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Demência precoce atinge adultos de 30 anos e tem diagnóstico demorado

Principal responsável por aumentar o risco são lesões repetidas na cabeça, como de boxeadores e jogadores de futebol

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Jane E. Brody
The New York Times

Muitas pessoas não ficam preocupadas demais quando um octogenário às vezes esquece o melhor caminho para sua loja preferida, não consegue lembrar o nome de um amigo ou amassa o carro quando tenta estacionar numa rua movimentada. Até os cérebros saudáveis funcionam com menos eficiência com o envelhecimento, e a memória, as percepções sensoriais e as capacidades físicas se tornam menos confiáveis.

E se a pessoa não estiver na casa dos 80, mas sim dos 30, 40 ou 50 anos, e esquecer o caminho de casa estando na sua própria esquina? É muito mais preocupante. A maioria dos 5,3 milhões de americanos que vivem com a doença de Alzheimer ou outras formas de demência têm mais de 65 anos, mas cerca de 200 mil com menos de 65 desenvolvem sérios problemas de memória e raciocínio muito mais cedo do que o esperado.

"A demência precoce é um diagnóstico especialmente desanimador, porque afeta indivíduos nos melhores anos da vida", escreveu o dr. David S. Knopman, neurologista da Clínica Mayo em Rochester, Minnesota (EUA), em editorial de julho de 2021 na revista JAMA Neurology. Muitos dos afetados estão na faixa dos 40 ou 50 anos, em meio de carreira, pouco preparados para se aposentar e talvez ainda criando famílias.

Alzheimer é a forma mais comum de demência precoce - Nomad_Soul/Adobe Stock

A demência em um adulto jovem é especialmente traumática e desafiadora para as famílias reconhecerem, e muitos médicos não a reconhecem ou sequer suspeitam que possa ser uma causa subjacente dos sintomas.

"Reclamações sobre névoa cerebral em pacientes jovens são muito comuns e geralmente benignas", disse o dr. Knopman. "É difícil saber se ela é causada por estresse, depressão ou ansiedade, ou a consequência do envelhecimento normal. Mesmo os neurologistas raramente atendem pacientes com demência precoce."

No entanto, estudos recentes indicam que o problema é muito mais comum do que a maioria dos médicos imagina. Em todo o mundo, até 3,9 milhões de pessoas com menos de 65 anos podem ser afetadas, segundo indicou uma análise de 74 estudos. A análise, feita na Holanda e publicada no JAMA Neurology em setembro, descobriu que para cada 100 mil pessoas entre 30 e 64 anos 119 apresentavam demência precoce.

O editorial do dr. Knopman chamou a demência precoce de "um problema subestimado". Seu diagnóstico muitas vezes é adiado e o conhecimento sobre seu tratamento também é "escasso", escreveu ele.

Causas variadas

O estudo holandês descobriu que, em geral, a doença de Alzheimer era a causa mais comum de demência precoce. Mas quando os sintomas se desenvolviam antes dos 50 anos a doença de Alzheimer precoce era uma explicação menos provável do que duas outras: demência vascular e demência frontotemporal.

A demência vascular resulta de um bloqueio ou lesão dos vasos sanguíneos no cérebro que interferem na circulação e privam o cérebro de oxigênio e nutrientes. Seus sintomas mais comuns, além de problemas de memória, são confusão, dificuldade de concentração, dificuldade para organizar ideias ou tarefas, e raciocínio lento.​

Na demência frontotemporal, partes do cérebro que ficam atrás da testa e das orelhas encolhem, resultando em mudanças drásticas de personalidade, comportamento socialmente inadequado ou impulsivo, e indiferença emocional. Problemas de movimento e memória geralmente se desenvolvem mais tarde no curso da doença. Segundo a Clínica Mayo, a demência frontotemporal geralmente começa entre 40 e 65 anos de idade e pode ser diagnosticada erroneamente como um problema psiquiátrico.

