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Bate-papo com conhecidos promove bem-estar ao permitir interação com pouca exigência

Os chamados "laços fracos" proporcionam benefícios para a saúde física e mental

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Paula Span
The New York Times

Victoria Tirondola e Lam Gong começaram a bater papo pela primeira vez na primavera passada na área para cachorros do parque Brookdale, em Bloomfield, Nova Jersey (Estados Unidos) quando perceberam que ambos tinham uma cadela chamada Abby. Tirondola, 65, é representante de vendas de seguros e vive na vizinha Cedar Grove, tem uma cadelinha que é um cruzamento entre bichon e poodle. A Abby de Lam Gong é um cruzamento de terrier com beagle.

Eles conversaram sobre cachorros. Depois descobriram que ambos gostam de cozinhar, então "passamos a falar de comida e restaurantes", diz Gong, aposentado que vive em Clifton.

Pessoas com cachorros num banco de parque
Victoria Tirondola, Pattie Marsh, Lee Geanoules e Lam Gong se conheceram ao passear com seus cachorros no parque - Bryan Anselm/The New York Times

"E de como eu cozinho melhor que ele", diz Tirondola. Eles estavam sentados num banco no parque numa tarde agradável de primavera, com os cachorros correndo soltos em volta, ao lado de uma terceira pessoa de um grupinho crescente que se encontra regularmente no parque: Pattie Marsh, passeadora de cães que leva um pastor australiano miniatura chamado Ollie para brincar no parque.

"Todos vivemos sozinhos", afirma Tirondola. "Minha mãe faleceu em julho do ano passado, e éramos muito unidas. Lam perdeu a esposa dele alguns anos atrás."

O fato de se encontrarem no Bark Park (a parte do parque reservada para cães correrem soltos) "nos proporciona um companheirismo", diz Marsh, 55. Ela e Tirondola, que sentem afinidade pelo fato de ambas serem cristãs evangélicas, vão ao parque diariamente. Gong as encontra ali uma ou duas vezes por semana. Outra que as encontra com essa frequência é Lee Geanoules, 69, garçonete que trabalha meio período num restaurante em Clifton e que chegou pouco depois com Charlie, fruto de um cruzamento entre pug e beagle.

Psicólogos e sociólogos descrevem esses tipos de relações como "laços fracos" ou "laços periféricos", em contraste com os laços estreitos entre familiares e amigos íntimos. Alguns pesquisadores que estudam esses laços incluem nessa categoria colegas de estudos ou de trabalho, vizinhos e pessoas que frequentam as mesmas igrejas ou locais de culto. Outros analisam interações com pessoas quase desconhecidas em cafés ou em rotas de trânsito.

Pessoas que se cruzam na área de cachorros de um parque, por exemplo, podem reconhecer outros frequentadores regulares mesmo desconhecendo seus nomes (se bem que provavelmente saibam o nome de seus cachorros) ou sem saber muita outra coisa sobre eles. Mesmo assim, frequentemente trocam palavras sobre seus pets ou sobre o tempo, e isso é importante.

Já foi demonstrado que essas interações aparentemente triviais reforçam o estado de ânimo positivo das pessoas e reduzem sua probabilidade de se sentir deprimidas.

"Os laços fracos têm importância, não apenas para nosso estado de ânimo mas também para nossa saúde", diz a psicóloga Gillian Sandstrom, da Universidade de Essex, na Inglaterra, que pesquisa seu impacto.

"Se eu perguntasse para quem você faz confidências, você não mencionaria essas pessoas", ela prosseguiu. Mas o sentimento de pertencimento proporcionado pelos laços fracos "é essencial para nos sentirmos ligados a outras pessoas" –mesmo entre introvertidos, que é como a própria Sandstrom se define.

Em seus primeiros estudos, dispositivos manuais foram distribuídos para grupos de universitários e pessoas com mais de 25 anos para registrar com quantos colegas ou outras pessoas eles interagiam, mesmo minimamente, no decorrer de vários dias. Aqueles que interagiam com mais pessoas com quem têm laços fracos relataram sentir mais felicidade e ter um senso maior de bem-estar e pertencimento que aqueles que tiveram menos interações.

