Descrição de chapéu The New York Times Viver

Bigode renasce com propósitos que variam entre moda e autoridade

Visual evoca quase tudo, desde a masculinidade áspera até a ironia extravagante, assim como a sincera alegria paterna

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Shira Telushkin
The New York Times

Há cerca de seis meses, Micah Fitzerman-Blue, um roteirista de cinema de Los Angeles, estava raspando a barba quando, ao chegar à parte entre o nariz e o lábio superior, pensou: "E se eu simplesmente parar?"

"No começo fiquei constrangido, porque nunca tinha usado só o bigode", diz ele. Mas depois de confirmar que sua mulher não odiava e perceber como eles se tornaram comuns em seu bairro, Echo Park, ele adotou o visual. "Fiz 40 anos este ano e tenho dois filhos pequenos, e isso me faz sentir mais como um pai, mas um pai divertido", conta ele.

Ele não é o único. O bigode, capaz de evocar tudo, desde a masculinidade áspera até a ironia extravagante e a sincera alegria paterna, está desfrutando de um de seus renascimentos periódicos.

 Matt Carpenter, do New York Yankees, com seu bigode
Bigodes são nova tendência e têm propósitos diferentes - David Berding/AFP

"Quando estou no metrô em qualquer dia, olho em volta e vejo outras cinco pessoas num raio de 3 metros com bigodes", diz o ator Jimmy Brewer, 27, de Nova York, que deixou o bigode crescer enquanto estava em férias, sete meses atrás. Depois, ele conseguiu um papel no musical "Shucked", na Broadway, e foi convidado a manter o bigode até o final do contrato. "Eu sempre os admirei em outros homens, porque parece que eles são mais autoconfiantes", afirma.

Embora seja difícil separar dados sobre bigodes dos dados sobre tendências de pelos faciais em geral, os profissionais do ramo dizem que essa opção cresceu de modo pronunciado recentemente. Antes só usado por caras esquisitos, atores pornô, ícones da contracultura ou tios fora de moda, o bigode está se tornando novamente uma moda para os pelos faciais.

Existem muitas razões. O bigode é masculino, mas divertido, num mundo que desfruta de novas formas de se envolver com estilos de gênero. Estava prestes a voltar depois de uma década em que todo homem usava barba, de qualquer maneira, e a quarentena permitiu que muitos experimentassem e percebessem que gostaram.

"Começou a ganhar muito mais impulso no ano passado, especialmente depois que 'Top Gun' foi lançado", afirma Matty Conrad, que dirige várias barbearias em Vancouver, no Canadá, além de um popular canal no YouTube dedicado a cuidados faciais. "Acho que hoje o bigode é o que a barba foi em 2010. Mas se acabar tendo esse poder de permanência as pessoas que o adotaram pelo fator ‘uau’ começarão a procurar outra coisa."

Nicky Austin, estilista de cabelos e maquiagem responsável por manter o bigode icônico de Ted Lasso, atribui o aumento de bigodes entre seus clientes em Los Angeles à difusão da cultura da barba, bem como a uma nova abertura para os cuidados de beleza.

"Conheço homens que vão ao barbeiro todo fim de semana para manter seus pelos com aparência fresca, o que seria inédito 20 anos atrás", diz ela, acrescentando que aqueles com calvície geralmente acham os bigodes uma mudança de estilo positiva.

Os bigodes se tornaram mais comuns em espaços gay no final da década de 2010, especialmente os finos que complementavam a estética dominante bem cuidada e sexy, no estilo Tom of Finland, de couro e arreios. E eles poderiam ter permanecido no limite da popularidade na corrente dominante se a pandemia não tivesse ocorrido. Durante esse tempo, os homens começaram a fazer a transição de barbas para bigodes autônomos, trazendo outros para essa onda.

"A quarentena definitivamente me libertou de ter que lidar com aquela estranha fase intermediária, que sempre me impediu de deixar crescer um", pontua Lucas Johnson, professor de inglês no Brooklyn, que adotou um bigode grosso e largo dois anos atrás. "Como alguém no final dos meus 20 anos, é uma ótima maneira de me sentir na moda enquanto ainda sinto que estou ascendendo para uma idade adulta mais madura."

