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Por que a semaglutida está sendo testada para o tratamento do Alzheimer

Relação entre a doença e a insulina no cérebro faz fármaco para diabetes ser promissor contra este tipo de demência

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Nápoles

A semaglutida, princípio dos medicamentos Ozempic e do Wegovy, agora está sendo testado pela farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk para o tratamento da doença de Alzheimer. Se os resultados, que devem ser divulgados em 2025, forem positivos, o remédio poderá ser uma nova alternativa para restaurar a função da insulina cerebral e retardar o comprometimento cognitivo.

O medicamento é um análogo do GLP-1, hormônio produzido naturalmente pelo corpo. Entre as suas funções está estimular a produção de insulina, o que faz o fármaco ser utilizado no tratamento da diabetes tipo 2. Agora, pesquisadores estão desconfiados que essa ação pode impedir ou retardar os efeitos do Alzheimer.

A relação entre o Alzheimer e a insulina cerebral faz com que a semaglutida, fármaco para diabetes, seja promissora contra este tipo de demência - Brian Snyder/Reuters

Estudos mostram que receptores de GLP-1, coadjuvantes das funções cerebrais, podem ser protagonistas quando o assunto é neurodegenaração. Envolvidos em processos cognitivos, na transmissão de sinapses no hipocampo e na morte celular, tais receptores são alvo no desenvolvimento de novos fármacos.

O Alzheimer se caracteriza pelo acúmulo de proteínas beta-amiloides e tau na massa encefálica, formando placas que impedem o fluxo normal de sinapses. A doença também causa um processo de inflamação do sistema nervoso central que provoca a menor ação de vários hormônios, dentre os quais a insulina.

A relação entre a doença e a resistência insulínica fez com o Alzheimer fosse apelidado de diabetes tipo 3 no passado. Hoje, entretanto, essa visão é considerada simplista. A doença é resultado de um processo lento ligado ao envelhecimento, com dependência de fatores ambientais e educacionais.

João Salles, endocrinologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, afirma que o tratamento com a semaglutida deve mirar o processo que diminui a ação da insulina.

Os efeitos anti-inflamatórios do fármaco já foram vistos em estudos preliminares. Se os resultados forem positivos, pela primeira vez haverá um medicamento que age na inflamação dos neurônios. Para o especialista, é possível até mesmo que a substância retarde a evolução da doença, além de atuar na prevenção.

Como o fármaco já foi aprovado para uso para terapias contra diabetes e obesidade, os dois testes clínicos começarão na fase 3. A expectativa dos pesquisadores é que sejam recrutados quase 2 mil pacientes em fase inicial do Alzheimer em cada um dos trabalhos. "Esse é um estudo que chamamos de gerador de hipóteses", diz Salles.

Organizados em dois grupos, os voluntários receberão doses de 14 mg do medicamento ou um placebo por pouco mais de três anos. A expectativa é que os primeiros resultados sejam publicados em setembro de 2025, e que a pesquisa continue até o final do ano seguinte, outubro de 2026.

Outro problema do tratamento do Alzheimer, segundo o especialista, é o tempo. Evidências mostram que intervenções são mais eficazes quando a pessoa vive o início da doença. Pacientes precoces não têm sintomas clássicos, e o diagnóstico precisa ser dado por meio de exames de biomarcadores, como o PET amiloide. Por isso, os estudos ainda estão recrutando voluntários.

"É muito comum que, com o passar do tempo, você descubra outras aplicações para medicamentos que foram lançados em uma época", afirma João Oliveira, pesquisador e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco).

A semaglutida também será testada para avaliar pacientes com Parkinson em um estudo de fase 2 registrado em 2018 pelo hospital da Universidade de Oslo, mas que ainda não teve início.

Entre as substâncias da mesma classe, a dulaglutida é outro fármaco usado no tratamento de diabetes que trouxe benefícios cognitivos aos usuários. Durante estudos clínicos com quase 10 mil participantes, ela reduziu em 14% o risco de declínio cognitivo em pacientes que usaram por cerca de cinco anos em relação àqueles que receberam placebo. Os resultados do estudo, patrocinado pela farmacêutica Eli Lilly, foram publicados em 2020 na revista científica The Lancet.

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