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Carboidrato vai de evitado a adorado nas dietas de emagrecimento

Contrários a regimes restritivos, especialistas argumentam que a inserção do macronutriente deve ser equilibrada

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Curitiba

"O que eu gostaria que tivessem me dito quando entrei para o mundo fitness". Publicações em vídeo como essa, que estão em alta nas redes sociais, têm colocado em xeque uma das regras mais famosas do universo das dietas: a de que, para emagrecer, é preciso cortar o carboidrato.

É comum encontrar vídeos de nutricionistas, nutrólogos e influenciadores argumentando que o macronutriente não precisa, nem deve ser eliminado do cardápio.

"Pode comer seu pão. O carboidrato é extremamente necessário para te dar energia", diz o nutricionista Oswaldo Carius, no TikTok. "Pão não engorda e é uma opção saudável, sim", publica a influenciadora Letícia Citon em seu perfil na mesma rede. Mas o que fez o componente ser demonizado por tanto tempo? E por que, agora, até mesmo especialistas começaram a tirá-lo da geladeira?

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Carboidrato não deve ser deixado de lado em dietas de emagrecimento, segundo especialistas - Adobe Stock

Segundo a nutricionista Márcia Nacif, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a batalha contra o carboidrato é antiga e um dos primeiros porta-vozes dela foi o cardiologista americano Robert Atkins. Nos anos 1970, ele criou uma dieta que previa o corte ou a redução radical do nutriente, priorizando a ingestão de proteínas, mesmo aquelas embutidas, como bacon e presunto.

Nas décadas seguintes, surgiram diversos regimes na mesma linha, difundidos massivamente em revistas e programas de televisão. "No Brasil, por exemplo, além da low carb e a cetogênica, tivemos a dieta da USP, que se espalhou como uma proposta da universidade, embora não houvesse comprovação alguma de que ela tivesse sido criada por alguém ou algum grupo da instituição", diz a professora.

Mas por que o carboidrato virou um vilão? A nutricionista Flavia Auler, coordenadora do curso de Nutrição da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), cita dois motivos. O primeiro tem a ver com gasto energético. Os macronutrientes são responsáveis por manter o corpo funcionando, como se fossem combustíveis do organismo. São eles: os carboidratos, as gorduras e as proteínas. A ideia de quem defende uma dieta com menos "carbo" é fazer com que, na falta dele, o metabolismo passe a queimar gordura, levando ao emagrecimento.

O segundo ponto diz respeito a picos de glicemia. De acordo com a especialista, os carboidratos simples, presentes em doces, refrigerantes e geleias, tendem a elevar rapidamente a concentração de açúcar no sangue, o que pode abrir o apetite. Assim, deixar de lado os carboidratos seria uma boa saída para evitar esses excessos.

Só que aí entram alguns problemas. A começar pelo fato de que os carboidratos não são iguais. Enquanto a categoria dos simples é absorvida rapidamente pelo corpo, os complexos, encontrados em tubérculos, farinha, amido e raízes, em geral estão associados a fibras e contribuem com uma digestão mais eficiente. Portanto, inseri-los de modo equilibrado no prato faz bem.

Além disso, a troca de carboidratos por fontes de proteína como a carne vermelha pode alterar o perfil lipídico do indivíduo e elevar o nível de colesterol ruim caso a dieta não seja individualizada. "Quando come um bife, a pessoa não ingere só proteína. Ali têm outros componentes também, como gordura", pontua Nacif. Ela diz ainda que a reserva humana de carboidrato, chamada de glicogênio, é estocada com muita água e, quando é gasta, o sujeito perde líquido com a ilusão de que perdeu tecido adiposo.

Mas a questão mais mencionada pelos especialistas quando o assunto é a demonização do carboidrato é a ineficiência de dietas restritivas. De acordo com Auler, o brasileiro consome algo entre 180 g e 200 g do macronutriente por dia, que são reduzidos para aproximadamente 40g neste tipo de cardápio. A prática cria um conflito com o padrão cultural alimentar do país e fica inviável a longo prazo.

"Dificilmente uma pessoa consegue manter isso por mais de três meses, o que pode gerar frustração e até ganho de peso", diz a nutricionista da PUC-PR.

A redução abrupta do carboidrato leva a fraqueza, angústia, mau humor e não é raro que seja um gatilho para transtornos alimentares como a compulsão, a bulimia e a anorexia. É por isso que os carboidratos vêm ocupando um novo espaço no universo fitness, sob o argumento de que apenas uma dieta equilibrada e pensada para cada indivíduo será eficiente. O novo paradigma vem se espalhando pelas redes sociais.

Auler argumenta, entretanto, que não se trata de cancelar dietas que reduzem o consumo de carboidratos, mas de compreender que elas não são para todo mundo. "Para diabéticos, atletas de alto desempenho ou gestantes com diabetes gestacional, costumo orientar uma redução maior de carboidratos simples. Mas as regras são outras para a maior parte da população", afirma.

A comida também não deve ser reduzida aos seus nutrientes –se tem mais ou menos proteína, ou é rica em gordura. Essa perspectiva, que o cientista australiano Gyorgy Scrinis chamou de nutricionismo, desconsidera aspectos socioculturais do alimento em sua integralidade.

"Não dá para consumir um ultraprocessado observando apenas sua quantidade de carboidratos e ignorar a quantidade de aditivos químicos presentes ali", diz Auler. "A boa dieta é aquela pautada no equilíbrio e a que cabe na sua realidade."

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