Felicidade ao cancelar planos sociais? Sentimento pode indicar introversão

Característica não é o mesmo que timidez, mas molda a forma como a pessoa se relaciona com o mundo

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Catherine Pearson
The New York Times

Poucas coisas na vida me dão tanta satisfação quanto cancelar planos sociais.

Sendo uma repórter que escreve frequentemente sobre amizade, estou muito a par dos benefícios dos vínculos. Sei, por exemplo, que estudos revelam que pessoas que têm vínculos sociais fortes têm vida mais longa e estão mais protegidas contra o estresse. E estou a par das evidências de que um círculo social realmente robusto abrange diferentes tipos de amizade, incluindo colegas de trabalho (que te ajudam a se sentir mais engajado e produtivo ao longo do dia) e os chamados "vínculos fracos" (conhecidos casuais que podem ajudar você a ficar sabendo de coisas novas e beneficiar seu sentimento de bem-estar no dia a dia).

Amigos e pessoa introvertida
Pode ser difícil para introvertidos conciliar a necessidade de conexões com o ímpeto de cancelar planos e ficar sozinho - Paola Saliby/The New York Times

Mas eu sou quem sou: uma introvertida que sente prazer em passar tempo sozinha. Reconheço que raramente me sinto motivada a fazer novos amigos ou mesmo a me encontrar com o grupinho de amigos que já tenho, que são poucos, mas aos quais dou grande valor.

Para mim, há uma tensão real entre o desejo por camaradagem, conexão e todos os benefícios da amizade, por um lado, e o desejo de ficar a sós, do outro. E o conselho frequentemente dado (incluindo em meus próprios artigos) sobre como fazer amigos na idade adulta tende me dar arrepios. Procurar outras pessoas ativamente? Não, obrigada.

"Todas as pessoas têm a necessidade fundamental de conexão", diz a cientista social Kasley Killam, fundadora e diretora executiva da organização sem fins lucrativos Social Health Labs, que busca criar soluções para o isolamento e a solidão. "Não é que os introvertidos não precisem de relacionamentos significativos. Mas o que varia é quanto e que tipo de conexão."

Perguntei a especialistas que estudam a introversão –e que se identificam como introvertidos— o que queremos e precisamos das pessoas com quem temos vínculos e como podemos fazer novos amigos sem deturpar nossa personalidade ou ficar exaustos com o esforço.

Como a introversão molda a amizade

Não há um consenso entre especialistas sobre a definição de introversão. Laurie Helgoe, professora clínica na Universidade Augsburg, em Minneapolis, e autora de "Introvert Power: Why Your Inner Life Is Your Hidden Strength" (O poder da introversão: por que sua vida interna é sua força oculta, em português), a caracterizou como uma orientação interna ou para dentro.

"Estou pensando no centro de controle da pessoa, seu laboratório –o lugar onde ela processa as coisas", diz Helgoe. "Por exemplo, se você me perguntar como está meu dia, vou parar um pouco, ir para meu laboratório interno, examinar meu dia e então preparar minha resposta. Meu marido, que é extrovertido, dirá a primeira coisa que lhe vem à cabeça, simplesmente para manter a conversa rolando, porque o laboratório dele é externo, está na interação com o outro."

Ela pontua ainda que, segundo pesquisas, a população se divide mais ou menos igualmente entre introvertidos e extrovertidos.

Outros tendem a definir a introversão a partir de como reagimos a estímulos sociais. "A característica chave da introversão é que a energia social te sobrecarrega em menos tempo, e você precisa de mais tempo para recarregar as baterias", indica Marisa Franco, autora de "Platonic: How the Science of Attachment Can Help You Make — and Keep — Friends" (Platônico: como a ciência do apego pode ajudá-lo a fazer e conservar amigos, em português).

Os termos "introvertido", "tímido" e até mesmo "ansiedade social" muitas vezes são usados como se fossem sinônimos, mas não significam a mesma coisa. A Associação Americana de Psicólogos define a timidez como a tendência de se sentir desajeitado ou tenso em interações sociais. Já a desordem de ansiedade social é uma condição de saúde mental caracterizada pelo medo intenso e persistente de ser observado e julgado por outros, um medo que atrapalha o cotidiano da pessoa.