Ele também aprecia suas associações variáveis. "O bigode denota autoridade, mas também sugere uma certa dose de tolice", diz ele. "É muito masculino, mas também é muito extravagante e discretamente meio gay. Todo o espectro de gêneros está obcecado por meu bigode, assim como eu."

A popularidade do bigode sempre foi especialmente suscetível a ícones culturais e tendências do momento. No início dos anos 1900, os bigodes eram frequentemente elaborados, como o estilo leão-marinho de Theodore Roosevelt ou as pontas enceradas do bigode inglês (pense no arquiduque Franz Ferdinand), ironicamente revivido, embora por pouco tempo, no início dos anos 1980, por jovens que usavam suspensórios em toda os EUA.

Até 1916, os soldados britânicos eram proibidos de raspar o lábio superior, talvez por causa da profunda associação do bigode com virilidade e força.

Estilos mais artificiais também eram alvo fácil de zombaria. O bigode escova-de-dente de Charlie Chaplin, aquela pequena mancha acima do lábio, foi adotado especificamente por seu apelo humorístico, antes de ser associado a Hitler e perder para sempre seu lugar no ciclo da moda.

Após as barbas raspadas dos anos 1950, o bigode se tornou o item facial preferido da contracultura para diversos grupos considerados subversivos –hippies de cabelos compridos, marxistas, gays. O compositor e cantor Freddie Mercury usou um dos bigodes mais icônicos do século.

À medida que a nítida divisão de estilos entre a corrente dominante e a contracultura começou a se confundir nas décadas de 1970 e 1980, o bigode passou a ser associado a uma arrogância masculina e foi encontrado nos rostos de Burt Reynolds, Tom Selleck, Sam Elliott e outros. Nem todo mundo conseguia cultivá-lo, o que sempre fez parte de seu apelo, mas essas associações hipermasculinas se prestavam ao exagero, enquanto o bigode foi adotado de forma divertida na cultura gay. Também se espalhou por toda a indústria pornográfica, dando-lhe um ar de degeneração.

Claro, em muitos lugares, como o Oriente Médio e o México, o bigode absorveu seu próprio conjunto de ricas associações, e estas foram muitas vezes levadas para os EUA, dando ao estilo diferentes significados para diferentes grupos.

Para os americanos negros, sua evocação de autoridade e assiduidade tornou o bigode especialmente popular entre os líderes da era dos direitos civis, incluindo Thurgood Marshall e Martin Luther King Jr., antes de perder a preferência nos anos 1970. (Como Wesley Morris detalhou num ensaio de 2020 no The New York Times, continua sendo uma maneira vívida de se envolver com a identidade negra.)

No final da década de 1990, o bigode tinha saído tão profundamente da moda que poucos pensavam que algum dia voltaria. Mas, à medida que uma massa crítica de usuários se formou, o estilo aos poucos se livrou das associações subculturais que assumiu na década de 1980, levando mais pessoas a imaginá-lo em seu próprio rosto.

Hoje, duas opções se mostram particularmente populares: um chevron ("ziguezague"), como o usado por Ron Swanson em "Parks and Recreation", e o bigode volumoso embutido numa barba por fazer (pense em Henry Cavil, The Weeknd ou qualquer estudante de doutorado no Brooklyn). Escolhas mais bem cuidadas, incluindo o bigode caneta, o repartido ou com pontas enceradas, continuam sendo o domínio dos mais capazes entre nós.

Mas qualquer escolha de estilo que mude significativamente o rosto de alguém vai parecer um pouco cômica, irônica e divertida. E em um mundo que revisita o cerne do que significa masculinidade, essas associações também podem ser bem-vindas.

À medida que o bigode se torna mais popular, muitos homens percebem que sabem muito pouco sobre sua manutenção. Que estilo funciona para o rosto deles? Como deve ser aparado? Quanto tempo leva para crescer?

"Só porque o cara quer algo não significa necessariamente que seja adequado ao formato do seu rosto, à textura dos pelos ou ao tipo de crescimento", indica Conrad, o barbeiro de Vancouver. "Parte da história é saber usar o que você tem."

Mas pequenos ajustes podem ter um grande impacto. A única diferença, diz ele, entre aquele bigode comportado de Ted Lasso e o de durão como o de Burt Reynolds é um desenho sutil.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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