Impacto sistêmico gera transformações sociais em cinco latitudes

Livro aponta modelos e aprendizados de organizações que lideram mudanças profundas ao redor do mundo

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São Paulo

Em "The Systems Work of Social Change" (Trabalho Sistêmico para Mudança Social, em tradução livre), François Bonnici e Cynthia Rayner dissecam experiências de organizações sociais em diferentes geografias.

A Folha selecionou cinco exemplos de práticas organizacionais e táticas que levaram a mudanças em sistemas e efetiva transformação social em variados contextos: África, Ásia, Europa e Américas.

Todos os casos são de empreendedores sociais membros da Fundação Schwab, da qual Bonnici é diretor-executivo. "É uma reformulação radical de como precisamos trabalhar para reimaginar o futuro", diz ele.

Mulheres participam do projeto Rlabs, que teve origem em 2008 na África do Sul
Mulheres participam do projeto Rlabs, que teve origem em 2008 na África do Sul - Divulgação

ÁFRICA

  • RLabs www.rlabs.org
  • Origem África do Sul, 2008
  • Base e área de atuação Bridgetown, África do Governo; 23 países

Foco 
Hospeda programas de qualificação profissional, empreendedorismo e inovação que unem jovens em situação de risco em torno de suas experiências e paixão por tecnologia. Treinou 200 mil pessoas e incubou 3.500 empresas, criando 90 mil empregos.

Contexto 
Exclusão econômica e social de comunidades negras devido ao apartheid. Nos arredores da Cidade do Cabo, o acesso à educação e a oportunidades é limitado, acarretando evasão escolar, surgimento de gangues, toxicodependência e envolvimento com tráfico.

Approach sistêmico
RLabs nasce de ONG criada para gerenciar aplicativo concebido por ex-membros de gangues como plataforma de aconselhamento. O mais importante era o senso de conexão entre os membros com experiências semelhantes.

Com base nesse sentimento de unidade, jovens vulneráveis trilham novos caminhos e reconstroem suas trajetórias.

Tática 1
Construir um "nós", que se origina de experiências compartilhadas e orientação para o futuro. Fortalecidos por uma identidade coletiva, os jovens permanecem conectados na jornada de aprendizagem.

Tática 2
Oferecer oportunidade de conexão e exposição de sentimentos mais íntimos. Nesse processo, os participantes são capazes de reinterpretar sua trajetória em novo contexto para se direcionar a outros objetivos.

Aprendizados 
Embora a prática de cultivar coletivos possa parecer lenta e sinuosa, organizações como RLabs estão "desacelerando para ir mais rápido", usando novas identidades coletivas para criar sistemas de ação que facilitam mudanças amplas. Conectar-se e refletir faz parte do processo de "pensar juntos". Facilitando-se essas conversas em vários níveis, chega-se à complexidade que o problema envolve e a novos modelos mentais.

Participantes do projeto Nidan, que teve origem em 1996 na Índia
Participantes do projeto Nidan, que teve origem em 1996 na Índia - Divulgação

ÁSIA

  • Nidan www.nidan.in
  • Origem Índia, 1996
  • Base e área de atuação Nova Deli; 25 estados indianos

Foco
Promoção dos direitos de trabalhadores informais, ao elevar participação nas esferas política, econômica e cultural. Já atendeu a 1 milhão de pessoas e a 50 mil famílias.

Contexto
Falta de proteção para os trabalhadores na economia informal. Vistos como flagelo, os ambulantes eram retirados pela polícia de ruas e mercados. Em Calcutá, a Operação Luz do Sol tirou 100 mil vendedores das calçadas para visita do primeiro-ministro do Reino Unido. A organização surge para combater esse tipo de ação e fomentar políticas.

Approach sistêmico 
O fundador Arbind Singh percebeu que precisava mudar o estado de impotência dos ambulantes, a partir do reconhecimento de que se tratavam de parte vital da economia emergente da Índia. A organização passa a incubar cooperativas, sindicatos, associações e até empresas. Em duas décadas, 22 delas foram criadas, como entes autossustentáveis.

Tática 1
Para garantir a aprovação da lei dos ambulantes, foram realizados protestos, petições e até greve de fome. Entre os avanços, fortalecimento de políticas participativas e comitês de vendas.

Tática 2
Criar novos significados e valores, mudando a percepção de que os trabalhadores informais eram um incômodo, mas peça valiosa na economia urbana.

Aprendizados
Com as mudanças profundas no mundo do trabalho e o enfraquecimento dos sindicatos globalmente, o Movimento dos Trabalhadores Autônomos volta-se a todos os afetados pela precarização, percentual crescente da força de trabalho mundial.

Beneficiário do projeto Buurtzorg, que teve origem em 2001 na Holanda
Beneficiário do projeto Buurtzorg, que teve origem em 2001 na Holanda - Divulgação

Europa

  • Buurtzorg www.buurtzorg.com
  • Origem Holanda, 2006
  • Base e área de atuação Holanda; 35 países

Foco
Oferecer assistência médica domiciliar por meio de equipes de enfermeiros qualificados. São 10 mil profissionais e 70 mil pacientes, que se recuperam mais rápido ao usar o serviço.

Contexto
O sistema de saúde holandês, assim como muitos em todo o mundo, enfrenta o desafio de atender às necessidades de número crescente de pessoas que precisam de cuidados de longo prazo. Na década de 1990, o sistema passa por mudanças estruturais. Em vez de maior eficiência, caiu a qualidade do atendimento e diminuiu a satisfação de pacientes e funcionários, enquanto os custos aumentaram.

