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Astrologia faz sucesso pois brasileiros são mais místicos, diz astróloga

A grande variedade de crenças e a capacidade de separar a religião da espiritualidade facilita a difusão no país

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São Paulo

"Estou usando o Tinder no Brasil, e uma coisa que percebi nos perfis é que todo mundo está falando sobre 1) seu atual (ou futuro) emprego e 2) seu signo. Não é incomum falar sobre o que você faz da vida, mas nunca estive em um país onde todo mundo enfatizasse seu signo zodíaco. Por que isso é uma questão tão importante aqui?", perguntou, no fórum popular Reddit, um estrangeiro em busca de um "date" em terras brasileiras.

Essa impressão é corroborada pela profusão de perfis nas redes sociais sobre o tema, pelo sucesso estrondoso de podcasts astrológicos por aqui e, bem, pela presença do assunto em festas, encontros, no trabalho e, claro, em memes.

O Brasil certamente não está sozinho nisso – a famosa astróloga americana Susan Miller está aí para provar–, mas a astrologia encontra bastante terreno por aqui na comparação. Pergunte a algum amigo ou parente que já morou fora.

Astrologia faz mais sucesso no Brasil do que em outros países, diz astróloga - Karime Xavier / Folhapress

​​A poeta e astróloga Júlia Hansen também tem a mesma sensação. "Eu noto isso porque leio mapa astral de muitas pessoas em Portugal, porque morei uns anos lá, e a adesão, o interesse e a força da astrologia entre brasileiros são muito mais impactantes", diz.

Segundo ela, os brasileiros são mais místicos. "Vejo muito isso nas leituras de mapas. Quando pergunto 'Você tem vida espiritual?', ouço de tudo dos brasileiros. 'A minha vida espiritual é a concha que eu carrego de amuleto', 'Tive educação religiosa', 'Sou iniciada no terreiro de candomblé'. Com os clientes estrangeiros, a resposta é mais fechada. E acho que essa relação com a espiritualidade, não com religião, dos brasileiros é um tipo de força que combina com a sensibilidade da astrologia."

A astróloga Cláudia Lisboa tem visão similar. "O Brasil é lindamente eclético em sua espiritualidade. É um país que tem santos devotos, orixás, sincretismo, toda uma mistura, e a astrologia entra de certa maneira no campo da espiritualidade, porque tem uma abordagem espiritual clara ao tratar das questões da alma. Mas é uma ferramenta espiritual, não religiosa."​

Raquel Dommarco, especialista em tendências na WGSN, empresa de tendências de comportamento e consumo, diz que vem acompanhando um desgaste generalizado e global na confiança em instituições, governos e até mesmo em religiões formais.

"Isso tem levado mais e mais pessoas a procurarem experiências espirituais alternativas que as ajudem a se conectar com o que acreditam ser o seu 'verdadeiro eu'. No Brasil, percebemos que a astrologia tem conquistado uma parcela representativa desse espaço criado pelo aumento da espiritualidade do público, processo que tende a se intensificar em momentos de crise e disrupção – como uma pandemia, por exemplo –, nos quais as pessoas precisam de ferramentas e narrativas que as ajudem a encontrar respostas diante de situações que fujam do seu controle."

De fato, Hansen e Lisboa perceberam um aumento na procura pelo serviço e pelo assunto com a pandemia de Covid-19.

"Sinto que está aumentando exponencialmente, e não sei quando isso vai parar de crescer. Vivemos uma época de transição, e não precisa ser astróloga para dizer isso sobre os últimos dois anos. As pessoas buscam os sentidos que possam expandir as próprias experiências e dar contorno ao que se vive", diz Hansen, que trabalha profissionalmente lendo mapas desde 2014.

Para Lisboa, astróloga há mais de 40 anos, o aumento tem muito a ver com a disseminação da astrologia em redes sociais, que amplificaram as vozes sobre o assunto.

"Na década de 90 também tivemos um boom de astrologia como agora, mas por meio das ferramentas de comunicação que tínhamos. Foi a partir dali que começaram a oferecer cursos rápidos para formar astrólogos que nos deixavam de cabelo em pé. São ondas que vêm e vão."

Bárbara Abramo, que trabalha como astróloga desde 1981, também vê uma oferta abundante e fácil de conteúdo sobre signos solares nas redes sociais. "Por ser uma linguagem, a astrologia se adapta para diferentes públicos nas mãos dos que sabem fazê-lo. Mas a astrologia é um sistema complexo que vai muito além de signos."

Ao mesmo tempo, Lisboa questiona por qual astrologia as pessoas estão interessadas. "Tem páginas de memes dedicadas a debochar do assunto, episódio do Porta dos Fundos sobre o signo do bebê, então virou uma salada de frutas. Esse lado não tem nada de sério, é astrologia para ganhar seguidores, e isso me chateia."

Raquel Dommarco, da WGSN, cita o perfil "Deboche Astral", que já conta com mais de 1 milhão de seguidores no TikTok, como exemplo do sucesso que a astrologia faz no Brasil. Tanto holofote também fez aumentar as reações contra a astrologia, com camisetas que comparam astrologia, terraplanismo e memes, especialmente num momento de exaltação à ciência, com o sucesso das vacinas contra a Covid-19.

Astrônomos, que volta e meia são confundidos com astrólogos, também percebem como o tema é popular e corrente no Brasil.

"Muitas vezes, quando ficam sabendo que sou astrônoma, me perguntam se faço mapa astral. Um colega até se ofereceu pra fazer o meu e vi de curiosidade, mas você nota que é muito aleatório. Você se identifica com algumas coisas e com outras não. Eu não tenho essa preocupação, mas respeito quem se interessa pelo assunto. Cada um acredita no que quiser, se isso vai ajudar a pessoa a se sentir mais segura", diz Simone Daflon, astrônoma do Observatório Nacional.

Para quem confunde as duas coisas, ela lembra que a astronomia e a astrologia tiveram uma origem comum, quando se começou a observar eventos astronômicos e a relacionar o que se via no céu com fenômenos na Terra. "Várias ciências nasceram dessa forma, mas com o tempo a astronomia foi se estruturando a partir do método científico, com estudos de causa e efeito, e não correlação."

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