A doença de corpos de Lewy é outra causa de demência em adultos mais jovens. Está associada a depósitos anormais no cérebro de uma proteína chamada alfa-sinucleína, que afeta a química cerebral e causa problemas comportamentais, de raciocínio e movimento. A maioria dos sintomas é semelhante aos observados em outras demências, e outros sintomas como alucinações podem se assemelhar à esquizofrenia, mas o declínio da função cerebral ocorre significativamente mais depressa. Um sintoma característico da demência por corpos de Lewy é ter sonhos violentos e tentar realizá-los, disse o dr. Knopman.

A doença de Alzheimer continua sendo a causa mais comum de demência em adultos mais jovens e mais velhos. Existe uma forma hereditária de Alzheimer que normalmente surge em pessoas mais jovens, mas esses casos representam menos de 10% das doenças precoces. A maioria dos casos de Alzheimer ocorre esporadicamente por motivos desconhecidos, embora fatores genéticos possam aumentar o risco.

Pessoas com Alzheimer geralmente têm um acúmulo de substâncias anormais no cérebro –as proteínas tau e beta-amiloide. Os primeiros sintomas incluem memória prejudicada, problemas de linguagem, dificuldade de concentração e finalização de tarefas, falta de discernimento e deficiências visuais ou espaciais que geram problemas como erros ao dirigir veículos e se localizar. Exames de varredura do cérebro podem revelar a perda de células cerebrais e menor capacidade de metabolizar a glicose, o que é indicativo de doença cerebral degenerativa.

Provavelmente, o principal fator responsável por aumentar o risco de demência precoce são as lesões repetidas na cabeça, como as experimentadas por boxeadores profissionais, jogadores de futebol e, às vezes, militares veteranos.

Quando as células cerebrais são danificadas ou perdidas, não há como recuperá-las. Portanto, evitar lesões na cabeça é a melhor proteção possível no momento.

Muitos pais hoje em dia tentam desestimular os jovens de praticar esportes como futebol americano, em que as lesões na cabeça são frequentes. No entanto, o uso adequado e constante de capacetes e não cabecear a bola no futebol pode limitar o risco de lesões.

O dr. Knopman disse que está menos preocupado com crianças do ensino fundamental que praticam esses esportes; o risco de desenvolver demência em idade jovem por traumatismo craniano repetido é muito maior entre pessoas que jogaram futebol na primeira divisão ou se tornaram boxeadores profissionais.

Entre os idosos em geral, os mesmos fatores inflamatórios associados à aterosclerose –o entupimento e endurecimento das artérias que nutrem o coração– também podem afetar os vasos sanguíneos que alimentam o cérebro. A inflamação em todo o corpo ligada ao diabetes e a doenças cardíacas pode causar alterações cerebrais que promovem a demência.

Diagnóstico difícil

Diagnosticar com precisão a demência precoce pode ser difícil, demorado, e deve começar com um histórico médico detalhado, disse o dr. Knopman. "Se os médicos não fizerem as perguntas certas, as famílias podem deixar de mencionar um sintoma revelador, como sonhos violentos."

Uma avaliação cognitiva completa das dificuldades de memória e linguagem da pessoa é fundamental, disse ele. Ela tropeça nas palavras ou diz "branco" quando quer dizer "preto"? Testes neuropsicológicos podem detectar dificuldades sutis com memória, funções visuais, cognitivas e executivas.

Um exame de varredura do cérebro é necessário para descartar a possibilidade de um tumor estar causando os sintomas cognitivos da pessoa. Uma punção lombar e a análise do fluido espinhal podem revelar níveis elevados de proteínas tau e beta-amiloide no cérebro. Uma ressonância magnética pode mostrar o encolhimento de partes específicas do cérebro. E um exame PET scan com glicose pode descobrir padrões anormais de absorção de açúcar em várias partes do cérebro, o que pode ajudar a distinguir entre a doença de Alzheimer, a demência por corpos de Lewy e a demência frontotemporal.

"Diferentes doenças degenerativas do cérebro têm padrões específicos de absorção de glicose", disse Knopman.

Tal como acontece com os pacientes com demência mais velhos, é essencial manter os jovens com demência em segurança. Eles não devem mais dirigir, operar equipamentos perigosos, incluindo o fogão, ou ser deixados sozinhos. Todos devem usar uma etiqueta de identificação dia e noite que alerte os outros sobre sua condição.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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