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Médicos dos EUA indicam medicamento e bariátrica a crianças com obesidade

Academia Americana de Pediatria quer ações mais imediatas, mas não orienta intervenções agressivas como primeiro passo

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Catherine Pearson
The New York Times

A Academia Americana de Pediatria divulgou na semana passada novas orientações sobre como avaliar e tratar crianças com sobrepeso ou obesidade. Um documento de 73 páginas argumenta que a obesidade não deve mais ser estigmatizada simplesmente como o resultado de escolhas pessoais, mas compreendida como uma doença complexa, com implicações para a saúde em curto e longo prazo.

Com base nesse raciocínio, as diretrizes – a primeira atualização do grupo em 15 anos – dizem que não há evidências em defesa da demora para tratar crianças com obesidade na esperança de que elas superem o problema.

Em vez da abordagem gradual recomendada no passado, pediatras e médicos de atenção primária devem adotar uma postura mais proativa, oferecendo encaminhamentos imediatos para programas intensivos de comportamento de saúde e estilo de vida, além de prescrever medicamentos para perda de peso ou aconselhar cirurgia em alguns casos.

Garoto em balança
Novas diretrizes americanas recomendam tratamento mais ativo de crianças com obesidade - Adobe Stock

"Mesmo em idades jovens, a obesidade pode ocorrer e muitas vezes não melhora sem tratamento", diz Sarah Hampl, pediatra do hospital Children's Mercy em Kansas City, no Missouri, e principal autora das diretrizes.

Aaron Kelly, codiretor do Centro de Medicina de Obesidade Pediátrica da Universidade de Minnesota, que não trabalhou nas novas diretrizes, chamou-as de "uma grande mudança". "Todo mundo gosta de simplificar o que é obesidade", aponta, "mas não é apenas uma questão de crianças ou pais se esforçarem para comer menos e se movimentar mais."

Um olhar mais atento sobre as novas diretrizes

Aproximadamente 1 em cada 5 crianças nos Estados Unidos entre 2 e 19 anos é afetada pela obesidade, o que significa que elas têm um IMC (índice de massa corporal), igual ou superior ao ao recomendado para sua idade e sexo com base nos gráficos de crescimento dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças do governo americano. A obesidade infantil também parece ter aumentado durante a pandemia de Covid-19.

Embora evidências crescentes sugiram que as pessoas podem ser saudáveis com qualquer peso se fizerem atividade física suficiente, a obesidade em crianças traz riscos imediatos e de longo prazo.

"Crianças e adultos com obesidade podem ser metabolicamente saudáveis, o que significa que podem ter níveis normais de açúcar no sangue, colesterol, pressão arterial e circunferência da cintura", diz Callie Brown, professora-assistente de pediatria na Escola de Medicina da Universidade Wake Forest, que não trabalhou nas diretrizes.

"No entanto, estamos vendo cada vez mais crianças diagnosticadas com diabetes tipo 2, colesterol alto e pressão alta, e a obesidade é um forte fator de risco para essas condições, tanto na infância quanto na adolescência e, posteriormente, na idade adulta."

De acordo com as novas diretrizes, o tratamento comportamental mais eficaz para crianças de 6 anos ou mais com obesidade é o encaminhamento imediato para um programa intensivo de comportamento de saúde e tratamento de estilo de vida.

Esses programas, que visam fornecer atendimento sem julgamento, geralmente são baseados em centros médicos acadêmicos, hospitais comunitários ou clínicas de tratamento de obesidade. Eles reúnem uma gama de especialistas, incluindo nutricionistas, fisiologistas do exercício e assistentes sociais, que ensinam educação física, organizam demonstrações de culinária e outros programas. A AAP recomenda que as crianças e suas famílias recebam pelo menos 26 horas de aconselhamento presencial ao longo de três meses ou mais.

Juntamente com as recomendações sobre programas de tratamento comportamental, a nova orientação apoia medicamentos para perda de peso e cirurgia para um subconjunto de crianças com obesidade. Os pediatras devem conversar com as famílias sobre medicamentos para perda de peso, além de intervenções comportamentais para crianças a partir dos 12 anos, enquanto adolescentes com obesidade grave devem ser avaliados para uma possível cirurgia para perda de peso.

As recomendações sobre medicamentos e cirurgias geraram muitas discussões nas redes sociais e um certo grau de controvérsia. Alguns especialistas em saúde do adolescente alertaram que tais intervenções podem ser prejudiciais, observando que o uso de medicamentos antiobesidade em crianças ainda é relativamente novo, enquanto a cirurgia requer um compromisso de longo prazo com requisitos nutricionais rigorosos.