"Os introvertidos são vistos equivocadamente como sendo antissociais", comenta Susan Cain, autora de "O poder dos quietos: como os tímidos e introvertidos podem mudar um mundo que não para de falar". "Na realidade, eles são sociáveis de maneira diferente."

Cain diz que os introvertidos geralmente "preferem usar sua energia social com as pessoas de quem são íntimas, enquanto os extrovertidos se reenergizam mais indo a uma festa cheia de gente nova para conhecer".

Killam observou que "os introvertidos tendem a fazer amigos mais gradualmente, enquanto os extrovertidos são mais propensos a ter experiências do tipo ‘amizade à primeira vista’";

Mas ela acredita que, embora os introvertidos tendam a preferir grupos pequenos de amigos íntimos, interagir com pessoas que são apenas conhecidas ou ter bate-papos cordiais com estranhos também são saudáveis para eles.

Como introvertidos e extrovertidos abordam a amizade

A discussão pública da introversão cresceu nos últimos dez anos, tanto que hoje já existe um Dia Mundial do Introvertido, não oficialmente reconhecido. Mas boa parte das recomendações sobre como fazer e conservar amizades ainda parecem ser endereçadas a extrovertidos e seu entusiasmo pela interação social.

Quando falei a Cain que o conselho de procurar outras pessoas ativamente me faz recuar, ela diz que sente a mesma coisa.

Por sorte, ela e outros especialistas me asseguraram que uma pessoa introvertida não precisa virar frívola ou superficial para poder ter amizades fortes e sadias. As estratégias que seguem podem ajudar.

Tome a iniciativa

Os introvertidos, diz Helgoe, geralmente não são fãs de encontros espontâneos ou de fazer planos sociais de última hora.

Por isso mesmo, dar o primeiro passo é uma tática útil, indica Franco. Muitas pessoas pensam que os extrovertidos têm mais aptidão natural para iniciar planos, mas essa é uma habilidade aprendida, diz ela, e não inata da personalidade. E ela tem o benefício adicional de deixar a pessoa no controle da situação.

"Tomar a iniciativa quer dizer que você tem o poder de escolher uma atividade de seu agrado", pontua. "Se você puder abraçar a ideia de ser a pessoa a iniciar interações, mesmo que seja introvertido, poderá escolher a atividade mais restauradora para você."

Se os planos que traçou derem errado, viva! Você ganha algum tempo inesperado a sós, indica Helgoe, que se deleita quando planos são cancelados.

"Minha melhor amiga e eu dizemos brincando que somos tão compreensivas uma com a outra quando isso acontece", ela falou, rindo.

Procure pessoas e lugares com os quais você se sente à vontade

Os introvertidos preferem ficar em sua zona de conforto, afirma Helgoe. Também gostam de pessoas com quem se sentem à vontade, ou seja, amigos que não se sentem obrigados a ficar falando o tempo todo que vocês estão juntos (nem esperam que você faça isso). Encontros que giram em torno de uma atividade que vocês fazem juntos podem ser mais prazerosos que encontros sociais em que o principal é conversar, ela diz.

Um jeito fácil de avaliar se você fica à vontade com uma pessoa é prestar atenção a como se sente depois de passar tempo com ela.

"Os introvertidos podem achar um amigo ou amiga X realmente energizante", indica Killam. "Eles podem passar horas com essa pessoa e não se sentir nem um pouco esgotados, apesar de que, de modo geral, passar tempo com outros pode ser uma coisa que os cansa."

Aproveite sua tendência natural a levar pessoas a se abrirem

Pesquisas sociais descrevem a existência de um grupo de pessoas "abridoras", diz Franco. "Elas tendem a ser boas em fazer as outras pessoas se abrir com elas."

Os introvertidos frequentemente se enquadram nessa categoria. São bons ouvintes, fazem perguntas e preferem desenvolver laços fortes com um grupinho pequeno de amigos. Pesquisas revelam que os introvertidos, mais que os extrovertidos, se sentem mais socialmente conectados quando têm conversas íntimas com outros.

"Ter uma conversa profunda e íntima significa muito mais para um introvertido", aponta Killam. "Vou falar de mim mesma, por exemplo. Adoro jantar com um amigo de cada vez." Ela diz que esses encontros "alimentam sua alma".

"Acho que isso se aplica a todos os introvertidos. Tendemos a nos sentir energizados por interações desse tipo, um pouco mais profundas."

Tradução de Clara Allain

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