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Marcela Kotait

O amargo gosto da nova diretriz da OMS

Escolhas alimentares devem levar em consideração contextos e desejos, não apenas estudos científicos

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Marcela Kotait

É nutricionista e coordenadora voluntária do ambulatório de Anorexia Nervosa do Programa de Transtornos Alimentares do Hospital das Clínicas de São Paulo

É comum hoje pessoas consumirem adoçantes de forma indiscriminada com a intenção de manter ou diminuir o peso e até com o objetivo de se tornarem mais saudáveis, ingerindo livremente alimentos de sabor doce ao mesmo tempo que dispensam o tão temido açúcar. A nova diretriz da OMS (Organização Mundial de Saúde) sobre adoçantes, divulgada recentemente, mostra que essa estratégia é um tiro n’água.

O documento da OMS sugere que, a longo prazo, o uso de adoçantes não é suficiente para controlar o peso ou reduzir a gordura corporal, podendo até acarretar prejuízos à saúde, como diabetes tipo 2 e problemas cardiovasculares. A agência também enfatiza a necessidade de esforços na diminuição do consumo de açúcar para a manutenção de uma dieta saudável.

Restrições dietéticas são a porta de entrada para transtornos alimentares - GuRezende/Adobe Stock

Qual a saída, então? Aceitar que a vida será mais amarga a partir de hoje? Devemos continuar ou não adoçando o cafezinho? E, se sim, com o que? Adoçante ou açúcar?

O consumo de alimentos diet em grande quantidade e de forma desnecessária por pessoas sem diabetes pode estar mascarando um comportamento alimentar transtornado e perturbado. O mesmo vale para o consumo exagerado de açúcar. Nesse sentido, não há dúvida de que a OMS acerta na recomendação.

Contudo, simplesmente proibir determinadas escolhas, ou classificar alimentos específicos como vilões, também não é saudável. Muito pelo contrário, o preço a ser pago com atitudes do tipo "tudo ou nada" pode ser ainda mais caro.

Restrições alimentares são a porta de entrada para o aumento das chances de episódios de compulsão alimentar e para o crescimento do risco de desenvolvimento de transtornos alimentares, como anorexia nervosa e bulimia, além do comer transtornado.

Isso sem contar que a ideia de controlar o que se come contribui diretamente para perpetuar a chamada "mentalidade de dieta", que envolve, por exemplo, a falta de autonomia alimentar e a valorização incondicional da relação entre magreza e saúde, com evidentes malefícios para o bem-estar.

Basear as escolhas alimentares exclusivamente em estudos científicos, sem levar em conta contextos e desejos, flerta com a possibilidade do adoecimento da relação das pessoas com o ato de comer, afastando-as de hábitos verdadeiramente saudáveis.

É necessário, portanto, entender a alimentação sob uma perspectiva mais ampla, reconhecendo que muitos fatores são responsáveis pelas escolhas que fazemos à mesa, entre os quais aspectos culturais, sociais e emocionais. Ou seja, tomar um cafezinho com açúcar no café da manhã, ou mesmo um copo de refrigerante no almoço de domingo, não tornará por si só a alimentação de ninguém menos saudável.

No final das contas, o que se deve levar da diretriz da OMS é o bom e velho equilíbrio. Isso significa evitar o consumo desvairado de adoçantes e não abusar do açúcar; optar por alimentos sem processamento ou minimamente processados; e, sobretudo, comer atento aos sinais físicos de fome e saciedade. Levar todos esses elementos em conta, e não apenas prescrições dietéticas, ainda são os melhores e mais apropriados modos de decidir o que e como comer.

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