Approach sistêmico 
Em 2006, o enfermeiro comunitário Jos de Blok ascendeu a gerente dentro do novo sistema. Descontente, ele percebeu que sua motivação vinha da solução de problemas dos pacientes. Fundou a Buurtzorg, que significa cuidado da vizinhança. Não se colocam como prestadores de serviço, mas como equipe de "resolvedores".

Tática 1
Os enfermeiros da Buurtzorg buscam máximo grau de independência para pacientes. Trabalham em equipes de 10 a 12 pessoas, sem supervisão de escritório central nem de gerentes.

Tática 2
Sustentar a motivação da equipe é a chave para um atendimento de qualidade a custos abaixo da média por profissionais capazes de desbloquear seu potencial de resolução de problemas.

Aprendizados
Equipes motivadas e capacitadas tornam as hierarquias tradicionais desnecessárias. Com estruturas de gestão enxutas, maior investimento é feito na linha de frente do atendimento.

Beneficiários do projeto UpTogether, que teve origem em 2001 nos EUA
Beneficiários do projeto UpTogether, que teve origem em 2001 nos EUA - Ralph Jones

América do Norte

  • UpTogether www.uptogether.org
  • Origem Estados Unidos, 2001
  • Base Oakland, Califórnia; 8 cidades nos EUA

Foco
Oferecer alternativa ao modelo de serviço social padrão, proporcionando a grupos de famílias uma plataforma de financiamento, pela qual é possível rastrear metas, acessar recursos e trocar conhecimento. Participantes relatam aumento de 22% na renda e redução de 55% nos subsídios em dois anos.

Contexto
A falência de serviços de assistência social. Na década de 1990, grande parte dos recursos era alocada para manter profissionais em tempo integral. Então gerente de um programa com mais de 100 assistentes sociais, Mauricio Lim Miller observou que esses serviços em vez de eliminar a pobreza, a tornavam tolerável.

O setor existia para manter aqueles em posições de poder e não para ajudar os pobres. Sentia-se uma fraude ao ver famílias entrarem e saírem dos programas, enquanto ele e a equipe desfrutavam de um emprego estável.

Approach sistêmico 
Filho de uma imigrante, Mauricio estudou as abordagens de apoio mútuo usadas pelas comunidades. Em 2001, criou abordagem alternativa: famílias de baixa renda se reúnem em grupos escolhidos em suas próprias redes pessoais e trabalham juntas para definir metas de poupança, emprego e geração de renda que atendam às necessidades individuais e familiares. O papel da organização é fornecer as ferramentas para as famílias resolverem seus próprios problemas.

Tática 1
Circular dados entre os beneficiários, a partir de sistema de registro diário e mensal de gerenciamento de renda. Numa rede social interna chamada UpTogether, as famílias compartilham sucessos e fracassos, trocam conselhos e apoiam umas as outras. Mecanismos para atingir metas e motivar.

Tática 2
Descentralizar tomadas de decisões, diante da percepção de que problemas sistêmicos e de difíceis respostas são menos complexos no nível individual.

Aprendizados
Organizações que operam com "economias de confiança" apostam que grupos com experiência comum ou imersão total num contexto podem navegar mais facilmente em sua própria complexidade. Constroem sistemas responsivos guiados por combinação de interesses próprios e de grupo que respondem aos problemas de maneira natural, criativa e eficaz.

Participantes do projeto Fundación Escuela Nueva, que teve origem em 1987 na Colômbia
Participantes do projeto Fundación Escuela Nueva, que teve origem em 1987 na Colômbia - Divulgação

América do Norte

  • Fundación Escuela Nueva (FEN) www.escuelanueva.org/en
  • Origem Colômbia, 1987
  • Base e área de atuação Bogotá, Colômbia; 16 países da AL e Ásia

Foco
Promover modelo de escola com alunos como aprendizes ativos e professores como facilitadores. Inspirou reformas educacionais em todo o mundo. Os estudantes apresentaram melhor desempenho e menores taxas de repetência e evasão.

Contexto
Na década de 1980, o sistema escolar colombiano sofria com as consequências do conflito armado e da falta da presença do Estado nas áreas dominadas pelas guerrilhas. Os moradores das áreas rurais eram mais impactados, ampliando a desigualdade educacional.

Approach sistêmico 
A Escuela Nueva é um modelo que promove as crianças a criadoras ativas de conhecimento. Em meados de 1970, a fundação introduziu abordagem sistêmica para o currículo, treinamento de professores e participação da comunidade.

Modelo que virou política nacional para 20 mil escolas. No final da década de 1990, a implantação foi interrompida. O sucesso do modelo e sua vulnerabilidade a mudanças políticas levaram a abordagem mais ampla, pela qual a FEN estabelece conexões entre escolas e países que desejam mudar sua abordagem educacional.

Tática
A Escuela Nueva responsabiliza as crianças pela sua própria aprendizagem, permitindo-lhes definir o seu próprio ritmo sob a orientação do professor e o apoio dos colegas. Pais e professores compartilham responsabilidades na administração escolar, criando novas conexões com diretores e gestores públicos.

Aprendizados
Nas unidades onde a Escuela Nueva foi introduzida, toda uma geração de crianças, junto com seus professores, pais e comunidades, desenvolveu novas expectativas sobre como deveria ser o ensino.

Em 40 anos, o método ganhou reconhecimento internacional. Hoje, a FEN ampliou seu alcance como consultoria técnica do modelo Escuela Nueva, influenciando os sistemas nacionais de 16 países.

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