"A cirurgia bariátrica é uma boa intervenção para alguns pacientes – os que têm complicações médicas como diabetes tipo 2 ou doença hepática gordurosa não alcoólica, por exemplo", pontua Katy Miller, diretora médica de medicina para adolescentes do Children's Minnesota. "Mas é uma cirurgia muito séria que traz impactos profundos para o resto da vida do paciente."

Mona Amin, pediatra da Flórida que não trabalhou nas diretrizes, acredita que parte do "barulho" em torno de medicamentos e cirurgias decorre de um mal-entendido de que a AAP está promovendo essas intervenções agressivas como primeiro passo.

"Na verdade – e eu realmente quero deixar isso claro –, quando você lê tudo, eles estão tentando criar um plano multidisciplinar para os médicos, para que tenham opções", diz Amin. "Eles não estão defendendo cirurgia ou medicação como primeira opção."

Por que é tão complicado tratar crianças com obesidade?

Em seus esforços para ser mais proativa e holística no tratamento da obesidade infantil, a AAP reconheceu o papel que os pediatras e outros prestadores de cuidados primários têm desempenhado na promoção do viés de peso.

O grupo insta os pediatras a examinar e abordar suas próprias atitudes em relação às crianças com obesidade. Ele recomenda, entre outras medidas, que os médicos usem a linguagem da "pessoa primeiro" (isto é, dizer "uma criança com obesidade" em vez de uma "criança obesa") e que reconheçam a complexidade da obesidade.

"Os médicos não estão imunes ao viés social de peso que prevalece em nossa cultura", aponta Rebecca Puhl, professora e vice-diretora do Centro Rudd para Políticas de Alimentação e Saúde da Universidade de Connecticut. "O viés de peso raramente, ou nunca, é abordado na faculdade de medicina."

Jason Nagata, especialista em medicina adolescente no Hospital Infantil Benioff da Universidade da Califórnia em San Francisco, diz que é importante lembrar como as conversas médico-paciente sobre peso e corpo podem ser delicadas. Ele também expressou preocupação de que práticas como o uso da linguagem da "pessoa primeiro", embora importantes, não sejam suficientes.

"Como especialista em distúrbios alimentares, recebo muitos encaminhamentos com a mesma história: um adolescente que já estava acima do peso ou obeso recebeu uma recomendação do pediatra ou dos pais para perder peso e levou isso ao extremo", afirma Nagata.

Ele trabalhou em estudos que mostram que comportamentos alimentares desordenados, como jejum ou vômito, são comuns em crianças com obesidade. Mesmo que os pais e os médicos tenham o cuidado de usar a linguagem pessoal e focar as discussões na saúde, não no peso, uma criança pode ouvir apenas "você está me dizendo que estou muito gordo e preciso perder peso", alerta.

Miller aprova essa avaliação, dizendo que "conversas sobre peso" podem levar as crianças a uma alimentação desordenada.

"O que temo é que estejamos propondo estratégias de tratamento caras, não prontamente disponíveis e, na maioria das vezes, malsucedidas, mesmo nas melhores circunstâncias", diz ela. "Ao mesmo tempo, estamos preparando as crianças para um relacionamento desafiador com seus corpos e aumentando seus riscos de outras condições médicas graves."

O que significa quando conversar com o pediatra

Especialistas dizem que pode levar tempo para que as recomendações da AAP mudem a forma como os pediatras prestam atendimento no dia a dia.

"O que sabemos sobre as diretrizes de prática clínica é que há um grande atraso entre o momento em que são publicadas e quando são realmente adotadas de modo geral no ambiente de atenção à saúde", diz Kelly.

Ainda assim, ele afirma que a nova orientação é um passo importante para mudar a forma como muitos médicos percebem e tratam a obesidade, e que abre a porta para que os pais tenham discussões francas com os pediatras se tiverem preocupações sobre o peso de seus filhos.

Essas conversas devem ser baseadas em uma técnica conhecida como "entrevista motivacional", diz a AAP, na qual os médicos fazem perguntas abertas para entender melhor a perspectiva da família. Hampl descreve isso como "falar menos e ouvir mais".

Se as famílias não conseguirem acessar um programa comportamental intensivo, os pediatras podem ter que elaborar um plano de atendimento. Isso pode significar agendar consultas mais frequentes com a criança, diz Brown, ou conectar a família aos recursos da comunidade, como parques e programas recreativos ou programas de provisão de alimentos.

"As novas diretrizes deixam claro que os pediatras devem discutir todas as opções de tratamento disponíveis com as famílias, mas as decisões de tratamento permanecem individualizadas", afirma. "O tratamento certo para uma determinada criança em um determinado momento é uma decisão que acontecerá entre a criança, sua família e seu médico."

"Lembre-se de que o peso é apenas um número e apenas uma medida da saúde de uma criança", acrescenta a profissional, "e o controle do peso pode não ser a melhor opção para aquela criança naquele momento."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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