficou boa.

No início, muita gente não deixava os médicos e as enfermeiros chegarem perto para dar as orientações porque falavam que eles estavam levando a doença de branco. Mas depois foram vendo que não era assim.

Eles estão se cuidando, um foi ensinando pro outro e melhorou. Isso ajudou muito.

Conheço o doutor Ricardo há 20 anos, gosto muito dele e de todo pessoal que trabalha com ele. Eles já operaram a minha vista. Se não fosse o trabalho deles e do DSEI, ia morrer muita gente com a Covid.

Se tivesse deixado só para a prefeitura [de São Gabriel da Cachoeira] cuidar, a gente ia morrer, não tinha mais lugar nos hospitais. Pouca gente morreu aqui [nas comunidades], mas na cidade morreu muita.”

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