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Autocrítica para inclusão produtiva no setor de tecnologia: empresas devem ser treinadas para incluir

Critérios para contratação quase sempre têm a variável dinheiro: onde estudou, quantos idiomas fala, para onde viajou, quão culto você é

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Gustavo Glasser

CEO da Carambola, é homem transgênero, que enfrentou obstáculos para se incluir no mercado de tecnologia da informação. Foi vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro em 2019.

O Brasil precisa discutir a estratégia de contratar com diversidade para o mercado de tecnologia, setor que adota modelo pouco eficiente baseado somente em competências técnicas. A falta de profissionais tem sido constante e, para resolver esse problema, processos de formação são desenvolvidos para beneficiar pessoas em situação de vulnerabilidade social.

Um desses programas para selecionar alunos trouxe um desafio envolvendo conceitos matemáticos complexos. Em outro, o inglês era condição para aprovação. Esses casos reais mostram duas coisas: que precisamos reeducar os educados e que o mercado não entendeu a correta engrenagem de inclusão.

O modelo de contratação pelas habilidades técnicas fortalece um processo de compra. Quando eu compro um curso, adquiro a possibilidade de estudar e o mercado me contrata. Quando o cidadão não consegue “comprar” as habilidades de que necessita, ficará fora do mercado e da possibilidade de ter renda.

Hoje, todos os critérios para contratação subjetivamente têm a variável dinheiro envolvida: onde estudou, quantos idiomas fala, para onde viajou, quão culto você é. Tudo isso custa caro!

É bastante racional pensar que incluir se associa à distribuição de renda na base da pirâmide, via empregabilidade; que projetos que miram na formação voltada ao mercado de tecnologia são um caminho assertivo a seguir.

Entretanto, é fundamental tornar ter pragmatismo para não cairmos na armadilha de reforçar o estigma de que o garoto e a garota negra periféricos não conseguiram acompanhar as aulas; que o transexual, igualmente da periferia, não estava à altura do desafio e desistiu.

A falta de diversidade no mercado não é culpa dos minorizados ou subrepresentados.

Devemos desenhar programas de inclusão que não sejam excludentes. Os criadores do curso online e gratuito devem enxergar que a menina candidata à formação, muitas vezes, é cuidadora de crianças e idosos da família e tem um tempo restrito para estudar.

Ela merece uma oportunidade real de se formar –não um discurso de que a culpa é dela por não ter conseguido.

A inclusão de profissionais transexuais revela o despreparo de muitas empresas. Algumas dizem que querem contratar, mas que há baixa escolaridade entre trans. É óbvio que eles e elas deixaram a escola (ou será que foram deixados pela escola?) por algum motivo que envolve essa vulnerabilidade.

Então, programas de formação têm que endereçar esse contexto; não adianta repetir o discurso da insuficiência deles como profissionais porque essa narrativa reforça estigmas.

Não dá para criar um padrão de performance para pessoas de realidades sociais e econômicas diferentes.

Na Carambola, negócio de impacto social que desenvolve tecnologia para inclusão de diversidade no mercado de trabalho de tecnologia, atuamos, justamente, com um modelo invertido de educação que gera renda aos participantes e retorno sobre o investimento para os clientes.

Na prática, aceleramos em quatro dimensões: processos, orientação a resultados, habilidades técnicas e habilidades pessoais e interpessoais (as chamadas "hard skills" e "soft skills", respectivamente). Em paralelo, focamos na inclusão e no impacto social ao formarmos times com diversidade primária e sociocultural que vão mudar a cultura e acelerar a transformação digital das empresas.

Envolve a geração de renda na base via educação de qualidade que mira na equidade social; modelo de educação de responsabilização de toda a cadeia.

Ressalto que todos os programas para formação de novos profissionais para a tecnologia são importantes, entretanto, são insuficientes.

Essa autocrítica é essencial para que os resultados sejam efetivos. Podemos fazer mais e melhor para a inclusão produtiva dos brasileiros ao pontuar nossa atuação com olhar mais crítico, racional e honesto para o impacto positivo que queremos gerar.

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