Demora no diagnóstico faz pacientes levarem médicos para o tribunal

Problemas na identificação de condições de saúde são a terceira principal causa de processos, segundo entidade

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Roseane Santos
Rio de Janeiro

Há cinco anos, a escritora carioca Luciane Mello, 45, começou a ter uma dor de cabeça muito forte. "Cheguei a desmaiar e um amigo me recomendou procurar o neurologista. Mesmo após vários exames, o diagnóstico não foi fechado. Depois surgiram dificuldades de locomoção e fraqueza. Até hoje, não sei o que tenho", diz.

De acordo com a Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética), problemas relacionados a diagnósticos são a terceira principal causa nos processos judiciais de indenização, perdendo só para "resultado cirúrgico não esperado" e "abandono no pós-operatório", respectivos primeiro e segundo lugar na lista.

Apesar de não possuir dados de processos relacionados a demora, a entidade inclui nessa porcentagem as suspeitas de erro médico e os casos em que o paciente acredita ter demorado a chegar ao diagnóstico correto, acarretando danos para o tratamento.

Médico conversando com o paciente enquanto discute a explicação dos sintomas ou aconselha a saúde do diagnóstico e consulta o tratamento da doença, os cuidados de saúde e o conceito de assistência.
Pacientes relatam conviver com sintomas de doenças por anos devido à falta de diagnóstico - Ngampol/Adobe Stock

Nos últimos dez anos, cerca de 55 mil processos foram gerados contra órgãos de saúde, e pelo menos 12 mil deles envolviam dificuldades com diagnósticos, segundo o presidente da entidade Anadem Raul Canal, doutor em medicina regenerativa.

O profissional afirma que o problema é estrutural e começa na formação profissional. "As faculdades estão formando médicos para tratar de doenças e não de doentes. Está na hora de acabarmos com a medicina de tamanho único".

Assistida pelo seu plano de saúde, Luciane foi internada algumas vezes e passou por várias especialidades, entre elas neurologia, oftalmologia, fisioterapia, nutrição e clínica geral, mas vive ainda angústia de conviver com problemas de saúde e não saber exatamente como tratar.

"Fui abandonada por alguns médicos, porque nunca chegavam a uma conclusão. Agora estou com um geneticista que suspeita que seja uma doença neurodegenerativa, mas ainda não bateu o martelo sobre o nome exato do que é", conta.

Professor de endocrinologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, Ronaldo Pineda Wieselberg aponta outro motivo para a demora e imperícia nos diagnósticos: o viés que considera mercantilista da medicina.

"Muitas instituições estabelecem metas de atendimentos. Dessa forma, o médico vai atender mais rápido e acaba passando por cima de condições que não deveriam ".

A massoterapeuta Ingrid Rodrigues sentia uma cólica intensa desde 2016. Ela chegou a consultar alguns médicos, mas nenhum deles se aprofundava no motivo da dor. "Diziam que era normal, outros falavam que era por conta de um mioma. A solução que davam era a remoção do útero. Eu ficava perplexa, que o sonho de ser mãe estava sendo mutilado".

Somente em 2022, quando conheceu o ginecologista Thiers Soares, recebeu o diagnóstico de adenomiose, doença que até então era desconhecida para ela. A condição faz com que o tecido endometrial cresça na parede uterina e, assim, cause dores.

O médico de Ingrid concorda que atrasos nos diagnósticos são frequentes. Segundo ele, demoram até oito anos para que doenças como adenomiose e endometriose sejam identificadas.

"A primeira questão é a normalização da dor, culturalmente, tanto na parte familiar ou no dia a dia da mulher quanto no atendimento do profissional, ficou mais ou menos estabelecido que a dor seja normal, que isso pode ser aturado pela paciente", diz o ginecologista.

Outra dificuldade é que nem todo paciente tem acesso a exames de imagens de boa qualidade, muitas vezes fundamentais para a obtenção de um diagnóstico mais preciso.

Presidente do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro), Guilherme Nadais diz que, para um diagnóstico correto, os médicos precisam solicitar exames, que precisam ser realizados em tempo hábil.

"A demora pode comprometer o diagnóstico ou até mesmo mudá-lo. Tanto a rede pública como a privada necessitam prover essa opção para a população", pontua.

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