Os pesquisadores também encontraram diferenças internas às próprias pessoas, mostrando que os efeitos não eram decorrentes da personalidade de cada um. As pessoas relatavam ficar mais felizes nos dias em que tinham mais interações. Outros estudos constataram benefícios semelhantes quando as pessoas sorriam ou trocavam palavras com baristas em locais como Starbucks em Vancouver, no Canadá, ou cumprimentavam motoristas de ônibus universitários em Ancara, na Turquia.

A maioria dos participantes eram jovens, mas um estudo publicado em 2020 acompanhou uma amostra de mais de 800 adultos mais velhos na zona metropolitana de Detroit ao longo de 23 anos.

Os pesquisadores pediram que os participantes (com idade mediana de 62 anos) desenhassem três círculos concêntricos, tendo "você" ao centro, e então dispussem as pessoas em sua vida nos círculos conforme seu grau de proximidade. As pessoas no círculo interno de laços estreitos quase sempre eram familiares, diz a psicóloga Toni Antonucci, da Universidade de Michigan e autora sênior do estudo. Os laços fracos no círculo externo incluíam amigos, colegas de trabalho e vizinhos.

Com o passar do tempo, o número de laços fracos passaram a prever o bem-estar da pessoa com mais precisão do que o número de laços estreitos. Para Antonucci, laços fracos "oferecem uma oportunidade de interação com baixo nível de exigência. É cognitivamente estimulante. É envolvente."

A pandemia de Covid-19, que chegou em um momento em que cientistas sociais já estavam alertando sobre os riscos da solidão para a saúde dos adultos mais velhos, suspendeu muitos desses encontros passageiros cotidianos.

Os idosos muitas vezes mantinham contato com seus familiares, de um jeito ou de outro. Mas onde estavam os garçons que já sabiam o que eles costumavam pedir para o café da manhã, os caixas de banco, os guardas de trânsito, as pessoas que levam cães para passear? "Espero que isso tenha feito as pessoas entender a importância dos laços fracos", pontua Sandstrom. Eles não substituem os vínculos fortes, "mas sentimos falta da espontaneidade e novidade desses laços fracos", comenta.

Quando as pessoas estão mais velhas e suas redes sociais tendem a encolher, pode ser preciso fazer um esforço para interagir com mais pessoas. "Faça o esforço", recomenda Antonucci. "Você não pode ter novos filhos aos 70, mas pode criar novos laços fracos."

O dia de Toby Gould começa às 7h com uma ida à padaria Chez Antoine, em Hyannis, Massachusetts. Pastor aposentado de 77 anos, Gould geralmente compra um café latte para viagem e troca algumas palavras em francês macarrônico com o proprietário belga, que dá uma fatia de presunto à pastora australiana de Gould, Layla. Se a padaria fechasse, "deixaria um buraco em minha vida", diz Gould.

Os laços fracos, incluindo os que são desenvolvidos online, não necessariamente se convertem em laços mais estreitos, nem é preciso que isso ocorra. Afinal, os relacionamentos mais íntimos podem envolver conflitos, exigências de reciprocidade e outras complicações.

Mas às vezes acontece de os laços fracos ficarem mais profundos.

Os integrantes do grupo que se formou no Parque Brookdale viraram amigos de verdade. Eles saem para jantar juntos, vão ao cinema e shows de humor. Quando o tempo está ruim, vão passear no shopping local. Lam Gong, que sabe fazer um pouco de tudo, pendurou cortinas na casa de Tirondola e envernizou armários para Geanoules. Deu carona para Marsh quando ela deixou seu carro na oficina.

No começo eles hesitaram um pouco em trocar seus números de telefone, "mas demos esse passo gigante", conta Geanoules, parando para afagar uma das Abbys. "Você pode transformar toda uma vida parando para bater papo com alguém por dez minutos."

Tradução de Clara Allain

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